quinta-feira, 25 de julho de 2019

José Serra*: Populismo com FGTS

- O Estado de S.Paulo

Modalidade permanente de saques compromete os investimentos subsidiados pelo fundo

Segundo foi anunciado, serão admitidos saques periódicos de parte dos recursos depositados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), com o propósito de estimular a atividade econômica em curto prazo. É uma medida heterodoxa, apesar de promovida por uma equipe que se considera ortodoxa: elevar o consumo subtraindo recursos para financiar investimentos. Expande-se a demanda das pessoas por bens e serviços à custa do encolhimento potencial das operações de investimentos subsidiadas pelo fundo. Não é por menos que porta-vozes das empresas de construção habitacional assumiram atitude crítica diante do anúncio.

A nova equipe econômica vem aos poucos mostrando que pretende realizar mudanças permanentes no FGTS. Na origem, há mais de meio século, esse fundo destinava-se a substituir as indenizações que os assalariados recebiam das empresas quando eram demitidos “sem justa causa”. Seu financiamento provinha, como ainda provém, dos depósitos mensais das empresas equivalentes a 8% dos salários, em favor dos trabalhadores. Outra possibilidade, introduzida no contexto do FGTS, foi o direito ao saque do dinheiro do fundo pelos trabalhadores que se aposentassem ou adquirissem “casa própria”.

Como curiosidade vale lembrar que um dos criadores do FGTS, em 1966, foi o então ministro do Planejamento, Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central. Mas nessa matéria a atual agenda “reformista” é bem diferente da das últimas décadas, que criou e ampliou o papel e a importância do fundo citado.

Trata-se de uma fonte de recursos perenes e de longo prazo para as políticas públicas na área habitacional e de infraestrutura. O FGTS, instituído por lei em 1966, alcançou o patamar de direito social constitucional na Carta Magna de 1988. De fato, os sucessivos governos foram ampliando o papel desse fundo ao longo dos anos.

William Waack: Bolsonaro e os xiitas

- O Estado de S.Paulo

É ampla no Brasil a percepção de que agronegócio e meio ambiente não combinam

O governo Jair Bolsonaro, especialmente o presidente, tem uma rara capacidade de ajudar seus críticos e adversários. A mais recente demonstração é a briga de Bolsonaro com os dados do Inpe, acusado por ele de favorecer campanhas internacionais contra o País ao divulgar informações sobre desmatamento obtidas por satélites. É tão ridículo quanto brigar com o termômetro ou o barômetro.

O material elaborado pelo Inpe é o resultado de considerável esforço científico nacional e internacional em entender as dimensões da questão – e se esse material indica que o desmatamento persiste em proporções preocupantes, o ponto central é a incapacidade demonstrada pelo Estado brasileiro ao longo de décadas de fazer valer suas próprias leis. Teria sido fácil dizer isso a correspondentes estrangeiros, não tivesse Bolsonaro permanecido preso a um (para usar a linguagem militar) teatro secundário de operações.

Xiitas ambientais, diz o presidente, são os responsáveis por uma enorme campanha contra o Brasil lá fora. Por xiitas ambientais Bolsonaro entende em parte ONGs internacionais – algumas, sem dúvida, com agenda claramente ideológica (combater o agronegócio capitalista) e/ou comprometidas com interesses comerciais de competidores (pela proximidade com partidos políticos que representam segmentos eleitorais com grande influência em governos de outros países). Sim, esse tipo de campanha existe, e atinge parte da imprensa tradicionalmente responsável e objetiva.

Mas, a rigor, é no Brasil mesmo que persiste há muito tempo a ideia de que o negócio agropecuário e o meio ambiente são grandezas irreconciliáveis. E que o lucro e a rentabilidade (a principal razão de existir do grande negócio) seriam obtidos pela sistemática destruição da natureza e apropriação privada de recursos divinos como a terra. Há também um ranço clerical na noção bastante popular de que um bem para todos não pode ser repartido entre alguns poucos. E que a tarefa de alimentar as pessoas cabe a quem trabalha a terra com o próprio suor, e não a entidades gananciosas que transformam centenas de milhares de quilômetros quadrados em monoculturas destinadas à exportação.

