terça-feira, 9 de abril de 2019

Marco Aurélio Nogueira*: Guinada não é líquida e certa

- O Estado de S.Paulo

A demissão de Vélez Rodríguez não pegou ninguém de surpresa. Dada como certa, abriu uma janela de oportunidade para o governo Bolsonaro. Antes de tudo, porque limpou um território minado. O governo se desgastava ao permanecer sancionando o despreparo de Vélez e deixando-se contaminar pelas disputas entre “olavetes” e militares – e agora pode começar a pensar a Educação como dimensão estratégica, dando a ela um mínimo de atenção.

A guinada, porém, não é líquida e certa. O novo ministro, Abraham Weintraub, um bolsonarista de primeira hora, também é jejuno em gestão educacional, ensino médio e educação básica. Não se trata de um técnico da área, um intelectual ou um articulador político, qualidades sempre preciosas no complicado mundo da Educação. Além disso, gosta de se apresentar como adversário do “marxismo cultural”, o que poderá levá-lo a alimentar a guerra ideológica de Olavo de Carvalho, de quem se diz um admirador e um “adaptador”.

A decisão presidencial puxa um freio de arrumação no MEC, mas não se sabe se esfriará a influência de Olavo. Se o novo ministro, à diferença de seu antecessor, apresentar um plano para gerir a Educação no País, ajudará a dar ao governo um eixo que até agora não foi encontrado. Se permanecer agarrado ao doutrinarismo, a janela de oportunidade não passará de uma fresta, que logo se fechará.

*É cientista político do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp

Eliane Cantanhêde: Almas penadas

- O Estado de S.Paulo

Assim como Vélez, há uma fila de embaixadores esperando o ‘bilhete azul’ que não vem

A demissão de Ricardo Vélez Rodríguez do MEC foi decidida antes da viagem a Israel, em 30 de março, e anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro três dias antes de ser formalizada e finalmente publicada ontem no Twitter e no Diário Oficial. Se parece esquisito, não é caso único e não será o último.

Bolsonaro também anunciou no dia 13 de março, antes da ida aos EUA, que iria trocar 15 embaixadores, inclusive Sérgio Amaral, de Washington. Deu um motivo para o “bilhete azul” num encontro com jornalistas: “Não está vendendo uma boa imagem do Brasil no exterior”. E para ser só na volta: ficaria muito ruim às vésperas de chegar ao país.

O presidente foi para os EUA no dia 17, voltou, foi ao Chile, voltou, foi a Israel, voltou. Mas os embaixadores continuam exatamente onde estavam, como almas penadas. O que mudou, nesse meio tempo, foi o número dos que estavam com os dias contados.

Se Bolsonaro havia falado em 15, a lista que o chanceler Ernesto Araújo enviou para a Casa Civil continha três vezes mais nomes, em torno de 45 embaixadores que ocupam efetivamente embaixadas ou consulados e chefias de representações do Brasil em organismos internacionais nos diferentes continentes. Entre eles, seis estão se aposentando neste ano. Os demais entram na dança das cadeiras.

Até agora, porém, praticamente um mês depois do anúncio feito pelo próprio presidente da República, ninguém veio, ninguém foi para posto nenhum. O próprio embaixador Sérgio Amaral, nomeado no governo Michel Temer, não só continua em Washington como participou ativamente da viagem de Bolsonaro e, agora, participa da visita do vice Hamilton Mourão.

Hélio Schwartsman: O incrível homem que derreteu

- Folha de S. Paulo

Surpreende a intensidade com que a avaliação de se desmilinguiu

A queda na popularidade de Jair Bolsonaro após os primeiros três meses de governo era esperada. O fenômeno é universal, atingindo democraticamente todas as gestões. O que talvez tenha surpreendido é a intensidade com que a avaliação do presidente se desmilinguiu.

O índice de ruim e péssimo de Bolsonaro atingiu a marca de 30%, a maior de todos os dirigentes eleitos em seu primeiro mandato, desde a redemocratização. Num distante segundo lugar vem Fernando Collor com 19% —e Collor, vale lembrar, confiscara a poupança.

Há dois fatores que, creio, ajudam a entender o derretimento. O primeiro é que o governo é mesmo um caos. Despreparo e foco nas coisas erradas resumem bem esses três meses iniciais. O segundo é que há um descasamento entre as ideias defendidas pelo presidente e as preferências do eleitorado. Isso já ficara claro na pesquisa Datafolha de janeiro, que mostrou que a maioria das bandeiras do dirigente —coisas como Escola sem Partido, política ambiental, indígena, facilitação do porte de armas— era rejeitada pelos eleitores, por margens às vezes graúdas.

Luiz Weber: A retirada de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Presidente perde capital político diariamente imerso em batalhas imaginárias

Militares veem valor até mesmo nas retiradas. Exigem esforços logísticos, são operações que salvam vidas e permitem a reorganização das tropas acuadas pelo inimigo para uma futura ofensiva. O Exército brasileiro registra um recuo histórico. Foi na Guerra do Paraguai, no episódio conhecido como Retirada Laguna.

Nesta segunda-feira (8), os militares perderam uma batalha na disputa por espaço no Ministério da Educação (MEC). Incrivelmente associados à vanguarda iluminista do governo, os oficiais generais perderam com a nomeação de Abraham Weintraub para o lugar de Ricardo Vélez.

Weintraub é um Vélez turbo, menos caricato. Mas o combustível batizado que o move é o mesmo, o da guerra cultural. Em seminário gravado disponível nas redes sociais o novo ministro diz que os "comunistas" no Brasil estão no topo das organizações financeiras, no comando da mídia e das grandes empresas.

Com a mexida, Bolsonaro reforça a posição dos guerreiros culturais no governo, em detrimento de uma representação partidária ética. Afaga suas falanges digitais, mas não as forças necessárias à governabilidade e à aprovação de reformas.

