segunda-feira, 13 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Política de habitação agrava efeito das enchentes

O Globo

Programas do governo incentivam construções em áreas de risco ou manancial nas periferias

A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul e a sucessão de desastres naturais que tem fustigado as cidades brasileiras nos últimos anos, amplificada pelas mudanças climáticas, deveriam levar a sociedade — em especial a classe política — a refletir sobre os modelos de ocupação equivocados e as políticas habitacionais erráticas que têm contribuído para agravar os efeitos de eventos climáticos extremos inexoráveis.

O Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) informou no ano passado, com base em dados antigos do IBGE, que 8,3 milhões de brasileiros viviam em áreas suscetíveis a enchentes ou deslizamentos. Estima-se que esse número já ultrapasse 10 milhões. Pelo menos 2,5 milhões se concentram em locais de “alto risco” e “muita vulnerabilidade”. Em Salvador, 45,5% da população vive em áreas de risco. Em Belo Horizonte, 16,4%. No Recife, 13,4%.

A ocupação das cidades se consolida ao longo de décadas, ou séculos, adensando algumas áreas, esvaziando outras, ocupando terrenos que jamais deveriam ser ocupados. A leniência dos governos permitiu que encostas e margens de rios fossem tomadas por moradias precárias, erguidas sem cuidado técnico, em áreas altamente vulneráveis a deslizamentos e enchentes. Mas não só a cidade consolidada expõe as populações a tragédias climáticas. Políticas públicas equivocadas, caso do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), trazem prejuízo ambiental ao favorecer a ocupação de áreas de risco nas periferias, perpetuando um modelo insustentável de urbanização.

Quando era prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, hoje ministro da Fazenda, construiu um conjunto de prédios do MCMV numa área de mananciais às margens da Represa Billings, Zona Sul da capital paulista. O projeto controverso, de 193 prédios e 3.860 apartamentos, foi criticado por ambientalistas e chegou a ser embargado pela Justiça a pedido do MP. Depois, no terreno antes usado como área de lazer no Parque dos Búfalos, foi construído o condomínio, que continua lá.

Norteada pela busca de terrenos baratos para construção maciça de moradias, o MCMV por vezes abriga famílias em áreas suscetíveis a enchentes. Em Queimados, na Baixada Fluminense, um condomínio do MCMV construído para vítimas da chuva foi invadido pelas águas e pela lama em 2013. Em 2016, um conjunto habitacional em Maricá (RJ) foi inundado numa tempestade, e os moradores precisaram ser resgatados pelos bombeiros.

Para o arquiteto e urbanista Washington Fajardo, o MCMV é um programa de estímulo à construção civil mais que de habitação social. E torna difícil aos prefeitos colocar em prática políticas mais resilientes às mudanças climáticas. A lógica do programa, diz Fajardo, é buscar terrenos nas periferias, não importando se a área está preparada. Baseia-se na ideia errada de que as cidades devem se expandir para se desenvolver, mesmo quando isso significa mais asfalto (e mais impermeabilização), menos árvores (e mais calor) e menos infraestrutura (e mais violência). “Há um sério problema de mentalidade, compreensão e tomada de decisão sobre como a urbanização deveria buscar urgentemente a sustentabilidade e adaptação”, afirma. Reocupar zonas centrais esvaziadas, como tem se tentado fazer no Rio e em São Paulo, deveria ser a prioridade.

Fenômenos climáticos extremos estão cada vez mais frequentes e intensos. As cidades, tal como foram concebidas, se mostram despreparadas para enfrentá-los. Há, é certo, medidas de mitigação que precisam ser tomadas. Mas, paralelamente, o modelo de ocupação do espaço urbano e as políticas para construção de moradias precisam ser discutidos à luz dos desafios atuais.

Brasil precisa estar preparado para diversidade de tecnologias limpas

O Globo

Mesmo que carro híbrido pareça hoje opção sensata, as baterias de veículos elétricos ganham competitividade

Relatório das Nações Unidas constatou que os compromissos de redução nas emissões de gases assumidos no Acordo de Paris estão longe do objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5 °C em relação aos níveis da era pré-industrial. Cientistas preveem que, mesmo que sejam cumpridos, o planeta esquentará entre 2,5°C e 2,9°C. É preciso, portanto, fazer mais. Para isso, o caminho mais promissor são tecnologias que gerem energia sem lançar gases na atmosfera.

