Folha de S. Paulo
Bloco quis passar recado ao STF de
insatisfação e de que pode agir diante de investigações
Há mais
de 80 inquéritos no STF (Supremo
Tribunal Federal) relacionados a desvios de dinheiro por meio de emendas
parlamentares ao Orçamento, avisou o ministro Flávio Dino em
reuniões com a cúpula da Câmara
dos Deputados para justificar por que não retrocederia na exigência
por mais transparência sobre esses recursos.
Foi de olho nisso, e não na acusação de tentativa de golpe de Estado, que o centrão formou um consórcio com o bolsonarismo para aprovar, nesta quarta-feira (7), a suspensão da ação penal contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) e que pode beneficiar Jair Bolsonaro (PL).
A Câmara quer passar o recado ao STF de que
não aceitará novas investidas contra os parlamentares e suas
"prerrogativas". Se o centrão apoiou a prisão do ex-deputado Daniel
Silveira por ameaças aos ministros há quatro anos, agora trata de reafirmar que
poderá sustar as ações contra seus pares se entender que houve abuso.
O centrão está em rebuliço desde que o
Supremo exigiu
mais transparência sobre a forma como são distribuídas as emendas
parlamentares ao Orçamento. Viu, ali, uma interferência indevida e que poderia
prejudicar os ganhos eleitorais e financeiros instituídos pelo mecanismo de
envio de dinheiro para suas bases eleitorais.
O impasse foi resolvido num acordo em que o
Congresso aceitou divulgar os nomes dos autores das emendas, mas Dino continua
a cobrar que o compromisso seja cumprido. Operações policiais
investigam boa parte do Congresso, mas ainda não há clareza sobre quem são os
alvos dos "mais de 80 inquéritos".
Há ainda outros inquéritos que miram
bolsonaristas por declarações, inclusive com a suspensão de perfis em redes
sociais. O discurso de perseguição do Judiciário aos políticos de direita
reverbera nas redes sociais da maioria dos deputados, cujo perfil também é
majoritariamente de direita.
Relator do pedido de suspensão, o deputado
Alfredo Gaspar (União Brasil-AL)
citou na tribuna ações de busca e apreensão contra gabinetes de parlamentares e
disse que era hora da Casa de reforçar suas garantias constitucionais para ter
"independência, liberdade, destemor e possibilidade de defendermos o que
nós precisamos defender desta tribuna".
Gaspar também mirou
no ofício do ministro Cristiano
Zanin, que preside a Primeira Turma do STF. Em resposta a questionamento do
líder do PT,
Zanin respondeu, há duas semanas, que o Congresso só poderia sustar 2 dos 5
crimes atribuídos a Ramagem, por terem ocorrido depois da diplomação, e que os
demais continuariam a ser julgados pelo STF.
"Esta Casa não é menor do que qualquer
outro Poder da República. Pode-se ou não sustar a ação penal, mas jamais
restringir um direito constitucional que pertence ao Parlamento", rebateu
Gaspar na tribuna.
Antes do ofício, a cúpula do Congresso já
tinha sido avisada extraoficialmente de que paralisar o processo
contra Ramagem não suspenderia toda a ação penal –e, portanto, não travaria o
julgamento de Bolsonaro.
Mesmo assim, fez questão de reforçar, no
placar da votação e nos discursos, a tese de que a decisão sobre a amplitude da
suspensão é da Câmara e apenas dela. Como quem vai julgar Ramagem e Bolsonaro é
o Supremo, o mais provável que essa "defesa das prerrogativas" fique
apenas como tese mesmo e a ação prossiga.
Abre-se, no entanto, brecha para novas
contestações de Bolsonaro no Supremo e na opinião pública. Isso estava no radar
de União Brasil, Republicanos, PP e MDB, e
parte do PSD, quando votaram
em peso para aprovar a suspensão.
Na visão da cúpula da Câmara, os gestos de
pacificação feitos ao Supremo não são retribuídos e a corte dá razão para novos
atritos. A suspensão da ação contra Ramagem é mais um alerta de que o Congresso
está insatisfeito com isso e pode agir –se necessário, de forma mais dura nas
próximas vezes.
A suspensão foi aprovada por 315 votos a 143.
O placar é suficiente para aprovar PECs (Propostas de Emenda Constitucional),
como a que limita as decisões individuais de ministros do Supremo e a que
permite ao Congresso rever decisões da corte. Ambas, por enquanto, estão
paradas pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
No dia anterior, Motta conduziu a Câmara numa
desgastante votação para criar
18 novas vagas de deputados, de modo a evitar que seu estado perdesse
cadeiras devido à redistribuição determinada pelo Supremo para atender as
mudanças populacionais.
O presidente da Câmara também já
deixou clara a discordância com as penas aplicadas aos condenados
pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, mas negocia, junto com o
presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União Brasil-AP), uma proposta
alternativa à anistia para não confrontar o STF.
Desta vez, a votação para trancar a ação
penal da trama golpista teve atuação direta do presidente da Câmara contra a
posição do Supremo. Foi uma forma de reafirmar sua autoridade, com gestos à
oposição e alerta ao STF.
Outro aceno de Motta à oposição foi rejeitar
novo convite para viajar com o presidente Lula, desta vez
para Rússia e China, e preferir ir aos Estados Unidos com uma comitiva de
políticos de centro-direita para falar a investidores e empresários.
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