*Joel Pinheiro da Fonseca: A farsa e a tragédia da educação

- Folha de S. Paulo

Pessoas sem nenhuma competência são loteadas em cargos importantes

Que a educação não seria um ponto forte do governo Bolsonaro era mais do que evidente desde a campanha. Poucos imaginavam, contudo, o tamanho do desastre, que é o resultado de duas causas: a incompetência técnica do ex-ministro e sua equipe; e a guerra que instaurou dentro do ministério.

Ricardo Vélez Rodríguez é um intelectual de direita. Não tem nenhuma experiência com gestão pública nem conhece a realidade e os desafios da educação brasileira. Sua única credencial para o cargo foi ter sido indicado por Olavo de Carvalho. Suas únicas agendas eram pautas simbólicas como defender a ditadura militar e executar o Hino Nacional nas escolas.

Além disso, talvez pela fraqueza de sua liderança, o ministério se tornou um campo de guerra das duas principais alas do governo: o núcleo olavista (encabeçado pelo chanceler, pelo assessor do presidente Filipe Martins e pelos filhos Carlos e Eduardo Bolsonaro) e o militar. Esse conflito, que resultou em repetidas desonerações, travou o ministério. Quase nada saía de lá; e o que saía era tão ruim (a circular para as escolas, a decisão de não medir a alfabetização das crianças) que precisava ser imediatamente cancelado.

Essa é a sina de todo projeto ou instituição que tenha o azar de se aproximar de Olavo de Carvalho: envolver-se numa espiral de intrigas, brigas internas, acusações de traição e rompimentos. Olavo, que foi quem indicou Vélez, passou a acusá-lo.

Fernando Exman: Cem dias, momento de reflexão e inflexão

- Valor Econômico

Governo debate o que fazer para entregar mais

A marca dos 100 dias do mandato do presidente Jair Bolsonaro chega, para autoridades do próprio governo, como uma oportunidade para a reflexão em relação ao que foi realizado até agora, como foi feito e o que precisa mudar. Algumas dessas mudanças já são palpáveis. Outras ainda estão em gestação, mas todas elas são consideradas essenciais por auxiliares do presidente para que o Executivo consiga melhorar a sua imagem entre os eleitores que não se consideram bolsonaristas e mantenha um ambiente de otimismo entre empresários e investidores.

A avaliação das realizações feitas nos primeiros 100 dias de governo é uma tradição americana e passou a ser utilizada como referência em outros países, inclusive no Brasil. No entanto, a efeméride acabou se transformando numa armadilha política que o próprio Palácio do Planalto criou e agora está tentando desarmar.

Em janeiro, no afã de esfriar o noticiário negativo sobre movimentações financeiras suspeitas envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), um dos filhos do presidente, a Casa Civil reuniu a imprensa para divulgar um conjunto de 35 metas prioritárias para os primeiros 100 dias de governo. Bolsonaro estava fora do país, participando do Fórum Econômico Mundial, em Davos, e de pronto o documento passou a receber críticas por não ter sido formatado com outras do governo e excluir a reforma da Previdência Social. Justamente a proposta - e promessa de campanha - mais aguardada pelo mercado.

Merval Pereira: Choque de acomodação

- O Globo

Guedes está convencido de que se forma no país uma compreensão da urgência de mudança da Previdência

O ministro Paulo Guedes considera que as desavenças entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o presidente Bolsonaro são consequências de um “choque de acomodação” resultante da nova composição de forças políticas vitoriosas nas eleições de outubro, com a centro-direita tomando o lugar da centro-esquerda que governou o país nos últimos 30 anos.

O que se viu ontem, no debate promovido pelo GLOBO e “Valor Econômico” dentro do projeto “E agora, Brasil?”, foi um ministro da Economia utilizando-se de uma veia política que ele nega existir, e um presidente da Câmara mostrando-se preocupado com a viabilização de aspectos econômicos dos projetos do governo.

Para Maia, uma visão do conjunto das reformas deve ser a prioridade na análise dos parlamentares, que poderão ser beneficiados com os avanços da economia, mas o governo tem que focar também na discussão do pacto federativo, uma consequência natural da aprovação da Nova Previdência.

A campanha pela Nova Previdência, apresentada como combate aos privilégios, “com o guarda da esquina ganhando tanto quanto um general na aposentadoria”, parece estar dando certo, pois o nome do ministro Guedes foi aclamado em passeata neste fim de semana em São Paulo por grupos de apoiadores de Bolsonaro.

Paulo Guedes está convencido de que se forma no país uma compreensão da urgência de mudança do sistema, e ele não acredita que o Congresso vá decidir contrariamente à posição majoritária da população.

Míriam Leitão: Agenda nova na economia

- O Globo

Equipe econômica tem pronta agenda pós-Previdência, com divisão de receita de petróleo, reforma tributária, desvinculação e abertura comercial

A área econômica tem uma série de propostas para os próximos meses. A avaliação feita é que a reforma da Previdência vai ser aprovada neste primeiro semestre e depois virá a agenda que eles acham que será nova e positiva. O governo pretende propor a reforma tributária, a abertura comercial, o chamado “pacto federativo”, que tem como ponto mais atraente para estados e municípios a descentralização dos recursos. Essa nova divisão do bolo começaria com algo concreto, que é a distribuição de 70% dos recursos do pré-sal do megaleilão previsto para outubro.

A Previdência é sempre um assunto difícil, e por isso tanto o presidente Bolsonaro quanto o ex-presidente Lula começaram com ela. Mas já está em preparação o cardápio das próximas medidas. Na visão dos economistas do governo, todas serão assuntos mais populares do que a reforma da Previdência. A verdade não é tão simples. Algumas podem provocar muito debate, divisão e polêmica. Não é assim que a agenda é vista na área econômica.

O que eles chamam de novo pacto federativo inclui a desvinculação das receitas e a redistribuição de recursos. Para estados e municípios, falar em nova divisão das receitas é, de fato, muito atraente até porque começa pela divisão da renda do petróleo que fica com a União. O argumento na equipe é que quem centralizou foi o governo militar e que o ideal é fortalecer a Federação.