A maior vantagem do Brasil é ter uma matriz energética das mais limpas do mundo — cerca de 60% da energia gerada é hídrica. Os obstáculos ambientais à construção de grandes hidrelétricas na Amazônia têm sido compensados pelo crescimento da geração de energia eólica e solar no Nordeste. Outra vantagem brasileira está na experiência com o uso de álcool como substituto da gasolina e de combustíveis vegetais no lugar de diesel.

É nítido, porém, o avanço dos veículos elétricos pelo mundo, propiciado pelo avanço tecnológico das baterias. Ainda há no Brasil um obstáculo aos proprietários de veículos 100% elétricos difícil de superar: a pequena rede de recarga existente. Por isso a tendência inicial deve ser a predominância de veículos híbridos. Há algum tempo foram lançados carros híbridos que podem ser movidos tanto por eletricidade como por álcool, garantindo redução quase total das emissões.

O barateamento das baterias deverá, contudo, exercer pressão pela eletrificação total da frota. Nos Estados Unidos, Califórnia, Texas e Arizona já têm usado baterias robustas, carregadas por energia solar durante o dia para abastecer as redes de transmissão à noite. Em 30 de abril, entre 19h e 22h, as baterias forneceram mais do que 20% da energia consumida na Califórnia. Por alguns minutos, distribuíram 7.046 megawatts, o equivalente à geração de sete usinas nucleares como as de Angra.

A tendência é a multiplicação de baterias pelo mundo. Em três anos, a capacidade de estocagem de energia elétrica foi multiplicada por dez nos Estados Unidos. A previsão para este ano é que o parque dobre de tamanho. Ajuda nessa expansão a queda de 80% no custo das baterias à base de lítio — mesma tecnologia dos celulares e dos veículos elétricos. A Califórnia conta com elas para atingir o objetivo de chegar a 2045 com 100% da energia consumida no estado oriunda de energia limpa. Para isso, a malha de baterias triplicará até 2035. Seu uso tem substituído o consumo de gás natural.

É cedo para saber se a opção brasileira pelo carro híbrido será melhor que a adoção de veículos elétricos dependentes de uma rede de distribuição ainda incerta. Mas é preciso estar preparado para um futuro em que serão necessárias tecnologias de todo tipo.

Ajuste do Orçamento voltou à estaca zero

Folha de S. Paulo

Cálculo que exclui receitas e despesas extraordinárias mostra que déficit retornou a patamar semelhante ao de Dilma

Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de monitoramento ligado ao Senado, o saldo estrutural das contas do governo — descontadas receitas e despesas extraordinárias— passou de um saldo positivo de 0,2% do Produto Interno Bruto em 2022 para um déficit de 1,6% no ano passado.

Trata-se de patamar não muito distante do pior momento de desequilíbrio das contas púbicas nos estágios finais do governo de Dilma Rousseff (PT), quando foi revelada a extensão dos danos de sua gestão no Orçamento.

Que o Brasil tenha jogado fora anos de ajuste e esteja de novo em situação de penúria evidencia a irresponsabilidade política do Executivo e do Congresso, que gera graves prejuízos para a sociedade.

A medida de resultado estrutural busca mostrar a realidade das contas públicas, descontados os efeitos do ciclo econômico e impactos não recorrentes.

Por exemplo, quando o país enfrenta uma recessão que contrai as receitas, o saldo primário do Tesouro piora, mas não necessariamente de forma permanente. De outro lado, os mecanismos automáticos de estabilização, caso do seguro-desemprego, entram em operação e elevam as despesas durante o período recessivo.

Devem-se, como faz a IFI, excluir essas influencias para medir de forma precisa o estado real do Orçamento. O problema, então, aparece de modo explícito: a PEC da Gastança adicionou ao menos R$ 150 bilhões de gastos permanentes.

Para estabilizar a dívida, é preciso saldo positivo em torno de 1,5% do PIB, o que implica ajustes na casa dos R$ 300 bilhões. Mas não há sinal de vontade do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nem do Congresso para lidar com o desafio.

A realidade inescapável é que a regra fiscal desenhada pela gestão petista é inconsistente com a dinâmica das principais rubricas de gastos do Orçamento, que crescem além dos limites da nova regra.

Dado o esgotamento da agenda de aumento de impostos já escorchantes, será preciso lidar com tal inconsistência, o que exige necessariamente enfrentar temas espinhosos, como a regra de correção dos gastos de saúde e educação, a política de aumentos do salário mínimo acima da inflação e a vinculação das despesas sociais, como a Previdência, ao mínimo.

Nada disso parece plausível para um governo aventureiro e gastador, que não oferece propostas para modernizar a gestão do Estado, a despeito dos esforços de contenção de danos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Se o trabalho de restaurar a saúde financeira da União é de todos os Poderes, a liderança desta empreitada cabe ao Executivo, que até agora atua em direção contrária.

Chavismo de direita

Folha de S. Paulo

Ao estilo venezuelano, Bukele usa popularidade contra democracia em El Salvador

A Assembleia Nacional de El Salvador aprovou há pouco uma emenda que permite reformas expeditas na Constituição. Esse foi o mais recente ataque ao Estado democrático de Direito desfechado pelo presidente Nayib Bukele, um populista de direita que governa sob regime de exceção desde 2022.

O propagandeado êxito no combate ao crime, à custa de vidas e liberdades civis, ampara seu prestígio —foi reeleito com 85% dos votos em fevereiro. Na América Latina, é inspiração para governos como os de Equador e Argentina.

A reforma constitucional elimina a tramitação regular de projetos de emenda e a submissão do texto final a consulta popular. Prevê ainda que as mudanças na Carta sejam adotadas de imediato, e não mais na legislatura seguinte.

A exemplo de Hugo Chávez na Venezuela, Bukele faz de sua popularidade a ferramenta para explorar as fragilidades institucionais do país e, por fim, minar a democracia.

Deu o primeiro passo pela via eleitoral, ao consolidar maioria absoluta de seu partido na Assembleia. A partir daí, acabou com a independência da Corte Suprema e do Ministério Público e adequou a Constituição a seus interesses.

Por decisão da Assembleia, que está em suas mãos, ministros da instância máxima da Justiça foram substituídos, em 2021, por asseclas que removeram o impedimento constitucional para o presidente da República concorrer à reeleição.

De fato, a taxa de homicídios, de 36 por 100 mil habitantes em 2019, seu primeiro ano de mandato, despencou para 2,4 no ano passado, uma das mais baixas do Ocidente. Mas nada demonstra que uma redução não pudesse ser alcançada sem truculência e com proteção aos direitos básicos dos cidadãos.

O indicador oculta uma avalanche de crimes do Estado contra os direitos humanos. Há centenas de desaparecidos, e mais de 75 mil pessoas —entre elas 1.200 crianças— foram presas e submetidas a julgamentos sumários desde 2022.

O quadro é preocupante. El Salvador converteu-se em um abominável caso de sociedade que, dilacerada pela violência das gangues, aviltou sua democracia sob a toada de um líder autoritário.

Firmeza sem arbítrio

O Estado de S. Paulo

Eleita presidente do TSE, a ministra Cármen Lúcia iniciará seu mandato em junho com o desafio de reencontrar o equilíbrio perdido na defesa da democracia e do processo eleitoral

Eleita na terça-feira passada como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para os próximos dois anos, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia precisará cumprir uma missão ainda mais relevante e decisiva do que a de dirigir as eleições municipais e preparar o ambiente para a disputa presidencial de 2026. Além dos objetivos constitucionais atribuídos à Corte, já nada triviais, espera-se da ministra uma necessária correção de rota no padrão adotado pelo ministro Alexandre de Moraes, o atual presidente, cujo mandato encerra em junho. É inquestionável que Moraes, assim como seus colegas no TSE e no STF, foi determinante para resguardar a democracia perante o golpismo bolsonarista. Mas não é de hoje que o ministro manifesta uma compreensão expandida de suas competências, com a obsequiosa cumplicidade de seus pares. A consequência é a percepção crescente de que a excepcionalidade do desafio original de proteger a democracia vem servindo de justificativa para o arbítrio.

Ao combinar reputação inquestionável de defesa democrática com moderação e discrição no exercício de suas funções – conjugação saudável que pode livrar a instituição que presidirá do ativismo judicial e político indesejado –, Cármen Lúcia pode ser o nome certo para refazer um equilíbrio há muito perdido. Em outras palavras, promover o devido freio em práticas arbitrárias que têm inspirado a acusação de que Alexandre de Moraes vem instaurando uma espécie de “ditadura judicial”. É possível fazer isso seguindo o que sabidamente tem preocupado a ministra: a defesa das instituições e da confiabilidade do processo eleitoral, o combate firme à disseminação deliberada de notícias falsas e de ataques à democracia e a preservação de um marco jurídico adequado para o mundo digital no contexto das eleições.

Para que essas legítimas preocupações resultem em ações efetivas, mais do que nunca as instituições de Justiça precisarão recuperar a confiança da sociedade. Isso significa achar o equilíbrio certo na dose do remédio que prescreve para defender a democracia dos excessos extremistas e golpistas.

Não há dúvidas de que o Brasil precisa reconfigurar limites e responsabilidades das plataformas digitais, preservando um ambiente virtual que respeite as liberdades e os direitos de todos os cidadãos. Há um cenário de desequilíbrio, no qual as plataformas desfrutam de muitos direitos, mas têm pouquíssimos deveres. Como afirmou Cármen Lúcia, “a liberdade não é só do dono da plataforma, de quem veicula”. Por outro lado, como a ministra também reconhece, há algum tempo a liberdade de expressão “vem sendo capturada por aqueles que fazem o mal”. Modular essa responsabilização das plataformas e da captura das liberdades nas redes sociais é tarefa do Poder Legislativo, com eventual validação de sua constitucionalidade pelo Poder Judiciário. Ir além disso, sobretudo no contexto eleitoral, é querer tutelar em demasia as preferências de eleitores e usuários das plataformas digitais.

Eis por que é necessário dizer o óbvio: o TSE não pode atuar como uma espécie de bedel de preferências e práticas dos eleitores, tampouco como censor de redes sociais. Há uma linha muito tênue, que exige marcadores mais precisos do que os que temos hoje, separando o que é exercício da liberdade de expressão e opinião daquilo que possa ser configurado como crime. E não há marcador melhor do que o previsto no Código Penal. Diferentemente do que sugerem as extravagâncias judiciais recentes, aí não se incluem alguns dos delírios de extremistas ou críticas políticas mais ruidosas difundidas nas redes. É hora de conclamar a sociedade a superar a desconfiança sobre os discursos políticos, inclusive dos mais radicais, e ter maturidade para aceitá-los mesmo quando se sente confrontada.

Convém valer uma máxima proferida pela própria Cármen Lúcia, ao votar no STF, em 2015, autorizando a publicação de biografias não autorizadas: “O ‘cala a boca já morreu’”, disse ela, para ilustrar a importância de não se calar a liberdade de expressão numa democracia. A preservação desse princípio democrático mais elementar é tão imperativa quanto o respeito da instituição a que cabe salvaguardá-lo. Que em seu mandato Cármen Lúcia não ignore tais lições.

A ciência do desastre natural

O Estado de S. Paulo

Se tragédias como a do RS serão mais frequentes, é preciso investir na ciência para ajudar a prever os eventos climáticos extremos, pois os atuais modelos estão superados

Enquanto profetas do apocalipse antecipam tragédias, cassandras da polarização alimentam divisões e populistas preveem planos mirabolantes, o desastre provocado pelas chuvas no Rio Grande do Sul deveria levar o Brasil a cuidar do essencial diante das mudanças climáticas: investimento na ciência. Em paralelo às respostas de curtíssimo prazo, convém rever políticas preditivas e preventivas de enfrentamento dos fenômenos climáticos e fazer avançar a produção científica e tecnológica sobre catástrofes naturais, hoje cada vez mais frequentes e intensas. Para tanto, não basta identificar responsabilidades, apontar imprevidência das autoridades, rever protocolos e acusar ausência de investimentos na realocação da população de áreas de risco, problemas registrados em todo o País. Tudo isso é importante, mas insuficiente.

Passou da hora de preparar a sociedade para sobreviver a esses desastres, e somente a ciência e a tecnologia podem assegurar tal preparo. Por mais que muitos tentem resumir o problema a um confronto entre ideologia e eficiência, o que se vê agora é o retrato de nosso tempo, isto é, a ausência de sistemas adequados àquilo que os climatologistas consideram o novo clima – repleto de ondas de calor e de chuvas muito intensas. Não é preciso aderir ao catastrofismo para saber que as tragédias têm que ver com a escalada do aquecimento global, herança do volume de gases de efeito estufa lançados na atmosfera. Vale para o que se vê no Rio Grande do Sul e o que se viu no litoral de São Paulo, na Bahia, em Santa Catarina, em Minas e no Rio de Janeiro.

Em meio a essa nova tragédia, chega a ser constrangedor saber que o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil será apresentado somente em junho, como mostrou o Estadão. Seria um prazo razoável não fosse um plano previsto em legislação sancionada em 2012 – e de lá para cá diversas catástrofes ocorreram sem que motivasse qualquer sentido de urgência à revisão e apresentação do plano. Isso poderia ter ajudado a reduzir os impactos das chuvas no Sul, ainda que não protegesse a população das consequências dos fenômenos climáticos extremos, agravados pela chamada “fervura global”.

Contra esses efeitos, é preciso ir além e, para tanto, há dois imperativos. O primeiro é cumprir as metas estabelecidas nos acordos climáticos globais, como reduzir à metade as emissões de gases até 2030 e zerar as emissões até meados do século. O segundo está no planejamento de adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. No caso brasileiro, a tarefa requer atenção à população em áreas de risco, investimento na drenagem em áreas serranas e urbanas e regularização tanto de encostas quanto das áreas mais propensas a alagamentos, além de maior integração entre os sistemas de alerta e defesas civis.

Mas pouco se fala no desenvolvimento tecnológico dos sistemas preditivos.

Modelos programados para fazer previsões confiáveis há dez anos já perderam muito de sua capacidade. Há dois anos, a ONU anunciou esforços a fim de apresentar um plano de ação para “alerta precoce e ação precoce”. A meta é ambiciosa: até 2027, proteger toda a população do planeta contra o clima extremo. Alertas antecipados mais modernos são vistos em países da União Europeia, no Reino Unido e na Austrália. Há ainda o exemplo do Japão, onde a tecnologia e a educação ajudam a enfrentar os imprevisíveis terremotos e tsunamis que atingem o País.

O espantoso é que, apesar das projeções sombrias, da repetição de fenômenos climáticos extremos e de tragédias visíveis, o Brasil ainda parece estar na infância desse debate. Há iniciativas como o trabalho de um comitê científico liderado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) ou os alertas de qualidade já oferecidos a mais de mil municípios pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Mas sucessivos governos não só têm colocado a prevenção em segundo plano, como têm ajudado a tornar o uso da ciência e da tecnologia uma espécie de linguagem futurística inacessível e distante. Diante dos extremos à nossa frente, não se pode tratar o tema como ficção científica, e sim como necessidade para enfrentar as próximas catástrofes.

O perigo da impopularidade

O Estado de S. Paulo

Alta da desaprovação, fruto da falta de rumo, pode estimular Lula a acelerar a demagogia

A recente pesquisa Genial/Quaest mostrou que, pela primeira vez neste terceiro mandato do presidente Lula da Silva, o porcentual de brasileiros que aprovam e desaprovam o governo ficou tecnicamente empatado: 50% aprovam o governo, enquanto 47% desaprovam, com margem de erro de 3 pontos porcentuais. Para significativos 63%, Lula não está cumprindo o que prometeu, enquanto apenas um terço do País (32%) acredita no contrário. Só governistas e petistas mais empedernidos darão preferência a alguns poucos índices positivos que a pesquisa traz – como a boa avaliação sobre o trabalho de socorro no Rio Grande do Sul. Houve quem destacasse ainda que Lula conseguiu parar a trajetória de queda da avaliação: desde agosto de 2023 o porcentual dos que aprovam o mandato caiu a cada levantamento e, agora, a oscilação se mostrou estável na comparação com a pesquisa anterior, de fevereiro.

