sexta-feira, 9 de maio de 2025

Em Brasília, só fumaça preta - Vera Magalhães

O Globo

As propostas do governo estão paradas no Congresso, as ‘entregas’ de Lula não chegam à população, e os Poderes seguem se acotovelando

O dissenso parece ser o estado permanente da política brasileira em 2025. O ano já vai quase pela metade, e pouco ou nada andou. Entre os Três Poderes e as instituições adjacentes só sai fumaça preta, seja qual for o assunto em tela.

A inflação vai se mostrando um inimigo mais difícil de abater do que o Banco Central previa. Mesmo com um choque de juros que já chega a 4,25 pontos, que elevou a Selic a 14,75% ao ano, o maior patamar nominal desde julho de 2006, a expectativa do mercado para a inflação do ano segue em 5,53%, com tendência de queda, mas ainda bem acima do teto da meta, de 4,5% ao ano.

A trégua da ala do governo que fazia coro contra a política contracionista do BC nos tempos de Roberto Campos Neto parece prestes a acabar, até porque o governo, que agoniza sem sinal de recuperação na crise da fraude do INSS, precisa urgentemente resgatar um inimigo externo para tentar virar a página.

Sim, Gabriel Galípolo é prata da casa e foi indicado por Lula, mas nos bastidores do governo a quarentena de críticas e a disposição de entoar o discurso de que a culpa pelos juros é apenas do antecessor diminui a cada dia.

Na gestão do BO do INSS as coisas também só pioram, e os conflitos mostram que se está a léguas de qualquer consenso. O mais recente capítulo, revelado pela repórter Renata Agostini, mostra ministros da cozinha do presidente se digladiando para apontar culpados por um rombo que ninguém sabe como tapar.

O maçarico que o ministro da Casa Civil, Rui Costa, ligou na direção do colega da CGU, Vinícius Carvalho, veio justamente quando a oposição emplacou um vídeo com mais de 100 milhões de visualizações e grande repercussão, jogando todo o esquema fraudulento no colo de Lula, a despeito de ele ter começado no governo Jair Bolsonaro.

Não era um segredo tão difícil de descobrir quanto o resultado de um conclave adivinhar que Nikolas Ferreira faria um vídeo viral sobre esse caso. O governo teve quase três semanas de lambuja até que o deputado saísse da toca com sua peça, bem mais tempo que na crise do Pix. Ainda assim, não houve nenhum trabalho preventivo de comunicação para dar respostas compreensíveis e em ampla escala aos segurados ainda atônitos com os descontos não autorizados em seus contracheques. Impressionante o amadorismo generalizado.

Entre Legislativo e Judiciário, o clima também está longe do entendimento. Hugo Motta (Republicanos-PB) deixou correr solta a votação da suspensão da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) e, a reboque, de todos os denunciados pela trama golpista no governo Jair Bolsonaro, alheio à flagrante inconstitucionalidade da medida. Motta parece ter jogado para a plateia, adotando a manjada estratégia de dar uma no cravo e outra na ferradura. Como já havia segurado o projeto da anistia aos condenados do 8 de Janeiro, achou por bem deixar passar o outro.

Na prática, jogou a bomba para o outro lado da Praça dos Três Poderes, para que o Supremo Tribunal Federal dê a palavra final. Luís Roberto Barroso entregou a batata quente ao presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, que marcou sessão do colegiado para decidir sobre o trancamento da ação penal.

Reservadamente, os ministros ironizam e minimizam o impacto da suspensão aprovada pela Câmara, dizendo que ela é “inócua” ou até “anedótica”. Certamente a decisão da Turma usará palavras mais polidas para desconsiderar a decisão dos deputados e seguir com a ação —no máximo aceitando suspender dois crimes menores, cometidos depois da diplomação de Ramagem, e só para o deputado, obviamente.

Nesse quadro em que todo mundo fala e ninguém tem razão, nada de importante anda. As propostas do governo pegam pó nos escaninhos do Congresso, as “entregas” de Lula não chegam à população, e os Poderes seguem se acotovelando em cada vez mais assuntos. Nem sinal de fumaça (ou bandeira) branca.

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