Já a desvinculação, que o ministro Paulo Guedes sempre apresenta como a devolução ao Congresso do poder de decidir sobre os recursos, sempre será polêmica. As bancadas temáticas que têm recursos carimbados, como educação e saúde, não vão querer, evidentemente, abrir mão da garantia constitucional à parcela dos recursos. Se realizado, dará mais poderes ao Congresso, de fato. Hoje, o Orçamento é feito por técnicos do Planejamento e a decisão está nas mãos de poucas pessoas. Antes eram o ministro da Fazenda e do Planejamento que decidiam o Orçamento. Hoje, os dois ministérios estão na mão de Paulo Guedes. Ele, por sua vez, tem um falso poder, já que tudo está definido previamente por regras, muitas vezes, estabelecidas na Constituição. O discurso de que desengessar será bom para os políticos acaba de ter um sinal contrário, porque a Câmara e o Senado votaram a favor de engessar ainda mais a destinação das receitas. Mas, nas conversas com os líderes do Congresso, o ministro Paulo Guedes repete sempre que essa agenda é positiva porque aumenta os poderes do parlamento.

Ana Carla Abrão: Um outro Brasil

- O Estado de S.Paulo

A única forma de sairmos da atual armadilha é dando voz à coletividade

Cambridge, em Massachusetts, é o berço de duas das mais renomadas universidades americanas: Harvard e MIT – Massachusetts Institute of Technology. Ali, vários dos nossos melhores economistas, cientistas e administradores fizeram seus mestrados e doutorados nas últimas décadas. Eles hoje ocupam as mais diversas posições nos setores público e privado no Brasil, contribuindo para o debate nacional e/ou para a construção de um País melhor. Mais recentemente e de forma crescente, é também em Cambridge que brasileiros ainda mais jovens buscam a sua primeira formação profissional.

É ali também que acontece a cada abril, desde 2015, a Brazil Conference, um evento anual, organizado por estudantes brasileiros das duas escolas e que reúne jovens brasileiros que estudam nos Estados Unidos, nessas e em outras reconhecidas Universidades americanas. Jovens cujos corações e mentes continuam no Brasil.

O evento reúne palestrantes daqui e de lá, com formações, opiniões e atuações profissionais diversas, mas que convergem em um interesse comum: o Brasil. A qualidade das palestras, a importância e atualidade dos temas tratados, a pluralidade de assuntos e a excelência na organização são marcas de um evento que atrai a atenção daqueles que discutem o presente e o futuro do nosso País.

Assuntos como o papel da imprensa, da diplomacia, da religião ou o valor da democracia nos tempos atuais têm apelo incontrolável nos dias atuais e foram debatidos ali. Ouvir o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defender a força das nossas instituições; o ministro Luis Roberto Barroso afirmar que se homens engravidassem o aborto não seria crime; e a Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, defender a laicidade do Estado e, da mesma forma, o respeito às manifestações das diversas correntes religiosas é alentador em tempos de intolerância, radicalismos e polarização.

Maria Clara R. M. do Prado: Percalços da previdência social

- Valor Econômico

O melhor sistema é aquele capaz de funcionar com o melhor equilíbrio financeiro possível

Quando a previdência social foi pela primeira vez introduzida no mundo, há 130 anos, ninguém poderia ter imaginado que o sistema de seguridade, com a garantia de uma renda fixa aos idosos após a participação produtiva no mercado de trabalho, resultaria em um dos maiores problemas para as políticas públicas no mundo.

Nos idos de 1889, o sistema da previdência significou um grande avanço social. Foi perpetrado pelo conservador Otto Von Bismarck, então chanceler da Alemanha, quando a taxa de fertilidade era alta, a expectativa de vida ao nascer era baixa e a distribuição populacional, por faixa etária, favorecia largamente os mais jovens. Com a invenção dos métodos contraceptivos e com a evolução da medicina, a vida foi prolongada para uma quantidade cada vez mais baixa de nascimentos. Esta é a realidade com a qual os governos passaram a confrontar-se, no Ocidente e no Oriente. O problema é comum a todos. As soluções, porém, mantêm-se limitadas.

Ainda hoje, as alternativas concentram-se em dois extremos: ou bem o Estado assume o déficit fiscal crescente entre contribuições e benefícios, garantindo certa tranquilidade financeira aos aposentados às custas da absorção de boa parte da renda do setor privado; ou bem o setor privado assume a administração do sistema, através da gestão financeira das contribuições dos trabalhadores com o risco de comprometer a renda dos futuros aposentados pela remuneração com juros abaixo do mercado e pela incidência de altas taxas de administração.

O Chile, como se sabe, mudou em 1981 o seu sistema da previdência social do regime antigo, semi-público, representado por caixas de pensão segmentadas por atividades profissionais, para o regime de capitalização individual, em que cada trabalhador contribui para um fundo privado, administrado por instituições financeiras (chamadas AFP, Administradoras de Fundos de Pensão) que lhes garantem uma determinada renda na aposentadoria. Calcula-se que os fundos de pensão privados chilenos acumulam hoje cerca de US$ 200 bilhões em ativos, representando algo em torno de 75% do PIB do país. Trata-se de expressiva poupança que tem contribuído para o desenvolvimento do Chile, a taxas de crescimento significativas.

Daniela Chiaretti: Sobre lebres e sardinhas

- Valor Econômico

Mudar de status na OMC pode repercutir em fóruns climáticos

Como se divide a conta do clima entre os países? Como se reparte o espaço que resta na atmosfera para emissões de gases-estufa de modo que os impactos do aquecimento global não sejam tão desastrosos? Como se estabelecem critérios justos para que nações em desenvolvimento possam crescer sem comprometer a vida na Terra? Esta equação incômoda ronda as negociações climáticas há anos. Trata-se de compartilhar o orçamento de carbono na atmosfera para que o aquecimento da temperatura não ultrapasse 2°C até 2100 - para ficar em 1,5° C os cálculos são muito mais drásticos. Existem várias contas feitas por pesquisadores de diferentes lugares com diversos critérios. O único ponto em comum é que governo algum gosta de falar neste assunto.