Com uma gestão tisnada pela mediocridade e pela repetição de velhos erros, jogar luz sobre a metade cheia do copo de avaliação pode fazer parecer que a tormenta chegou ao fim. Engano. O dado mais eloquente da pesquisa é o crescimento contínuo da massa da população que desaprova o governo: uma curva ascendente desde agosto do ano passado. A economia foi mais uma vez citada como o principal problema do País, à frente da saúde e da violência. Fiel ao DNA de quem tem plena convicção de que a história do Brasil começa e termina com ele, Lula até aqui ou adotou o discurso triunfalista, ou culpou ministros por não saberem “contar a verdade”, ou ainda responsabilizou o pouco tempo de mandato para cumprir o que prometeu.

Lula e seus bajuladores têm possíveis caminhos a escolher. Um deles é o modo delirante, que até aqui domina os corações da caciquia lulopetista: continuar achando que a desaprovação é culpa da “percepção” da população, incapaz de ver e reconhecer os grandes feitos de seu mandato. Segundo tal ótica, a maioria ainda não conseguiu se dar conta de que a economia melhorou, com inflação controlada e queda do desemprego, por exemplo; logo, isso se resolve com uma comunicação oficial mais eficiente. Há também o modo realista: entender as fragilidades da gestão, construir enfim um plano para o que resta de governo, analisar o baixo impacto de indicadores econômicos sobre a vida real da população – cujo poder de compra real está abalado – e corrigir rotas, de modo a produzir resultados no longo prazo.

Levando-se em conta a vocação do PT de ignorar a realidade e a ambição de Lula de ser reconhecido como o maior líder político da história brasileira sem que, para isso, seja necessário governar de fato, é natural que o lulopetismo esteja a administrar o Brasil com base em pesquisas de opinião. Assim, ansioso para produzir números positivos no curto prazo, é provável que o presidente dobre a aposta no populismo que marcou o desastroso mandarinato petista encerrado com o impeachment de Dilma Rousseff. Afinal, sempre que precisou escolher entre a responsabilidade e a popularidade, Lula nunca titubeou. Para ele e seus discípulos petistas, só há vida na gastança desenfreada e na sabotagem aos que tentam impor racionalidade no manejo do dinheiro público.

Perdas bilionárias e mais inflação com a tragédia no Sul

Valor Econômico

Na destinação de recursos, manter o foco nas enormes carências dos gaúchos é uma tarefa da qual o governo não pode se desviar

As enchentes destruíram grande parte dos centros de produção agrícola e industrial do Rio Grande do Sul. Além das mortes e das dezenas de milhares de desabrigados (a face mais dolorosa da tragédia), as perdas materiais serão enormes. É difícil estimá-las hoje, quando o exasperante escoar das águas dos rios do Estado não permite avaliação objetiva dos danos incorridos. Pela dimensão da tragédia, cálculos preliminares indicam que a conta será alta. Na estimativa do governo, R$ 50 bilhões. Na de consultores privados, entre o dobro e o triplo disso. A inflação, que reluta em voltar para a meta, deve ter algum acréscimo, possivelmente temporário, pela perda de safras, em especial arroz e soja, e da falta de mobilidade para abastecer granjas e frigoríficos. A economia brasileira, para a qual se estimava crescimento de 2%, deve perder parte de seu fôlego, com a destruição extensa do estoque de capital provocada pelas enchentes.