Zeina Latif*: Cair na real

- O Estado de S.Paulo

A fraqueza da economia não é conjuntural e transitória, mas sim estrutural

Em meio a doses de desânimo em relação ao quadro econômico, muitos questionam quando será possível uma arrancada do crescimento. A resposta passa pela compreensão do porquê o Brasil está estagnado.

Fazer diagnósticos não é tarefa fácil e há muitas divergências entre os economistas. Alguns dão mais peso a choques de curto prazo, como a Argentina ou a greve dos caminhoneiros no ano passado. No entanto, estivesse a economia mais sólida, choques adversos teriam impacto mais modesto e transitório.

Outros apontam para a mudança da política econômica nos últimos anos, com o corte dos gastos públicos e do crédito dos bancos estatais. Seria como uma crise de abstinência pela falta dos impulsos econômicos promovidos no passado, sem uma compensação tempestiva do setor privado.

Sem dúvida, há setores que sentem bastante o menor protagonismo estatal, como a construção civil. O segmento habitacional, por exemplo, sofre com o encolhimento do Minha Casa Minha Vida, que era responsável por mais de 70% da oferta de moradias. Vale também colocar na conta os grandes projetos de infraestrutura. Ocorre que foi a mudança do regime de política fiscal que permitiu taxas de juros do Banco Central inéditas no País, produzindo a recuperação paulatina do crédito e o crescimento do mercado de capitais.

Maria Hermínia Tavares de Almeida*: Muito além do Maine

- Folha de S. Paulo

O embaixador brasileiro em Washington é uma peça do jogo em múltiplos tabuleiros

As relações do Brasil com os Estados Unidos assemelham-se a repetidas partidas de xadrez jogadas simultaneamente em três tabuleiros. O primeiro é o bilateral, em que as duas nações buscam o melhor entendimento possível de forma a contemplar os interesses estatais, privados e não-governamentais de parte a parte.

Nessa área, é consenso entre os analistas que de há muito alcançamos um relacionamento maduro. Esse se assenta no diálogo em torno de uma agenda de cooperação que abrange ampla gama de assuntos —educação, ciência e tecnologia, defesa e segurança, sistema judicial, circulação de pessoas. Implica também no esforço de aplainar divergências, em especial diante de questões econômicas, como investimentos e comércio.

Os Estados Unidos tampouco podem ser ignorados no tabuleiro sul-americano, centro de gravidade da política exterior brasileira. Aqui, embora convenha igualmente aos dois países manter a paz na região e ambos cooperem no combate às novas ameaças criadas pelo narcotráfico e o crime organizado, os respectivos propósitos e estilos de atuação muitas vezes se contrapõem.

Aos Estados Unidos interessa que nada venha a contestar a sua hegemonia. Ao Brasil interessa obter o reconhecimento dos vizinhos e o prestígio regional que o credenciem a se fazer ouvir no grande mundo --algo incompatível com um alinhamento automático à potência do norte.

Fernando Schüler*: A responsabilidade é sua, presidente

- Folha de S. Paulo

Primeira tarefa é compreender que preside um país inteiro, não uma parte

Passei uma semana em Washington, em um seminário, e acompanhava flashes da política americana. O assunto do momento eram os tuítes deTrump dizendo que algumas deputadas democratas, de famílias de imigrantes, deviam “voltar para seus países quebrados e infestados pelo crime”. A partir daí, o bate boca infinito. Gente respeitável chamou o presidente de racista e pediu seu impeachment. Do outro lado, a multidão gritava “mande-a de volta”, no comício seguinte de Trump.

De volta ao Brasil, a sensação incômoda. Eventos distintos com uma lógica constrangedoramente parecida. O mundo político discute o uso do termo “paraíba”, pelo presidente, e se ocupa com as provocações de sempre de Bolsonaro, que vão de uma opinião irrelevante sobre o filme “Bruna Surfistinha” à sua (quase inacreditável) insistência em emplacaro filho como embaixador nos EUA.

De fato, há um problema aí. Em primeiro lugar, a lógica da guerra cultural continua dando as cartas em nosso jogo político. O Congresso pode discutir a reforma tributária, a MP da liberdade econômica ou as regras para o financiamento eleitoral, mas o que parece mobilizar a opinião pública é a futrica do dia sobre se o presidente foi ou não aplaudido em sua ida ao Nordeste ou seu último quiproquó com Gregorio Duvivier ou algum divergente.

O presidente é o principal responsável por esta lógica, em que pese esteja longe de ser o único. Não há o que estranhar nisso. Bolsonaro é um produto da guerra cultural. É neste terreno que ele foi eleito. Seu sucesso e seu estilo de fazer política são, em grande medida, o resultado de um país que já vinha polarizado há muito tempo. Apenas inverteu a mão.

Bruno Boghossian: Pergunte ao hacker

- Folha de S. Paulo

Operação contra hackers da Lava Jato ainda deixa perguntas

Em seu depoimento na Câmara no início do mês, Sergio Moro lançou uma suspeita. O ministro disse três vezes que o vazamento de mensagens da Lava Jato teria sido orquestrado por “alguém que ainda não foi atingido” pela operação.

A ação realizada pela Polícia Federal não revelou até agora um esquema desse tipo, mas Moro celebrou, nesta quarta (24), a prisão dos suspeitos de invasão dos telefones de autoridades. Além de alimentar teorias de todo tipo, a investigação deixa, por ora, algumas perguntas.

Os responsáveis pelo inquérito afirmam que o grupo hackeou mil celulares, mirando procuradores, juízes e políticos. Um dos suspeitos teria acabado de capturar o telefone do ministro da Economia, Paulo Guedes. A extensão e a abrangência desses alvos levanta certas dúvidas sobre os interesses dos invasores.

Se os integrantes da Lava Jato não foram as únicas vítimas, a ideia de que o objetivo central era aniquilar a operação precisa de novos elementos. Ao mesmo tempo, se os invasores acessaram tantos telefones, por que apenas as conversas entre membros da força-tarefa vazaram até agora?

Fernando Canzian: Desigualdade e populismo trancam o mundo em armadilha

- Folha de S. Paulo

Eleitores descontentes elegem líderes que adotam soluções simplificadas para problemas complexos

O Fundo Monetário Internacional revisou para baixo o crescimento da economia mundial de 2019 e 2020. Países emergentes como o Brasil terão neste ano o pior resultado desde a crise de 2009.

Gita Gopinath, a economista-chefe do Fundo, qualificou o crescimento atual como “lento e precário”. De modo transparente, emendou: “Não precisava ser assim, pois isso está sendo autoinfligido”.

Incertezas políticas provocadas por lideranças populistas turvam o cenário: entre as muitas estão a guerra comercial de Donald Trumpcontra a China e o processo que levou à ascensão de Boris Johnson no Reino Unido.

O primeiro ponto afeta as longas cadeias produtivas globais das duas maiores economias do mundo; o segundo poderá machucar não só o Reino Unido, mas a integração europeia e a economia da região.

Nesse cenário, o crescimento dos EUA de 2,6% neste ano deve cair a 1,9% em 2020. A China, que já roda no menor patamar em 30 anos, poderá crescer abaixo de 6% em 2020; os 19 países da zona do euro, menos de 1,6%.

Maria Cristina Fernandes: Em busca dos prejudicados

- Valor Econômico

Agenda não passa pela capitulação nem pelo isolamento

Uma das principais promessas do candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad, foi a redução no preço do gás para R$ 49. Seis meses depois de sua posse, o presidente Jair Bolsonaro lançou um programa com a mesma meta. O público-alvo não poderia ser mais claro. O botijão de R$ 75 consome 40% do benefício médio do Bolsa Família.

Como o programa ainda carece de regulamentação, está por se provar que as novas regras do mercado de gás vão torná-lo, de fato, competitivo, ou se novos arranjos se apropriarão das margens de lucro de um setor que, a despeito de ter deixado de ser monopólio estatal há mais de duas décadas, permanece concentrado.

Se for para valer, o programa compõe com a liberação pingada do FGTS as medidas com as quais o governo tenta conter o derretimento de sua popularidade entre os mais desvalidos enquanto o emprego não vem. A satisfação dos mais ricos com o governo é quase o dobro daquela medida entre os mais pobres. Foi entre os moradores do Nordeste, que o Datafolha do início de julho colheu a maior proporção de insatisfeitos. A fatia dos que aprovam a gestão do presidente já é menor do que aquela de seus eleitores na região, a única em que foi derrotado em todos os Estados. É com base nessa retaguarda que os governadores do Nordeste se constituem numa frente de resistência, encorpada sempre que o presidente conjuga com paraíbas, cabras-machos e cabeças-chatas seu glossário de preconceitos.

Ribamar Oliveira: As incertezas sobre o Orçamento de 2020

- Valor Econômico

Aumento real para o mínimo reduzirá outras despesas

A proposta orçamentária para 2020 será elaborada com a previsão de que não haverá aumento real para o salário mínimo no próximo ano. O valor do piso será reajustado apenas pela inflação, medida pelo INPC. Assim, se o presidente da República assinar medida provisória ou algum parlamentar propuser projeto de lei com aumento real para o mínimo, terá que dizer quais despesas do Orçamento serão cortadas para acomodar a elevação dos gastos previdenciários e assistenciais decorrente do novo valor.

Isto será necessário porque não haverá margem para despesas adicionais, pois a proposta orçamentária será elaborada, como nos anos anteriores, preenchendo todo o teto de gastos criado pela emenda constitucional 95/2016. Esta é uma dificuldade adicional para quem deseja novos reajustes reais para o salário mínimo.

A lei 13.152, de 2015, que dispõe sobre a política para o salário mínimo, perde sua vigência neste ano. Mas, até agora, nem o presidente da República nem líderes parlamentares tomaram a iniciativa de definir uma nova política ou as regras que serão adotadas no futuro para a correção do piso.

O único comando existente, no momento, é o artigo da Constituição que diz que o mínimo deve ser corrigido, anualmente, pela inflação. Como ainda não há lei definindo o valor do piso para 2020 e anos seguintes, o governo usará, na elaboração do Orçamento, apenas o comando constitucional.

Cada R$ 1 de aumento no salário mínimo gera um incremento de R$ 298,2 milhões ao ano nas despesas do governo. Por outro lado, a variação de 0,1 ponto percentual no INPC gera acréscimo de R$ 689,1 milhões nas contas públicas, de acordo com o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), válida para 2020, em análise pelo Congresso. O valor do salário mínimo é importante, portanto, para estimar as despesas com benefícios previdenciários, com Benefício de Prestação Continuada (BPC), seguro-desemprego e abono salarial. Com um valor maior do piso, as despesas também serão maiores.

A proposta orçamentária não prevê também reajuste para os salários dos servidores dos três Poderes. Nem a criação de cargos pelo Executivo. Mas haverá provimento de cargos e funções no âmbito das Forças Armadas, do Banco de Professor Equivalente do Ministério da Educação e demais cargos e funções vagos, assim como no Legislativo, no Judiciário, no Ministério Público da União (MPU) e na Defensoria Pública da União (DPU).

Luiz Carlos Azedo: Eixo na política

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

O governo anunciou, ontem, mudanças nas regras para saque do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) com objetivo de aquecer a economia com estímulos ao consumo popular. Os trabalhadores poderão sacar até R$ 500 de cada conta que possuírem no FGTS, ativa ou inativa (do emprego atual ou dos anteriores), a partir de setembro. A previsão é de um impacto de R$ 42 bilhões na economia até 2020. Anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro, a medida é uma tentativa de construir um cenário econômico mais otimista para o mercado, uma vez que as projeções de crescimento do PIB para este ano estão abaixo de 1%. Mira também uma parcela da população na qual crescia a insatisfação com o governo federal.