Governos mencionam datas e objetivos para reduzir suas emissões, mas não o caminho para alcançar o compromisso. Fala-se em "descarbonizar a economia até 2050", por exemplo, mas a trilha até lá é indefinida. Uma aposta é imaginar que novas tecnologias irão surgir e resolver o problema do carbono - costuma ser o jeito de pensar dos Estados Unidos. Outra forma é estimular produção e consumo sustentáveis, ou consumir menos - estratégia que tem mais eco entre europeus. Outra via é entender o que dizem os cientistas: limitar o aquecimento em 2°C significa que os países podem emitir, juntos, cerca de mil gigatoneladas de CO2 até 2100, a começar em 2014. Estourar a barreira causará impactos maiores e piores. Então, é preciso definir quem pode emitir e quanto. É aí que acaba a ciência e começa a política.

Bernardo Mello Franco: Entra em campo a Comissão Arns

- O Globo

Defensores de direitos humanos veem ameaça de retrocesso sob Bolsonaro. O grupo vai apurar violações em favela do Rio e terra indígena da Amazônia

A Comissão Arns escolheu dois casos para denunciar violações aos direitos humanos desde a posse de Jair Bolsonaro. O grupo cobrará explicações sobre a ação policial que deixou 15 mortos no morro do Fallet-Fogueteiro, no Rio. Em outra frente, vai contestar o plano de construir um linhão de energia na terra indígena Waimiri Atroari, em Roraima.

O anúncio será feito hoje, em São Paulo. Será o pontapé inicial da comissão, que reúne juristas, intelectuais e ex-ministros que atuaram nos governos Sarney, FH, Lula e Dilma. Eles veem risco de retrocessos na gestão de Bolsonaro, que tem longo histórico de embates com defensores de direitos humanos.

O Ministério Público já investiga a operação no Fallet-Fogueteiro, no início de fevereiro. A PM afirma ter reagido a um ataque de bandidos, mas parentes dos mortos acusam os policiais de execução. Para o presidente da comissão, Paulo Sérgio Pinheiro, o caso tem as características de uma chacina.

“As irregularidades são enormes. A polícia recolheu os corpos antes da chegada dos peritos. Testemunhas disseram que houve tortura e que todos estavam rendidos antes de serem baleados”, afirma.

O governador Wilson Witzel elogiou a operação e disse que os policiais agiram “para defender o cidadão de bem”. “O que nos assusta é a celebração da morte. O Estado não pode promover execuções em nome da luta contra o crime”, rebate Pinheiro.

José Casado: Fala, Cabral!

- O Globo

Já foram mais de 800 dias encarcerado. Em tese, ainda restam 70.410 dias para sair da cadeia. Aos 56 anos de idade, precisaria renascer por três outras vidas para cumprir as condenações: 197 anos e 11 meses de prisão. E vem mais aí, ele sabe.

Tendo perdido a perspectiva de vida fora das grades, além dos US$ 100 milhões que escondeu no circuito bancário Nova York-Londres-Zurique, o ex-governador Sérgio Cabral agora se dedica à terapia da palavra.

Resolveu aliviar a depressão, como fez Bertha Pappenheim, a “Anna O.” do método catártico que Josef Breuer lapidou com Sigmund Freud em 1893 (as conversas de Bertha e Breuer terminaram na cama).

Ontem, Cabral passou o dia no presídio de Bangu conversando com procuradores sobre um aspecto de seus 24 anos na política do Rio: corrupção no Judiciário. Incitou-os na sexta-feira passada, em depoimento solicitado por seu advogado.

O ex-governador disse que, como no Rio, a corrupção institucional se espraiava pelos estados. “O senhor tem conhecimento ou acredita pela experiência?”, quis saber o juiz, com uma ponta de ironia. “Parte conhecimento, parte informação”, respondeu Cabral. Perguntado se existiria uma “rede de proteção”, foi enfático: “Acredito. O Rio de Janeiro não é diferente de Pernambuco, Rio Grande do Norte, da Paraíba, do Amazonas, do Rio Grande do Sul...”

Suspense na sala. “A proximidade entre os poderes contribui para que a independência não seja efetiva?” Ouviu-se um seco “sim”. “Dificulta investigações e facilita corrupção?” Seguiu lacônico: “Sem dúvida, dificulta.”

Luiz Carlos Azedo: Olavista de carteirinha

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A nomeação de Weintraub foi uma solução doméstica para uma disputa entre olavistas, militares e técnicos do próprio ministério, com objetivo de melhorar a gestão sem mudar a orientação ideológica”

A nomeação do economista Abraham de Bragança Vasconcelos Weintraub para o comando do Ministério da Educação, pelo presidente Jair Bolsonaro, no lugar do atrapalhado colombiano Ricardo Vélez Rodrigues, reforça a orientação ideológica que o antecessor tentou implementar na pasta, ao contrário do que muitos que criticavam o ministro defenestrado esperavam. Weintraub é discípulo do escritor Olavo de Carvalho, ideólogo do clã Bolsonaro, e militante de primeira hora da campanha eleitoral do atual presidente da República. A diferença é a experiência como gestor, no mercado financeiro, além de pertencer à cozinha do Palácio do Planalto, pois participou da equipe de transição do governo e é muito ligado ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, de quem era o braço direito até agora.

Um vídeo na internet intitulado “Marxismo cultural x Economia”, no qual faz uma palestra ao lado de seu irmão Arthur, revela as ideias básicas do novo ministro, que estão em linha com as de Bolsonaro e do seu ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araujo. Na visão dos Weintraub, é preciso fazer uma cruzada contra o “marxismo cultural”, que domina as universidades do Brasil e do mundo, entre as quais, a de Havard. Numa leitura enviesada de Max Weber, sociólogo alemão, os dois irmãos fazem uma defesa enfática do protestantismo como eixo de resistência às ideias de esquerda e católicas, que seriam responsáveis pelo atraso da Europa ibérica e da América Latina. Citando Alemanha, Japão e China, também fazem apologia da política de terra arrasada como via de crescimento.

