O Globo
As propostas do governo
estão paradas no Congresso, as ‘entregas’ de Lula não chegam à população, e os
Poderes seguem se acotovelando
O dissenso parece ser o
estado permanente da política brasileira em 2025. O ano já vai quase pela
metade, e pouco ou nada andou. Entre os Três Poderes e as instituições
adjacentes só sai fumaça preta, seja qual for o assunto em tela.
A inflação vai se mostrando
um inimigo mais difícil de abater do que o Banco Central previa. Mesmo com um
choque de juros que já chega a 4,25 pontos, que elevou a Selic a 14,75% ao ano,
o maior patamar nominal desde julho de 2006, a expectativa do mercado para a
inflação do ano segue em 5,53%, com tendência de queda, mas ainda bem acima do
teto da meta, de 4,5% ao ano.
A trégua da ala do governo que fazia coro contra a política contracionista do BC nos tempos de Roberto Campos Neto parece prestes a acabar, até porque o governo, que agoniza sem sinal de recuperação na crise da fraude do INSS, precisa urgentemente resgatar um inimigo externo para tentar virar a página.
Sim, Gabriel Galípolo é
prata da casa e foi indicado por Lula, mas nos bastidores do governo a
quarentena de críticas e a disposição de entoar o discurso de que a culpa pelos
juros é apenas do antecessor diminui a cada dia.
Na gestão do BO do INSS as
coisas também só pioram, e os conflitos mostram que se está a léguas de
qualquer consenso. O mais recente capítulo, revelado pela repórter Renata
Agostini, mostra ministros da cozinha do presidente se digladiando para apontar
culpados por um rombo que ninguém sabe como tapar.
O maçarico que o ministro da
Casa Civil, Rui Costa, ligou na direção do colega da CGU, Vinícius Carvalho,
veio justamente quando a oposição emplacou um vídeo com mais de 100 milhões de
visualizações e grande repercussão, jogando todo o esquema fraudulento no colo
de Lula, a despeito de ele ter começado no governo Jair Bolsonaro.
Não era um segredo tão
difícil de descobrir quanto o resultado de um conclave adivinhar que Nikolas
Ferreira faria um vídeo viral sobre esse caso. O governo teve quase três
semanas de lambuja até que o deputado saísse da toca com sua peça, bem mais
tempo que na crise do Pix. Ainda assim, não houve nenhum trabalho preventivo de
comunicação para dar respostas compreensíveis e em ampla escala aos segurados
ainda atônitos com os descontos não autorizados em seus contracheques.
Impressionante o amadorismo generalizado.
Entre Legislativo e
Judiciário, o clima também está longe do entendimento. Hugo Motta
(Republicanos-PB) deixou correr solta a votação da suspensão da ação penal
contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) e, a reboque, de todos os
denunciados pela trama golpista no governo Jair Bolsonaro, alheio à flagrante
inconstitucionalidade da medida. Motta parece ter jogado para a plateia,
adotando a manjada estratégia de dar uma no cravo e outra na ferradura. Como já
havia segurado o projeto da anistia aos condenados do 8 de Janeiro, achou por
bem deixar passar o outro.
Na prática, jogou a bomba
para o outro lado da Praça dos Três Poderes, para que o Supremo Tribunal
Federal dê a palavra final. Luís Roberto Barroso entregou a batata quente ao
presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, que marcou sessão do colegiado para
decidir sobre o trancamento da ação penal.
Reservadamente, os ministros
ironizam e minimizam o impacto da suspensão aprovada pela Câmara, dizendo que
ela é “inócua” ou até “anedótica”. Certamente a decisão da Turma usará palavras
mais polidas para desconsiderar a decisão dos deputados e seguir com a ação —no
máximo aceitando suspender dois crimes menores, cometidos depois da diplomação
de Ramagem, e só para o deputado, obviamente.
Nesse quadro em que todo
mundo fala e ninguém tem razão, nada de importante anda. As propostas do
governo pegam pó nos escaninhos do Congresso, as “entregas” de Lula não chegam
à população, e os Poderes seguem se acotovelando em cada vez mais assuntos. Nem
sinal de fumaça (ou bandeira) branca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário