Correio Braziliense
Embora saudado pelo presidente Donald Trump,
a escolha do novo papa terá grande impacto na vida religiosa e política dos
Estados Unidos, país de maioria protestante
Aos 69 anos, escolhido o novo papa, o cardeal
norte-americano Robert Francis Prevost adotou o nome Leão XIV. Nascido em
Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos, o sucessor do papa Francisco tem
nacionalidade peruana, onde exerceu um bispado missionário. No Peru, se
destacou como arcebispo emérito de Chiclayo, chegando aos mais altos escalões
da Cúria Romana, em que foi sagrado cardeal há apenas dois anos. Alçado
prefeito do Dicastério para os Bispos e presidente da Comissão Pontifícia para
a América Latina pelo papa Francisco, tornou-se seu herdeiro pelas mãos de mais
de dois terços (89) dos 133 cardeais votantes. Primeiro pontífice da história
dos Estados Unidos, pediu paz a todos os povos.
Ao escolher o nome Leão XIV, Prevost faz uma homenagem a Leão XIII, papa entre 1878 e 1903, conhecido por sua ênfase na doutrina social da Igreja e pela encíclica Rerum Novarum, que abordou os direitos dos trabalhadores e a justiça social. Essa escolha sinaliza forte apoio à doutrina social da Igreja, diante dos desafios atuais da sociedade. Embora saudado pelo presidente Donald Trump, a escolha do novo papa tem grande impacto na vida religiosa e política dos Estados Unidos, país de maioria protestante, cujo alto clero católico é poderoso.
É muito emblemática a homenagem ao papa Leão
XIII. Embora conservador em termos doutrinários, ele promoveu o estudo das
ciências, da filosofia e das questões sociais. Foi um dos papas mais longevos
e, também, um dos mais ativos intelectualmente. Revalorizou o pensamento de São
Tomás de Aquino (tomismo) como fundamento da filosofia e teologia católicas na
encíclica Aeterni Patris (1879).
No seu papado, a Europa vivia os efeitos da
Revolução Industrial, com o surgimento de grandes centros urbanos, fábricas e
uma nova classe operária, submetida a longas jornadas, baixos salários,
ausência de direitos e alta exploração infantil e feminina A Rerum Novarum
("Das Coisas Novas") é considerada a pedra fundamental da Doutrina
Social da Igreja.
Foi uma resposta à era industrial,
especialmente às injustiças sociais e à ascensão de ideologias revolucionárias
(como o socialismo e o anarquismo). Influenciou o surgimento de partidos
democrata-cristãos, movimentos operários católicos e as encíclicas sociais
Quadragesimo Anno (Pio XI, 1931), Mater et Magistra (João XXIII, 1961) e
Laborem Exercens e Centesimus Annus (João Paulo II, 1981 e 1991).
Não por acaso, nesta quinta-feira, logo após
ser anunciado, o primeiro discurso de Leão XIV destacou temas como paz,
inclusão, justiça social e apoio aos marginalizados. Ele também expressou
gratidão ao papa Francisco e mencionou sua ligação com o Peru. Leão XIV fez uma
saudação à sua "querida diocese de Chiclayo, no Peru, onde um povo fiel
acompanhou seu bispo, compartilhou sua fé". Da sacada de São Pedro, no
Vaticano, agradeceu seu antecessor: "Obrigado, papa Francisco!".
Sua escolha representa a continuidade das
reformas iniciadas por Francisco, com foco na descentralização da Igreja, no
diálogo inter-religioso, no acolhimento dos imigrantes e na preservação do meio
ambiente.
Pastorais sociais
A Doutrina Social da Igreja (DSI) no Brasil,
após o Concílio Vaticano II (1962-65), teve um papel fundamental na defesa dos
direitos humanos e nas lutas por justiça social, por meio de pastorais sociais,
movimentos populares e políticas públicas. Nas décadas de 1960 e 1970, durante
a ditadura militar, foi reinterpretada pela Teologia da Libertação. Os
encontros de Medellín (1968) e Puebla (1979) foram decisivos para uma leitura
latino-americana da doutrina, que acabou entrando em conflito com o alto clero
romano. Frei Betto, Gustavo Gutiérrez, Leonardo Boff, entre outros, são figuras
importantes na Teologia da Libertação, que enfatizava a importância de analisar
a realidade social, econômica e política para identificar as causas da opressão
e da injustiça.
A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil), por meio da Campanha da Fraternidade, criada em 1964, abordando temas
como moradia, trabalho, fome, meio ambiente e segurança pública; o CIMI
(Conselho Indigenista Missionário), que defende os direitos dos povos
indígenas; a CPT (Comissão Pastoral da Terra), que apoia os sem-terra e
pequenos agricultores; e as pastorais Operária, da Juventude e Carcerária são
porta-vozes da doutrina social católica.
Não à toa, os cardeais brasileiros tiveram um
papel fundamental na escolha do novo papa. Nas três últimas décadas, os
movimentos como a Renovação Carismática ganharam muita força, enquanto as
pastorais sociais ficaram em segundo plano, sem grande apoio institucional.
Desde a encíclica Laudato Si' (2015), do papa Francisco, porém, a doutrina
social da Igreja ganhou um novo impulso, com foco no meio ambiente, na justiça
climática e na ecologia integral.
Somos um dos países com maior número de agentes pastorais envolvidos com a doutrina social da igreja, apesar de perseguições, sobretudo na Amazônia e no campo. O papa Francisco, na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), no Rio de Janeiro, em julho de 2013, com a presença de mais de 3,5 milhões de pessoas na praia de Copacabana para a missa final, contribuiu muito para isso, ao recomendar aos jovens católicos que fossem "revolucionários".
Nenhum comentário:
Postar um comentário