A nomeação de Weintraub foi uma solução doméstica para uma disputa entre olavistas, militares e técnicos do próprio ministério. Em tese, Weintraub tem mais capacidade de articulação política e trânsito no Palácio do Planalto, mas nada garante que o ministro terá autonomia para formar a própria equipe. Provavelmente, terá que arbitrar os conflitos existentes e, ao mesmo tempo, enfrentar os que surgirão quando começar a implantar a nova política educacional de Bolsonaro. A Educação não é a especialidade do novo ministro, que sempre esteve mais focado na reforma da Previdência.

Lista tríplice
Embora a prioridade do governo seja o combate ao analfabetismo e a implantação de novos currículos escolares, o ministro Vélez notabilizou-se por declarações e propostas polêmicas, além de uma sucessão de nomeações e demissões na pasta. Entre as trapalhadas, um e-mail do ministro pedindo aos gestores de escolas que enviassem ao MEC vídeos mostrando as crianças cantando o Hino Nacional e lendo o slogan da campanha eleitoral de Bolsonaro.

Vélez anunciou dois novos secretários executivos que não foram aceitos pelo governo. A educadora evangélica Iolene Lima foi demitida antes de ter assumido; a secretária da Educação Básica, Tânia Leme de Almeida, em seguida, pediu demissão após descobrir que o nível de alfabetização das crianças não seria mais avaliado. A mudança fora pedida pelo seu secretário de Alfabetização ao presidente do Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais (Inep), Marcus Vinícios Rodrigues, que foi demitido. Vélez manteve a avaliação. O ministro também criou, no Inep, uma comissão para vigiar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e identificar “questões com teor ofensivo a tradições”. A última proposta polêmica foi a de mudar os livros didáticos para negar o golpe de 1964 e a implantação de uma ditadura militar no país.

Ricardo Noblat: Bolsolavismo vence outra vez

- Blog do Noblat / Veja

Outra derrota dos militares
O presidente Jair Bolsonaro jamais decepciona seus devotos nem seus adversários. Os militares empregados no governo não podem ser confundidos com os devotos. E foram eles mais uma vez que perderam para a dupla formada por Bolsonaro e o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho a disputa pela escolha do novo ministro da Educação.

Os militares apoiariam qualquer nome que não fosse o de um discípulo de Olavo. Querem distância do guru da família Bolsonaro. Ele os ataca com virulência nas redes sociais e tenta afastá-los do presidente da República. De resto, acham que Olavo faz mal ao governo com suas ideias delirantes e confusas. Pois bem: Olavo os derrotou novamente.

Foi do falso astrólogo travestido de filósofo a indicação para o Ministério da Educação do professor Ricardo Vélez Rodríguez, com quem se desentenderia depois. Foi de Olavo, em aliança com os garotos Bolsonaro, a indicação para o lugar de Rodríguez de Abraham Weintraub. Os militares queriam um nome técnico e com boa reputação entre educadores. Weintraub está longe disso.

Carece de experiência em gestão pública. Não é um formulador de políticas públicas para a educação básica. Seu foco está no ensino superior e no combate à ideologia marxista. Em cinco anos como professor Universidade Federal de São Paulo produziu apenas quarto artigos, todos publicados em revistas de baixo prestígio científico. Em uma delas, seu irmão Arthur era o editor-adjunto.

No final do segundo governo de Lula, em artigo publicado no jornal Valor Econômico, Weintraub revelou-se otimista com o futuro do país. Frustrou-se com o governo Dilma. Ele e o irmão aderiram então à campanha de Bolsonaro no segundo semestre de 2017. Arthur é hoje assessor do presidente. Até ontem, Weintraub era o número 2 na Casa Civil.

Em setembro do ano passado, em diálogo com um candidato a deputado federal por São Paulo, Weintraub expôs uma de suas ideias preconceituosas:

“Em vez de as universidades do Nordeste ficarem aí fazendo sociologia, fazendo filosofia no agreste, [devem] fazer agronomia, em parceria com Israel. Acabar com esse ódio de Israel.” Bolsonaro gostou do que ouviu.

Na mesma ocasião, apresentou o que disse serem os dois pilares do plano de governo de Bolsonaro: “a lógica greco-romana” e “os valores judaico-cristãos”. E comentou: “Quando a gente fala na lógica greco-romana, parece uma coisa meio óbvia: ‘Ué, todo mundo aceita a lógica greco-romana’. Não! Não o PT, o pessoal lá, os bolivarianos, o pessoal na universidade”.

Em dezembro último, na 1ª Cúpula Conservadora das Américas, evento organizado pelo garoto Eduardo, os irmãos Weintraub fizeram uma palestra. “Socialista é a Aids. Comunista é a doença socialista”, disse Arthur.

Weintraub exaltou o pensamento de Olavo, atacou o comunismo e xingou uma professora da Universidade de Harvard que depois seria indicada para ministra da Corte Suprema.

Weintraub no Ministério da Educação será um prato cheio para os que sonham à esquerda com a ressurreição do movimento estudantil, apagado desde que se atrelou aos governos do PT. Não haverá a menor chance de o novo ministro tocar adiante o que pensa sem acender o rastilho de um barril de pólvora que por ora está adormecido. Bolsonaro tudo faz para inviabilizar seu governo.

Fake news da fake news

Bolsonaro tem ideias, mas quer executá-las já com avião voando, diz Huck

Para apresentador, é preciso sair do enfrentamento automático e dar algum crédito ao presidente

Marina Dias / Folha de S. Paulo

BOSTON - O presidente Jair Bolsonaro (PSL) começou o governo sem um projeto claro e está pensando em como executar suas ideias "já com o avião voando". Essa é a avaliação do apresentador Luciano Huck, que participou na sexta-feira (5), nos EUA, de uma conferência para debater os rumos e os principais problemas do Brasil.

Em entrevista à Folha, Huck afirmou que o governo não pode deixar a ideologia se sobrepor em áreas prioritárias, como educação, mas ponderou que Bolsonaro ainda merece um crédito por ter sido eleito legitimamente.