O mercado recebeu a medida com cautela, muitos avaliam que mais da metade dos recursos a serem liberados serão utilizados pelos trabalhadores para pagar dívidas. Segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), 37% dos consumidores que estão com contas atrasadas devem menos que R$ 500, o valor liberado pelo governo para cada trabalhador este ano. O presidente da entidade, José César da Costa, diz que “os saques devem atender às necessidades de quem mais sofre neste momento, os cidadãos das classes C, D e E, que estão há muito tempo sem liquidez”.

As projeções do mercado financeiro para o crescimento deste ano são de 0,8%. Caso haja realmente melhora no ambiente econômico a partir de setembro, os mais otimistas fazem uma previsão de crescimento do PIB de 1,7 a 1,9% em 2020. “É um impacto de curto prazo, que não muda a trajetória de crescimento, apenas estimula transitoriamente a economia. A gente não vai ver empresário contratar e aumentar planta por causa de um impulso temporário. É uma medida de curto prazo para elevar temporariamente a demanda e não a capacidade produtiva”, segundo a economista Zeina Latif, da XP Investimentos.

Começa a cair a ficha de que a reforma da Previdência não é uma varinha de condão, que num passe de mágica resolverá os problemas da economia, como se dizia no começo do ano. Mesmo a venda de ativos das estatais, como o controle acionário da BR Distribuidora pela Petrobras, na terça-feira, que sinaliza um avanço efetivo na política de privatizações, não está sendo suficiente para motivar os investidores. Na verdade, a aprovação da reforma da Previdência pela Câmara em primeiro turno não foi capaz de alterar a percepção do mercado sobre o ambiente econômico; deixar a segunda votação para agosto frustrou expectativas e gerou uma grande interrogação em relação à capacidade de o presidente da República liderar as reformas.

O problema é comportamento dispersivo e radicalizante do presidente da República, cuja agenda é focada na questão dos costumes e nas disputas ideológicas com a oposição, ou seja, está descolada das medidas estruturantes da economia. A estratégia de exacerbação de tensões com a oposição e a sociedade civil é vista como um complicador para aprovação da reforma da Previdência em segunda votação na Câmara. Essa dificuldade política é agravada pelas contradições internas do próprio governo, que funciona como um arquipélago, com redutos corporativos, núcleos ideológicos e religiosos e centro de excelência insatisfeitos, com é o caso do Itamaraty e órgãos como Inpe, Fiocruz e IBGE. A percepção do mercado é de que o problema político está instalado no governo e não no Congresso, como seria o normal, mas acabará se refletindo no Parlamento. O eixo da estagnação econômica é mais político do que fiscal, pois há um ambiente favorável à aprovação das reformas.

Merval Pereira: Sócio oculto

- O Globo

Resta saber quem está por trás do hackeamento de mais de mil autoridades dos três Poderes, pessoas ligadas a elas, e jornalistas

Com a confissão e provável delação premiada de Walter Delgatti Neto, líder dos presos na Operação Spoofing, resta saber quem está por trás do hackeamento de mais de mil autoridades dos três poderes, pessoas ligadas a elas, e jornalistas. O sócio oculto da ação criminosa.

Se alguém pagou aos hackers pelo serviço, é preciso localizá-lo e saber qual sua intenção. Se essa pessoa repassou as informações sobre a Lava-Jato para o site Intercept Brasil, os editores não têm nada a ver com os crimes cometidos, e cumpriram sua função jornalística protegida pela Constituição.

Mesmo que alguns juristas entendam que, como esse tipo de informação só pode ser conseguido com autorização judicial, o órgão de imprensa deveria desconfiar que a origem era ilegal.

