Folha de S. Paulo
Se nada mudar, presenciaremos também a
emergência de revoltas
As mudanças
climáticas saíram dos livros e se tornaram realidade. A afirmação,
feita pelo secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini,
reflete a percepção da população brasileira sobre a tragédia no Rio
Grande do Sul.
De acordo com uma pesquisa da Quaest, realizada nos dias 5 e 6 de maio, 99% dos brasileiros associam as mudanças climáticas com as enchentes no Sul do país, sendo que 64% apontam que os fenômenos estão totalmente relacionados, e 30% consideram que estão parcialmente relacionados. Além disso, para 70% a tragédia poderia ter sido evitada.
A intensa frustração com a situação faz com
que as pessoas venham buscando
informações e respostas nas redes sociais.
De acordo com um levantamento conduzido pela
consultoria Timelens, a maior parte das buscas nas redes sobre o tema está
relacionada à procura por culpados pela catástrofe. Entre os principais
culpados, e alvos preferenciais da raiva e da revolta da população, então
o governo
federal (33%) e o governador e senadores do Rio Grande do Sul (18%).
A raiva contra os políticos é motivada
sobretudo pelas escassas e demoradas respostas aos alertas de risco feitos no
passado, aos parcos recursos direcionados para emergências climáticas e à
flexibilização de regras ambientais.
Assim, na visão da maioria dos brasileiros,
os políticos são os grandes responsáveis pela tragédia anunciada. De acordo com
a pesquisa da Quaest, 68% responderam que o Governo do Rio Grande do Sul tem
muita responsabilidade, 64% afirmaram que as prefeituras têm um alto nível de
responsabilidade, e 59% atribuíram alta responsabilidade ao governo federal.
Tal entendimento fornece o contexto ideal
para a circulação de fake news contra
governantes, que, por sua vez, retroalimentam e aumentam ainda mais os sentimentos
de raiva e frustração, sentimentos que também se estendem a especialistas e
cientistas.
Não à toa, episódios vivenciados por
cientistas desesperados com a inércia de políticos logo se tornaram populares
nas redes, como o protagonizado pelo ecólogo Marcelo Dutra da Silva, doutor em
ciências e professor de ecologia na Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Em junho de 2022, em uma audiência pública na
Câmara Municipal de Pelotas (RS), Silva alertou: "O comportamento das
chuvas mudou. Eu tenho feito um levantamento e já percebi que de 2013 para
frente nós temos um acumulado de precipitação [chuvas] no mês de mais de 300
mm. A minha pergunta é: o que nós, por exemplo, na Defesa Civil,
temos programado para prever essas possibilidades? Em algum momento, vamos
começar a ver [inundações] em áreas em que a água não chegava com tanta
frequência e vamos lembrar disso que estamos falando aqui."
No entanto, a urgência climática seguiu e
segue sendo ignorada pelos políticos que pouco ou nada fizeram para prevenir,
amenizar e se preparar para as catástrofes vindouras.
Se nada mudar nos próximos anos, além de
novas catástrofes naturais, vamos presenciar também a emergência de novas
revoltas como as de junho de 2013, com
a diferença de que, ao que tudo indica, o protagonismo de jovens e estudantes
será compartilhado com o de inúmeros
refugiados climáticos.
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