Valor Econômico
Com a decisão dividida do Copom na semana passada sobre a Selic, intensificaram-se as dúvidas sobre os rumos da política monetária
As incertezas em relação às contas públicas ganharam uma companhia preocupante na semana passada. Com a decisão dividida do Copom do Banco Central (BC) sobre a Selic, intensificaram-se as dúvidas sobre os rumos da política monetária. Cinco integrantes votaram por uma queda de 0,25 ponto da Selic, para 10,5% ao ano, e quatro - todos indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva - por uma baixa de 0,5 ponto. Num momento em que o cenário externo é mais nebuloso, com a perspectiva de que os juros americanos demorem mais para cair e recuem menos, a combinação de incertezas fiscais e monetárias aumenta as pressões sobre o dólar e os juros de longo prazo no Brasil, o que pode diminuir o espaço para redução da Selic e prejudicar o crescimento da economia.
A troca do comando do BC no fim do ano,
quando expira o mandato do atual presidente da instituição, Roberto Campos
Neto, já era um fator de incerteza para a política monetária a partir de 2025.
Além da saída de Campos Neto, também deixarão a instituição em dezembro de 2024
os diretores Otavio Damaso (Regulação) e Carolina de Assis Barros
(Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta). Com isso, Lula terá
indicado sete dos nove integrantes do Copom.
Com as críticas frequentes de Lula à condução
da política monetária por Campos Neto, há uma preocupação quanto a uma eventual
guinada na orientação do BC no próximo ano, que poderá ter uma visão dominante
mais leniente quanto à inflação. O diretor de Política Monetária, Gabriel
Galípolo, um economista não ortodoxo, é apontado como o favorito para
substituir Campos Neto. As dúvidas sobre como será o BC de 2025 em diante
ajudam a explicar o fato de as expectativas de inflação estarem acima da meta
de 3%. O consenso do mercado para o IPCA do próximo ano está em 3,64%; para o
de 2026 e 2027, em 3,5%.
A diretora de macroeconomia para o Brasil do
UBS Global Wealth Management, Solange Srour, diz, em nota escrita com o
economista Rafael Castilho, que as expectativas, hoje desancoradas, são
bastante importantes num ciclo de redução dos juros, por ser um momento em que
o BC busca diminuir as restrições na economia, “frequentemente com a inflação
corrente em baixa, mas ainda acima de uma meta pré-definida”.
A decisão do Copom da semana passada elevou a
incerteza sobre a política monetária. Com a perspectiva de menos quedas dos
juros americanos e a piora da percepção sobre a trajetória fiscal por aqui,
Campos Neto havia indicado, numa apresentação em Washington em abril, uma
mudança na orientação do BC sobre a Selic, abandonando o compromisso de fazer
mais um corte de 0,5 ponto. Nesse quadro, a maior parte dos analistas passou a
ver então como mais provável uma redução de 0,25 ponto.
Cinco dos integrantes do Copom votaram por um
corte dessa magnitude na reunião da semana passada, inclusive Campos Neto. Os
outros quatro membros do colegiado se manifestaram por uma queda de 0,5 ponto -
todos eles indicados por Lula ao BC, inclusive Paulo Picchetti, diretor de
Assuntos Internacionais, tido até então como defensor de uma política mais
dura.
O resultado da decisão foi mal recebido por
muitos investidores e analistas. O Copom diminuiu o ritmo de queda da Selic,
fez um comunicado duro após a reunião, não se comprometeu com novos cortes da
taxa e mesmo assim a avaliação foi negativa, pela divisão em dois grupos, um
dos quais integrados apenas por diretores indicados por Lula. O risco é de nova
piora das expectativas inflacionárias, que têm um papel fundamental na condução
da política monetária, como dizem Srour e Castilho, lembrando que elas afetam a
inflação corrente, pelo impacto na definição de preços e salários.
A ata da reunião do Copom, a ser divulgada
nesta terça-feira, será uma oportunidade para o BC tentar desfazer os ruídos.
Um corte de 0,5 ponto não seria absurdo, mesmo com a piora do cenário externo e
o aumento dos riscos fiscais, depois da mudança da meta do resultado primário
(exclui gastos com juros) de 2025, de um superávit de 0,5% do PIB para zero. Os
juros reais (descontada a inflação) seguiriam elevados. O problema foi de
coordenação e comunicação. Primeiro, a mudança na orientação dos próximos passos
do Copom, feita em Washington por Campos Neto, não foi informada ou discutida
previamente com todos os integrantes do colegiado.
Além disso, na nota divulgada após a reunião,
o comitê avalia, de modo unânime, que “o cenário global incerto e o cenário
doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas
demandam maior cautela”, além de reforçar “que a extensão e a adequação de
ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de
convergência da inflação à meta”. No entanto, ao mesmo tempo em que todo o
colegiado faz essa avaliação, houve divisão sobre o ritmo de queda da Selic,
com os quatro indicados por Lula votando em bloco pela queda de 0,5 ponto. A
divisão e a composição dos dois grupos causaram o mal estar, por reforçar a
ideia de que o BC poderá tolerar uma inflação mais alta a partir do ano que
vem. Um corte de 0,5 ponto com um colegiado menos dividido, em tom duro e
sinalizando a mesma cautela para as próximas reuniões, poderia ter sido mais
bem recebido.
A ata da reunião é a chance de mostrar um
quadro de menor polarização no Copom. Srour e Castilho dizem que seria
essencial o BC “demonstrar um certo grau de coesão” entre os membros, de modo
que a transição de sua presidência e da sua diretoria não crie ruídos em
relação “à convergência da inflação em direção ao centro da meta”, notando que
as perspectivas fiscais para o Brasil e para a política monetária americana
estão fora de controle da instituição. Isso aumentaria a possibilidade “de
reancorar as expectativas e de uma Selic mais baixa no fim do ciclo de queda
dos juros”, afirmam eles.
As chuvas no Rio Grande do Sul deverão elevar
os preços de alguns alimentos, mas esse fenômeno tende a ser localizado e
passageiro. O temor de um BC mais leniente com a inflação, contudo, pode levar
a uma alta mais forte e preocupante das expectativas inflacionárias. É mais um
fator que pode piorar a percepção de risco do Brasil, num cenário em que as
incertezas em relação à trajetória das contas públicas aumentaram, depois do
afrouxamento das metas fiscais dos próximos anos. Do lado do governo, seria importante
a adoção de medidas mais firmes de ajuste fiscal pelo lado do gasto; do lado do
BC, mostrar mais coesão e não deixar a impressão de que haverá tolerância com
uma inflação mais alta. Se isso não for feito, as expectativas inflacionárias
tendem a se deteriorar e o dólar e os juros de longo prazo poderão subir ainda
mais, dificultando a tarefa de quem assumir o comando do BC a partir do ano que
vem.
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