"Se Bolsonaro tiver a sensatez e o bom senso de corrigir os prumos do governo quando tiver errado, acho que todo mundo sai ganhando", afirmou o apresentador da TV Globo.

A atuação do Ministério da Educação do governo Bolsonaro e a escolha do novo titular da pasta, confirmada nesta segunda (8), são alvo de críticas de Huck. "O MEC não é espaço para polemizar. Até aqui foi um erro nestes 100 primeiros dias", disse.

"O presidente entendeu e mexeu, mas me parece que a ideologia tenha se sobreposto à pauta. A elaboração de uma lista de bons nomes para o MEC é de fácil consenso. E, de novo, temos um nome de não consenso", afirmou, em referência à saída de Ricardo Vélez Rodríguez e à nomeação de Abraham Weintraub.

Cotado como candidato a presidente da República no ano passado, Huck não descarta concorrer ao cargo em 2022, mas diz que seu papel, hoje, é de diálogo e construção de projetos que não sejam personalistas.

• No segundo turno da eleição, o sr. disse que não se sentia representado por Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad. Isso mudou?

Essa resposta seria importante num ciclo eleitoral, que foi o que a gente viveu. Esse cenário não existe mais. A gente tem um presidente eleito de forma democrática e legítima, por ampla maioria, num momento em que o país precisa de reformas estruturais. Não é hora de discutir ideologias ou voto, mas, sim propostas, projetos e como eles vão ser executados.

• Qual é o balanço que o sr. faz dos cem primeiros dias de governo?

É muito difícil começar qualquer governo quando você não tem um projeto claro e não sabe como vai executá-lo.

• Bolsonaro não tem?

Bolsonaro tem ideias, ideologia e crenças que, inclusive, o levaram à Presidência. Só que também está claro que o que fazer e como executar as ideias eles estão modulando, lapidando e pensando em como fazer já com o avião voando.

Há setores em que você enxerga clareza de ideias, mas a capacidade de execução a gente vai ver agora. Quando você vê o Ministério da Economia e o que ele está querendo fazer, tem muita consistência. Na minha opinião pessoal, são reformas necessárias.

No Ministério da Justiça, o plano do Sergio Moro é de alguém que sabe o que está fazendo também. Ele tem noção muito clara do que tem que ser feito, mas vai ter dificuldade de implementar por uma questão de conseguir montar um grupo técnico que o ajude politicamente a viabilizar [as propostas].

Presidente admite candidatura à reeleição em 2022

Em entrevista à rádio Jovem Pan, Bolsonaro contradiz promessa de campanha e afirma que possibilidade depende da saúde

Gustavo Schmitt / O Globo


SÃO PAULO - O presidente Jair Bolsonaro admitiu ontem a possibilidade de se candidatar à reeleição, em 2022. Bolsonaro, no entanto, condicionou uma eventual candidatura à aprovação de uma reforma política, sem dar detalhes. E ponderou também que apenas será candidato se seu estado de saúde mantiver o quadro de evolução.

O presidente passou por uma cirurgia de reconstrução do trânsito intestinal após ser esfaqueado, em setembro, durante um ato de campanha.

— A pressão está muito grande para que, se eu estiver bem, que me candidate à reeleição — disse o presidente, em entrevista à rádio Jovem Pan, no Palácio do Planalto.

No ano passado, durante a campanha, Bolsonaro havia dito que iria propor o fim da reeleição caso eleito. Em 20 de outubro, ainda como candidato ao Planalto pelo PSL, chegou a dizer que tentaria emplacar uma reforma política. Nela, seria extinta a possibilidade de reeleição, além de reduzida em até 20% a quantidade de parlamentares no Congresso.

Ontem na entrevista para a Jovem Pan, o presidente prometeu que, se optar por ser candidato, fará diferente de outros políticos brasileiros. Segundo Bolsonaro, a reeleição é uma espécie de “desgraça” que só se torna possível por meio de “acordos espúrios que levam a escândalos de corrupção”. Ao fazer essa menção, o presidente disse estar se referindo ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva:

— Não quero jogar dominó com ninguém em Curitiba — provocou Bolsonaro, numa referência a sede da Polícia Federal, onde Lula cumpre pena de 12 anos e um mês de prisão após a condenação no caso do tríplex do Guarujá.

Bolsonaro reconheceu que a proposta de seu governo de reforma da Previdência é impopular, e afirmou que não teme que o projeto cause qualquer empecilho a uma eventual candidatura:

—Se eu pensasse em reeleição faria uma reforma light, ou não faria. Mas (sua eventual candidatura) pode não sobreviver em 2022.

Bolsonaro fala pela primeira vez em reeleição

Por Cristiane Agostine e Carolina Freitas | Valor Econômico

SÃO PAULO - O presidente Jair Bolsonaro admitiu ontem a possibilidade de reeleição em 2022, apesar de ter dito durante toda a campanha eleitoral que, se eleito, não tentaria um novo mandato. Prestes a completar 100 dias de governo, o presidente afirmou que "a pressão está muito forte" para concorrer novamente.

Bolsonaro, porém, tem a pior avaliação depois de três meses de gestão entre os presidentes eleitos para um primeiro mandato desde a redemocratização de 1985, segundo pesquisa Datafolha divulgada no domingo.

Em uma entrevista de 53 minutos à rádio Jovem Pan, Bolsonaro foi questionado se mudou de ideia sobre a reeleição e, ao responder, não descartou a possibilidade. "A pressão está muito forte para que, se eu estiver bem, obviamente, me candidatar", afirmou o presidente. Bolsonaro delegou ao Congresso uma eventual reforma política que acabe com a possibilidade de reeleição. "Não depende de mim", disse, durante a entrevista. "A minha reforma política só teria validade se eu cortasse na própria carne."

O presidente disse que a reeleição tem sido "péssima" para o país e que já causou uma "desgraça". "Prefeitos, governadores, até o próprio presidente se endividam, fazem barbaridade, dão cambalhota, fazem acordo com quem não interessa para conseguir acordo político", afirmou. "Se nessa proposta de reforma, para diminuir um pouco o tamanho das Casas Legislativas, custar uma possível reeleição na proposta, eu topo assinar isso aí", disse, reforçando que a iniciativa de uma eventual reforma política não partirá dele.

Bolsonaro mencionou duas vezes o fato de não se pautar com vistas à reeleição. "Se eu fosse pensar em reeleição, faria reforma da Previdência light ou não faria."

O presidente disse não ter arrependimentos neste início de gestão e também não conseguiu citar um dia especial para rememorar: "Não tem dia feliz na Presidência." O presidente reiterou que não nasceu para o cargo e, como forma de despistar as críticas à declaração, atacou os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, do PT. "Quem nasceu para ser presidente está preso ou está ensacando vento", disse.

"Não vou ser mulher de malandro", diz presidente da Câmara

Por Raphael Di Cunto, Marcelo Ribeiro, Edna Simão, Fábio Pupo e Ana Krüger | Valor Econômico

BRASÍLIA - O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ontem que desistiu da articulação política da reforma da Previdência porque foi mal compreendido no movimento de negociar a formação de uma base governista capaz de votar o projeto e ficou "levando pancada" do presidente Jair Bolsonaro e de seus eleitores. "Não vou ser mulher de malandro, ficar apanhando e achar bom."

"Agora, não tenho mais as condições que eu tinha até um mês atrás de ser o articulador da reforma. O que posso fazer é o seguinte: se o governo quiser votar no dia 15 de junho, eu pauto. Se o governo vai ganhar, isso é pergunta para o ministro [da Casa Civil] Onyx", afirmou, no evento "E agora, Brasil?", organizado pelos jornais Valor e "O Globo".

Maia reforçou que é a favor da reforma, mas que não sairá negociando com governadores e outros segmentos a votação do projeto. "Não vou mais ficar falando de prazos nem de votos", comentou. Disse que a data de votação, se "um mês antes ou depois", é "irrelevante", e que o mais importante é alcançar a economia de R$ 1 trilhão em dez anos prometida pelo governo. "Se conseguir R$ 500 bilhões em junho e R$ 1 trilhão em agosto, é melhor votar em agosto porque é impacto de longo prazo", ponderou.

O presidente da Câmara brincou e disse que não ficar a frente da reforma "facilita minha vida" porque ele já precisa coordenar 512 deputados. "Não estou chateado. Compreendi que poderíamos fazer governo de coalizão. O presidente discorda. Talvez eu esteja equivocado sobre como deveria funcionara articulação", disse. Em outro momento, afirmou que a relação que o governo deseja é que ele ocupe seu papel institucional como presidente da Câmara e é isso que ele fará.

*Cristovam Buarque: O monstro da corrupção

- Correio Braziliense

Pouco adiante do discreto e quase escondido posto de combustíveis que deu origem ao nome da Operação Lava-Jato, está o monumental Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, ostensivamente visível a quem circula na região. Os dois prédios estão ligados pelo título desse marcante livro intitulado muito oportunamente Crime.gov, dos policiais federais Jorge Pontes e Márcio Anselmo. Enquanto o posto representa, simbolicamente, a operação que desvendou a corrupção de bilhões de reais, desviados sob a forma de propina, o estádio é o monumento, a prova física do sistema de corrupção no Brasil.

Muito tem sido escrito sobre corrupção no Brasil e, especificamente, sobre a Operação Lava-Jato. Por isso, quando decidi ler o Crime.gov, achei que seria mais uma obra, sem novidades. Mas ele vai muito além, como seus autores indicam em certo trecho, ao dizerem que, a partir de um certo momento das investigações, eles perceberam que estavam diante do pedaço de uma enorme baleia: o sistema e as consequências da moderna corrupção brasileira.

Como notícias na mídia, outros livros descrevem prisões, delações, malas com dinheiro em salas ou carregadas em saídas de pizzaria, mas o Crime.gov mostra o sistema político corrupto que se consolidou com um comando central, ramificações precisas em consolidada promiscuidade entre políticos e empresários; não apenas cobrando e pagando propinas, mas usando também outras formas de beneficiamentos; integrando o braço político e eleitoral com o braço executivo governamental, na definição de obras; e agindo em todo o território nacional e no exterior, tanto em governos quanto em obras, nos mostra a maldita baleia do Estado corrupto. Por isso, é um livro que deve ser lido e divulgado para esclarecer a dimensão dessa tragédia imoral e para evitar interpretações que tentam diminuir a gravidade da corrupção ou justificá-la com o indecente argumento que seu fim afeta negativamente a economia, viciada na propina como um adicto em cocaína.

Corrupção ocupa espaço nos diagnósticos do FMI: Editorial / Valor Econômico

Finalmente a corrupção chega às mesas de debate do Fundo Monetário Internacional (FMI). Nesta semana, quando o FMI realizar em Washington sua tradicional reunião da primavera (no Hemisfério Norte), um capítulo do respeitado estudo Monitor Fiscal, apresentado em todo encontro, é dedicado ao tema. Os efeitos fiscais da corrupção e seu impacto nas políticas públicas e na infraestrutura são alguns dos enfoques do estudo, que tem o mérito de dimensionar prejuízos que todos percebem que são causados, mas não sabem quantificar.

Um dos efeitos perniciosos da corrupção é a queda da arrecadação. A perda atinge cerca de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) global, o equivalente a US$ 1,5 trilhão, calcula o Fundo. Governos menos corruptos chegam a arrecadar o equivalente a 4% do PIB a mais. Quando a corrupção prolifera, há desperdícios do dinheiro dos contribuintes e do próprio governo em projetos de investimento superfaturados, com gastos que chegam ao dobro por conta das propinas e fraudes em licitações. As pessoas pagam suborno para escapar dos impostos.

Há distorções também nas prioridades do governo e a parcela dos investimentos destinada à educação e saúde é um terço menor, com implicações na eficiência dos gastos sociais. O FMI constata que, em países mais corruptos, os estudantes em idade escolar tiram notas piores nas provas. Quando o nível de corrupção é elevado, as notas são 10% inferiores à média global; quando a corrupção é reduzida, podem ser quase 15% superiores.

