segunda-feira, 13 de maio de 2024

Dani Rodrik - Não se inquiete com subsídios verdes

Valor Econômico

As políticas industriais verdes da China foram responsáveis por algumas das vitórias mais importantes até hoje contra as mudanças climáticas

Uma guerra comercial sobre tecnologias limpas está chegando no ponto de ebulição. Os Estados Unidos e a União Europeia, preocupados com que subsídios chineses ameacem suas indústrias verdes, alertaram que responderão com restrições à importação. A China, por sua vez, apresentou uma queixa à Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre regras discriminatórias contra seus produtos sob a histórica legislação climática do presidente dos EUA, Joe Biden, a Lei de Redução da Inflação.

Numa viagem recente à China, a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, alertou diretamente a China de que os EUA não ficariam parados diante do “apoio governamental em larga escala” da China a setores como energia solar, veículos elétricos e baterias. Lembrando seu público de que a indústria siderúrgica dos EUA já havia sido dizimada pelos subsídios chineses, ela deixou claro a determinação do governo Biden de não permitir que as indústrias verdes sofressem o mesmo destino.

A China ampliou suas indústrias verdes com uma velocidade alucinante. Hoje, o país asiático produz quase 80% dos módulos solares fotovoltaicos do mundo, 60% das turbinas eólicas e 60% dos veículos elétricos e baterias. Só em 2023, sua capacidade de energia solar cresceu mais do que a capacidade total instalada nos EUA. Esses investimentos foram impulsionados por uma variedade de políticas governamentais nos níveis nacional, provincial e municipal, permitindo às empresas chinesas percorrerem rapidamente a curva de aprendizado para dominar seus respectivos mercados.

Mas há uma diferença grande entre células solares fotovoltaicas, veículos elétricos e baterias, de um lado, e indústrias mais antigas, como carros movidos a aço e gás. As tecnologias verdes são cruciais na luta contra as mudanças climáticas, tornando-as um bem público global. A única maneira de descarbonizar o planeta sem prejudicar o crescimento econômico e a redução da pobreza é mudar para energias renováveis e tecnologias verdes o mais rápido possível.

O argumento para subsidiar indústrias verdes, como a China fez, é impecável. Além do argumento padrão de que as novas tecnologias fornecem know-how e outras externalidades positivas, também é preciso levar em conta os custos imensuráveis das mudanças climáticas e os enormes benefícios potenciais de acelerar a transição verde. Além disso, como as repercussões do conhecimento atravessam as fronteiras nacionais, os subsídios da China beneficiam não só os consumidores em todos os lugares, mas também outras empresas ao longo da cadeia global de suprimentos.

Outro argumento poderoso vem da lógica do segundo melhor. Se o mundo fosse organizado por um planejador social, haveria um imposto global sobre o carbono; mas, é claro, isso não existe. Embora exista uma variedade de esquemas regionais, nacionais e subnacionais de precificação, apenas uma pequena parcela das emissões globais está sujeita a um preço que chega perto de cobrir o verdadeiro custo social do carbono.

Nessas circunstâncias, as políticas industriais verdes são duplamente benéficas - tanto para estimular o aprendizado tecnológico necessário quanto para substituir a precificação do carbono. Comentaristas ocidentais que disparam palavras assustadoras como “excesso de capacidade”, “guerras de subsídios” e “choque comercial da China 2.0” entenderam tudo exatamente ao contrário. Um excesso de energias renováveis e produtos verdes é bem o que o médico do clima receitou.

O que os governos não devem fazer é condenar políticas industriais verdes como violações perigosas das regras internacionais. Os argumentos morais, ambientais e econômicos favorecem aqueles que subsidiam, não aqueles que querem tributar a produção dos outros

As políticas industriais verdes da China foram responsáveis por algumas das vitórias mais importantes até hoje contra as mudanças climáticas. À medida que os produtores chineses expandiram a capacidade e colheram os benefícios da escala, os custos da energia renovável despencaram. No espaço de uma década, os preços caíram 80% para a energia solar, 73% para a eólica offshore, 57% para a eólica onshore e 80% para as baterias elétricas. Esses ganhos sustentam o otimismo crescente nos círculos climáticos de que podemos manter o aquecimento global dentro de limites razoáveis. Os incentivos governamentais, o investimento privado e as curvas de aprendizagem têm se mostrado uma combinação muito poderosa.

Com a lei de redução da inflação, os EUA já têm sua própria versão das políticas industriais verdes da China. A lei fornece centenas de bilhões de dólares em subsídios para facilitar a transição para energias renováveis e indústrias verdes. Embora alguns dos incentivos fiscais favoreçam os produtores nacionais em relação às importações (ou só estejam disponíveis com requisitos rigorosos de fornecimento), essas manchas devem ser vistas no contexto dos compromissos políticos necessários para garantir a aprovação da legislação. Eles podem ser um pequeno preço a se pagar pelo que muitos analistas veem como um “divisor de águas” na política climática.

Claro que países têm outros interesses além do clima. Eles podem abrigar preocupações legítimas sobre as consequências das políticas industriais verdes de outros países para empregos e capacidade inovadora doméstica. Se julgarem que esses custos superam os benefícios climáticos e ao consumidor, devem ser livres para impor tarifas compensatórias sobre as importações, como as regras comerciais já permitem. Seria melhor para o mundo em geral se eles não reagissem dessa maneira, mas ninguém pode ou deve impedi-los.

De fato, antes que a globalização e o aperto das regras comerciais entrassem em vigor na década de 1990, não era incomum que países negociassem acordos informais com exportadores como jeito de moderar os aumentos das importações e manter os exportadores razoavelmente satisfeitos. Vale lembrar do Acordo Multifibras para vestuário na década de 1970 e das restrições voluntárias à exportação de automóveis e aço na década de 1980. Embora os economistas tenham criticado esses esquemas como protecionistas, tais arranjos causaram pouco dano à economia mundial. Eles atuaram essencialmente como válvulas de segurança: ao permitir que a pressão escapasse, ajudaram a manter a paz comercial.

O que os governos não devem fazer é condenar políticas industriais verdes como violações de normas ou transgressões perigosas das regras internacionais. Os argumentos morais, ambientais e econômicos favorecem aqueles que subsidiam suas indústrias verdes, não aqueles que querem tributar a produção dos outros. (Tradução por Fabrício Calado Moreira)

*Dani Rodrik, professor de economia política internacional na Harvard Kennedy School, é presidente da International Economic Association e autor de “Straight Talk on Trade: Ideas for a Sane World Economy”.Copyright: Project Syndicate, 2024.

Um comentário:

Daniel disse...

Excelente! Parabéns ao blog, por divulgar trabalho de tanta qualidade e de grande importância para nosso futuro!