As estimativas, por enquanto, partem de premissas que se baseiam em exemplos análogos de eventos extremos. A gestora G5 Partners foi buscar estudos de prejuízos provocados por eles ao redor do mundo, como os do furacão Katrina, que destruiu a orla litorânea do sul dos Estados Unidos, com graves consequências para Nova Orleans. A média do custo fiscal de 29 eventos climáticos foi de 1,6% do PIB. Com base nisto, e algumas adaptações, foi estimado um encolhimento do PIB gaúcho, de R$ 600 bilhões, de 10,5 pontos percentuais no segundo trimestre em relação ao primeiro. Isso seria o suficiente para diminuir a projeção de crescimento da economia brasileira de 2,1% para 1,8%.

Quarto Estado mais rico, o Rio Grande do Sul participa com 12,6% da produção agrícola nacional, fatia superior ao dos 8,5% de parcela de sua indústria na manufatura do país. Calcula-se que a indústria se recuperará com mais facilidade que a agricultura. O time econômico do Bradesco estima que 7,5% da produção de arroz do país e 2,2% da soja foram perdidos, supondo que não seja possível recuperar metade do que ainda não foi colhido no Estado, estimativa tida como conservadora pelos próprios autores. Somados aos danos na safra de trigo, que se iniciou, e nos abates de aves e suínos, aprofundariam a queda prevista para a agricultura do país de 3% para 3,5%. O agro gaúcho deveria crescer 18,9% no ano, estimava o economista-chefe do banco Pine, Cristiano Oliveira. Com a catástrofe, a produção agrícola encolherá 25% no segundo trimestre em relação ao primeiro, com um resultado no ano de apenas 1,9%.

As estimativas para o crescimento brasileiro mais otimistas se situavam em pouco mais de 2%, antes das tempestades no Rio Grande do Sul. Depois delas, o PIB pode ainda atingir tal marca, mas a capacidade de surpresas para cima se desfez. Consultorias e gestoras estimam que o drama gaúcho retirará de 0,2 a 0,3 ponto percentual do PIB nacional.

A pressão sobre os preços dos alimentos, decorrentes da quebra no Sul, tornará mais difícil a redução da inflação neste ano. Há quem preveja um aumento do IPCA de 3,8% para 4%. “É um choque de oferta clássico, menos PIB e mais inflação”, disse ao Valor Fernando Genta, economista-chefe da Wealth High Governance. Outras consultorias avaliam impacto parecido, puxado pela alimentação no domicílio, que subiria de 3,8% para até 4,5%, com maior impacto advindo da variação de preços do arroz.

A catástrofe no Sul tornou mais difícil o crescimento e o combate à inflação, com perdas bilionárias que poderiam ser mitigadas caso houvesse ações preventivas sérias, constantes e planejadas. O contraste entre o valor da destruição e o dinheiro gasto na gestão de riscos e desastres naturais é um retrato de catástrofes antecipadas. O governo atual reservou 0,03% do PIB, ou R$ 2,5 bilhões, para tal fim em 2024. As verbas até aumentaram. O dinheiro utilizado nos governos anteriores foi até mesmo menor que o orçado, e nunca ultrapassou 0,02% do PIB (Valor, 10 de maio).

Incentivados por uma formidável corrente de solidariedade nacional com as vítimas da tragédia, o governo federal e o Congresso tomaram medidas de apoio importantes, cujo montante previsto é de R$ 50 bilhões. O risco nessas situações é que, a pretexto da catástrofe, se liberem verbas escassas para outros fins. Algumas tentativas nesse sentido prosperaram. O Congresso aprovou mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), dando prioridade a emendas destinadas a todos os municípios em estado de calamidade ou de emergência em saúde pública - 605 cidades em dez Estados. Há proposta de perdão de dívida para pequenos agricultores fora do RS que perderam safras e propostas para estender a outros Estados com finanças em desordem um acordo que está sendo costurado para que o Rio Grande do Sul adie o pagamento da dívida federal.

O governo não definiu de que forma prestará auxílio direto a quem perdeu casa, emprego e todos seus bens. Entre as alternativas está um novo auxílio emergencial que, instituído durante a pandemia, distribuiu parte dos recursos a quem necessitava. Manter o foco nas agora enormes carências dos gaúchos é uma tarefa da qual o governo não pode se desviar.

