Valor Econômico
Em pouco mais de três meses, Motta terceirizou excessivamente o comando das sessões de votação e raramente apareceu no plenário
Uma das questões palpitantes da literatura
brasileira é se Riobaldo fez ou não o pacto com o diabo para se tornar o chefe
Urutu-Branco do bando de jagunços. Como seria o pacto? “E o dito - o Coxo -
toma espécie, se forma! Se assina o pacto. Se assina com sangue de pessoa. O
pagar é a alma”.
O protagonista do Grande sertão: veredas nega o contratado, porque o diabo não existe. “Se não existe, como é que se pode se contratar pacto com ele?” Mas em outro trecho, mostra angústia com o que lhe pode acontecer. “O que me mortifica, de tanto nele falar, o senhor sabe. O demo! Que tanto me ajudasse, que quanto de mim ia tirar cobro?”
Mais jovem presidente da Câmara dos
Deputados, eleito aos 35 anos, com 444 votos, Hugo Motta (Republicanos-PB), por
certo, não fez pacto com o “Tinhoso” para chegar ao poder. Primeiro, porque o
“Coisa-Ruim” não existe.
Além disso, para ser alçado a um dos cargos
mais importantes da República, o segundo posto na sucessão presidencial, Motta
percorreu uma trajetória singular. Cresceu em uma família de políticos
tradicionais do sertão da Paraíba. Elegeu-se o deputado federal mais jovem do
país, aos 21 anos. Em 2023, tornou-se líder da bancada do Republicanos, até ser
ungido, pelos principais líderes, o candidato do Centrão - bloco hegemônico do
Congresso - para a presidência da Casa.
Porém, a característica de ter sido forjado
tão jovem na política pode se voltar contra ele. A percepção de aliados é de
que, para além das qualidades de um líder político, que se enxergam nele, ainda
lhe falta um dos atributos pelo qual o “Coisa-Ruim” é reconhecido.
O dito popular diz que o diabo é sábio porque
é velho. “Hugo é afável, é querido, tem raciocínio rápido, mas ainda falta a
ele a vivência que só se adquire com a idade”, disse à coluna uma liderança com
mais horas de voo na política do que o presidente da Câmara. “Mocidade é tarefa
para mais tarde se desmentir”, ensinou Riobaldo.
Neste domingo (11), Motta completará 100 dias
no cargo, entre erros e acertos. Na avaliação de aliados, acertou ao não
integrar, desta vez, a comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na
viagem à Rússia e à China, ao contrário do presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP), que desembarcou ao lado do petista em Moscou. Um
interlocutor dele observou que Motta já havia acompanhado Lula na viagem ao
Japão e ao Vietnã, bem como ao velório do Papa Francisco, no Vaticano. Era
preciso descolar a imagem do chefe do Executivo federal.
Em paralelo, alguns aliados avaliam que Motta
precisa administrar melhor o tempo. Isso porque em pouco mais de três meses,
terceirizou excessivamente o comando das sessões de votação e raramente
apareceu no plenário. Um interlocutor disse à coluna que Motta passa o dia
recebendo deputados, e faz questão de comparecer a todas as comemorações dos
parlamentares. “Ele precisa aprender a dizer não”, ponderou.
Pressionado pela idade, ele assumiu com o
desafio de demonstrar autonomia em relação ao antecessor e padrinho de sua
candidatura, Arthur Lira (PP-AL). Na campanha, Motta era identificado como
“firme, porém gentil”, em contraste com Lira, considerado, por vezes,
truculento.
Nesse contexto, foi criticado por alguns
pares ao nomear Lira para relatar o projeto da reforma do Imposto de Renda, sem
dúvida, a proposta mais relevante deste ano. Mas contrapôs-se a Lira, que
manteve uma relação de ruídos com o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco
(PSD-MG). Motta mantém com sua contraparte no Senado uma relação de alinhamento
e sintonia fina, que ficou evidente no episódio do projeto de lei (PL) da
anistia.
Pressionados dos dois lados pela oposição,
Motta e Alcolumbre costuraram, nos bastidores, uma saída que contou com a
participação do Supremo Tribunal Federal (STF) para construir um projeto de lei
alternativo à proposta da anistia aos envolvidos na tentativa de golpe de
Estado e nos atos violentos de 8 de janeiro.
Motta viu-se em uma encruzilhada, depois que
a oposição reuniu 262 assinaturas, 5 a mais que o necessário, para levar ao
plenário o requerimento de urgência do PL da anistia. Ele não queria se
indispor nem com o governo, contrário à pauta, nem com a oposição, e nem com o
STF, que considera o PL inconstitucional.
Mas se evitou um atrito com o STF no caso da
anistia, ao honrar a palavra com os parlamentares em outra matéria, conseguiu
afrontar a Corte, em uma crise de desfecho ainda imprevisível. Na sessão dessa
quarta-feira (7), Motta promulgou um projeto que suspendeu a ação penal em
tramitação no STF, em relação ao deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que
aparece como um dos réus na trama golpista para manter o ex-presidente Jair
Bolsonaro no poder.
A suspensão de um processo contra um
parlamentar está prevista na Constituição, mas vale somente para crimes
cometidos depois da diplomação. A crítica de juristas e de governistas é de que
o texto aprovado é genérico, e abriu brecha para outros réus, inclusive
Bolsonaro. Na entrevista ao Valor (página
A12), Motta cobrou do STF respeito à decisão da Câmara.
Como todo político habilidoso, Motta tenta se
equilibrar entre governistas, oposição e STF. A vida é aprendizado. “Todo
caminho da gente é resvaloso. Mas, também, cair não prejudica demais - a gente
levanta, a gente sobe, a gente volta!”, ensinou Riobaldo.
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