Otimismo diluído: Editorial / Folha de S. Paulo

Parcela dos que creem na melhora da economia cai de 65% para 50%, diz Datafolha

Existem bons motivos para crer que a situação econômica do país vá melhorar —a começar pelo fato de que a situação é muito ruim.

Na longa e profunda recessão de 2014-16, o Produto Interno Bruto brasileiro encolheu 8,2% ao longo de 11 trimestres; passados mais de dois anos, a retomada se dá em lentidão exasperante. O PIB do final de 2018 ainda se mostrava 5,1% inferior ao do início da crise.

Resta muito a crescer, portanto, apenas para que a produção, a renda, o consumo e os investimentos retornem ao que já foram.

Não é por acaso, assim, que não mais de 18% dos brasileiros digam temer hoje uma piora da economia nacional, de acordo com pesquisa conduzida pelo Datafolha nos dias 2 e 3 de abril. Entretanto a parcela dos que confiam em um avanço encolheu de 65%, contados pouco antes da posse do presidente Jair Bolsonaro (PSL), para 50%.

Exército precisa investigar com rigor fuzilamento de músico: Editorial / O Globo

Participação das Forças Armadas no combate ao crime é importante, mas tem de seguir protocolos

Há muito a se esclarecer sobre o fuzilamento que resultou na morte do músico Evaldo dos Santos Rosa, de 51 anos, e em ferimentos em outras duas pessoas — o seu sogro e um pedestre —, na tarde de domingo, em Guadalupe, Zona Norte do Rio. Por enquanto, sabe-se que soldados do Exército que faziam o patrulhamento nas imediações de instalações militares dispararam mais de 80 tiros de fuzil contra o carro em que estavam Evaldo, o sogro, a mulher, o filho de 7 anos e a afilhada de 13.

Ainda no domingo, o Exército emitiu nota informando que os militares revidaram a uma “injusta agressão” depois que bandidos abriram fogo contra a patrulha. Testemunhas, porém, deram outra versão, segundo a qual os soldados teriam confundido o carro de Evaldo com o de criminosos. De qualquer forma, a família não estava armada.

Ontem, no entanto, o Comando Militar do Leste mandou prender em flagrante dez dos 12 militares envolvidos no episódio, devido a “inconsistências identificadas entre os fatos inicialmente reportados”, informações que chegaram posteriormente ao CML e os depoimentos dos próprios agentes. Eles ficarão à disposição da Justiça Militar.

É fundamental saber exatamente o que aconteceu em Guadalupe e por que aconteceu. Como podem agentes treinados para situações extremas de violência cometer esse tipo de erro?

Clima favorável à reforma: Editorial / O Estado de S. Paulo

Cresceu na Câmara dos Deputados o apoio à reforma da Previdência, o que é uma ótima notícia em meio à incerteza gerada pela desarticulação política do governo. Segundo levantamento feito pelo Estado com 508 dos 513 deputados nas duas últimas semanas, chegou a 198 o número de parlamentares que se disseram favoráveis à proposta enviada pelo governo, contra 180 na última enquete, em março; desse total, 129 condicionaram o apoio a mudanças no texto, enquanto os outros 69 disseram aprovar integralmente a proposta. Apenas 95 declararam que vão votar contra o projeto mesmo que sejam feitas mudanças – ou seja, são a nata da oposição dura, com a qual aparentemente não há diálogo. Outros 215 deputados preferiram não se manifestar.

O quadro indica que há amplas possibilidades de aumentar o apoio à reforma da Previdência, a depender da qualidade da articulação do governo no Congresso. Há poucos dias, o presidente Jair Bolsonaro, até então refratário ao que chamava de “velha política”, permitiu-se dialogar com líderes de partidos em busca de pontos em comum para a formação da base governista. Os encontros com dirigentes de DEM, PSDB, PSD, PP, PRB e MDB podem ter marcado um promissor ponto de inflexão. Num primeiro momento, nenhum desses líderes se comprometeu a aderir, mas está claro que nenhum deles tampouco deverá fazer oposição sistemática, pois há mais convergências do que divergências em relação à agenda de reformas do governo. Dos 196 deputados que aqueles partidos representam, 79 se declararam a favor da proposta de reforma, segundo a pesquisa do Estado.

Joaquim Cardozo: Território entre o gesto e a palavra

Entre o gesto e a palavra: território escondido dentro de mim
Marcas de mortas visões; tentativas, indecisões, regozijos,
Entre o gesto e a palavra. Território:
Um silêncio, um gemido, um esforço imaturo
Possibilidade de um grito, modulação de uma dor.
— Ritmos mais doces que os das águas,
— Ternuras mais íntimas que as do amor
Entre o gesto e a palavra. Território
Onde as idéias se ocultam e os pensamentos se perdem
Os conceitos se escondem, os problemas se dissolvem
Entre o gesto e a palavra. Território.
— Os problemas da escolha, os princípios;
Transcendências: transparências, mediante
Uma luz que não se acende, existem
No território contido entre o gesto e a palavra.
— Um axioma, um lema, um versículo, um fonema,
Uma ameaça, uma tolice, o som velar, o eco,
Talvez a estátua de uma atitude.
Estão no campo depois do gesto
E antes da palavra.
Também estás para mim, amiga, entre esses dois expressivos
Entre alguma coisa de mímico ou de sonoro
Alguma coisa que é aceno ou que é voz:
Entre o de mim e o de ti: Tu estou
Tu vivo
Tu falo
Tu choro
Estás, mesmo que entre nós dois não exista
Um aparato gramático — uma sentença verdadeira
— ou uma síntese poética
Ilusória expressão com que se conformam os ingênuos —
Mesmo que a palavra se reduza a simples gesto verbal
Entre o gesto e este gesto há um infinito real.


In: CARDOZO, Joaquim. Poesias completas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.207-208.

Ana Costa - Samba da Alforria