O uso e abuso da natureza

Correio Braziliense

A crise ambiental instalada precisa apressar a busca por soluções globais que permitam um equilíbrio entre os recursos existentes e o consumo deles pelas nações

Na quarta-feira passada, dados consolidados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento por Satélite (Prodes), divulgados em Brasília, apontaram queda de 21,8% no desmatamento na Amazônia Legal, de 19,5% para área de não floresta do bioma e de 9,2% no Pantanal. As informações são referentes ao período entre os meses de agosto de 2022 e julho de 2023, em comparação ao ciclo anterior. Números importantes diante do fantasma dos desastres climáticos que cada vez mais assombra o Brasil.

Nos últimos 15 dias, a catástrofe provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul comove o país ao mesmo tempo que evidencia a urgência em cuidar do meio ambiente. Os especialistas alertam sobre os riscos que nos esperam se condutas complexas continuarem sem aplicação. Aquele futuro anunciado de eventos trágicos, na verdade, parece ter chegado.

Também na quarta-feira passada, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgou um relatório que indica 12 situações extremas registradas em território brasileiro em 2023. O documento aponta cinco ondas de calor, três chuvas intensas, uma onda de frio, uma inundação, uma seca e um ciclone extratropical.

Um estudo da Universidade de Michigan (EUA) indica um panorama preocupante no campo da saúde nacional. O potencial de transmissão das arboviroses - doenças que incluem dengue, zika e chikungunya - pode aumentar 20% nos próximos 30 anos devido às mudanças climáticas.

No Rio Grande do Sul, as autoridades ainda contam os desabrigados, os desalojados, os feridos e os que não sobreviveram às águas - ontem, a Defesa Civil confirmou 143 óbitos. Dos 497 municípios gaúchos, ao menos 444 relataram problemas com os temporais. A calamidade pública afetou cerca de 2 milhões de pessoas. A infraestrutura está amplamente comprometida e o trabalho de reconstrução vai exigir muita força humana e a disponibilização de recursos financeiros vultosos.

Distante do Brasil, outro evento climático também provoca um cenário avassalador. Fortes chuvas na sexta-feira causaram inundações no norte do Afeganistão, deixando mais de 300 mortos. Desde abril, tempestades naquele país têm destruído vilarejos e terras agrícolas.

A crise ambiental instalada precisa apressar a busca por soluções globais que permitam um equilíbrio entre os recursos existentes e o consumo deles pelas nações. Os efeitos da destruição sugerem que, até agora, as medidas adotadas não foram suficientes para solucionar a questão.

No caso das áreas verdes, o desmatamento é gravíssimo. O Brasil depende do que elas oferecem: produção de sombra e oxigênio, retenção de gás carbônico e resfriamento do clima. A preservação da Amazônia e dos demais biomas - Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa e Pantanal - é crucial para os brasileiros.

As equações que envolvem atitudes individuais, posições governamentais e decisões macroeconômicas precisam ser resolvidas. A conscientização dos cidadãos, o empenho dos políticos e o comprometimento dos empresários são partes vitais na garantia da sobrevivência no planeta.

Os extremos de calor e de frio, as tempestades e os ventos assustadores são situações que deixaram de ser exceções no Brasil e no mundo. Políticas preservacionistas eficientes devem ser executadas para barrar a remoção das vegetações nativas. Outro ponto fundamental é a ampla implementação de modelos de produção de cunho sustentável, garantindo o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental. Discussões, como a expansão das fronteiras dos biomas para a prática de atividades agropecuárias precisam ser encaradas.

Diante de cenas estarrecedoras produzidas pelas catástrofes ambientais, as respostas precisam ser na mesma proporção. Reduzir os níveis de desmate e de poluição, diminuir o desperdício de alimentos e de produtos, buscar formas alternativas aos combustíveis fósseis, aumentar o consumo sustentável são algumas ações imprescindíveis. O mundo acompanha e sente os efeitos do uso e abuso da natureza. A preservação dos ativos tem de ser a nova ordem mundial. Essa é a tarefa inadiável que as mudanças climáticas impõem à civilização na atualidade.

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