Folha de S. Paulo
Os incentivos políticos favorecem ações
mitigadoras e não preventivas
Como o
presidente e o governador serão afetados eleitoralmente pela
calamidade no Rio Grande do Sul? Um exemplo ilustra a questão. O sucesso de
Herbert Hoover, que liderou com grande visibilidade a resposta do governo
federal à "enchente do século", do rio Mississipi, levou-o a se
tornar candidato nas eleições presidenciais americanas de 1928. No entanto, nas
áreas afetadas ele perdeu algo como 10% dos votos, segundo o estudo Disasters and elections.
A literatura sobre eleições e desastres naturais (que discuti na coluna aqui) divide-se em duas explicações rivais. A primeira afirma que eles geram emoções negativas que levam a uma punição nas eleições. Este argumento (conhecido como "retrospecção cega") foi desenvolvido em trabalho clássico sobre efeitos de ataques de tubarão. Os eleitores punem governantes por eventos externos aleatórios, pelos quais eles não são responsáveis. Aconteceu com Hoover.
O argumento rival é que esta punição é racional, não emotiva. E nem sempre negativa. Os
desastres criam para o eleitorado uma "janela de atenção" sobre os
governantes, que em situações ordinárias não recebem escrutínio. Sob esta régua
mais severa, e com mais atenção sobre o desempenho, a avaliação dos governantes
tende a ser negativa. Há, contudo, exceções. A "janela" revela o
"tipo real" de governante. Quando a expectativa quanto ao seu
desempenho é baixa e ele(a) surpreende, o desastre alavanca a popularidade. E
vice-versa: quando é alta, a frustração cobrará o preço.
Mas o impacto das ações varia conforme sua
natureza preventiva ou mitigadora. Utilizando uma base de dados cobrindo 3.141
condados e 26 programas federais de prevenção de catástrofes nos EUA, por 16
anos, Healy e Malhotra mostram que o eleitorado premia os presidentes pelas
ações pós desastres, mas não por aquelas voltadas para a prevenção. Isto
contrabalança o efeito negativo. Cria-se perversamente incentivos, portanto,
para ações mitigadoras mas não para preventivas. Embora a despesa pós evento
seja estimada em até 15 vezes a da prevenção.
As ações de um governador serão julgadas
comparativamente às do presidente, como mostraram Gasper e Reeves. Se este rejeita pedido de
ajuda do primeiro, ele será punido e o governador premiado. Mas a tendência é
que ambos sejam punidos. Matheus Silva Cunha, em tese de doutorado em ciência
política, sob minha orientação na UFPE, mostrou em estudo experimental que a
transferência de responsabilidade após desastres naturais para outros atores
também pode sair pela culatra. As estratégias narrativas utilizadas pelos
atores políticos importam, pois os eleitores punem políticos que adotam
estratégias oportunistas de transferência de culpa.
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