Se tiverem pago pelas informações, há uma questão ética e outra jurídica. A ética, não parece estar ligada a nenhum crime. Mesmo assim, há uma dúvida sobre o momento do pagamento: antes do hackeamento, ou depois de o material obtido?

Se antes, podem ser considerados cúmplices. Também o período em que pagaram é importante na definição. Se pagaram por um pacote de informações depois de o crime ter sido praticado pelos hackers, e não receberam nenhuma informação adicional, não há como acusá-los.

Como o crime continuou a ser praticado até a véspera da prisão, com o celular do ministro Paulo Guedes sendo invadido, se o Intercept pagou por novas informações nesse período, pode ser considerado cúmplice.

A única mulher presa, Suelen de Oliveira, transaciona com bitcoins, e a Polícia Federal suspeita que parte do pagamento possa ter sido feita em moedas virtuais.

Ascânio Seleme: Deixem o Eduardo ir

- O Globo

Pensando bem, talvez seja melhor o deputado Eduardo Bolsonaro sair de Brasília e sentar praça em Washington. O Brasil vai perder tendo o Zero Três como embaixador nos Estados Unidos, nenhuma dúvida, mas alguém acha que nossa relação com Trump seria diferente caso um diplomata de carreira assumisse o posto? Ora, o chanceler Ernesto Araújo cuidaria de escolher um que fizesse exatamente o que Eduardo fará caso seja aprovado pelo Senado. Isso é, alinhamento automático e bajulação explícita. Este é o nome do jogo com os Estados Unidos.

Com Eduardo ou com um embaixador de carreira, o quadro será o mesmo. Se o Zero Três for o nomeado, poupa-se o Itamaraty de mais um vexame, o de trazer à luz outro Ernesto Araújo. Embora muitos diplomatas não se submetam de boa vontade ao “faça o que eu estou mandando”, é da natureza da profissão atender às orientações e obedecer à política externa determinada pelo presidente. Em que pese a carreira ser a que mais requer conhecimento técnico e habilidade política no serviço público, não seria tão difícil encontrar um nome que reflita a imagem curvada do chefe.

Nos Estados Unidos, além de dar uns tiros no quintal de Olavo de Carvalho, Eduardo vai fazer exatamente tudo o que se espera dele. Ou seja, nada, nada de mais. Ou nada além do que um embaixador de carreira faria. Vai participar de algumas solenidades oficiais, frequentar e oferecer recepções e coquetéis, receber autoridades brasileiras e bater continência para Trump e sua tropa. Em todos os assuntos. Sobre a sua colaboração com Steve Bannon, o ultradireitista que ajudou a eleger o presidente americano, não se deve esperar muita coisa. Ou alguém imagina que Eduardo vai manter agenda permanente para trocar ideias e ajudar Bannon a formular políticas? Não, o Zero Três tampouco é qualificado para isso.

Bernardo Mello Franco: O triunfo de Boris

- O Globo

A maioria dos britânicos não compraria um carro usado de Boris Johnson. Mesmo assim, ele foi escolhido para assumir o cargo de primeiro-ministro

No mês passado, o instituto YouGov fez uma pergunta inusitada aos eleitores britânicos: “Você compraria um carro usado deste homem?”. O questionário
citava seis políticos cotados para o cargo de primeiro-ministro. O pior desempenho foi o de Boris Johnson. De cada dez entrevistados, seis se recusariam a fechar negócio com ele.

A pesquisa também perguntou quem teria mais chances de conduzir o Partido Conservador à vitória nas próximas eleições. Desta vez, Boris saltou do último lugar para o primeiro. Para 47%, ele seria a melhor escolha para derrotar a oposição trabalhista.

Boris começou a vida profissional como jornalista, mas perdeu o primeiro emprego por publicar frases inventadas. O vexame não reduziu suas ambições. Em pouco tempo, ele voltaria à cena como participante de um programa de humor na TV.

O sucesso foi instantâneo. O ex-repórter conquistou uma legião de fãs e transformou o cabelo desarrumado em marca registrada. Depois transportou o personagem cômico para a política. Com poucas convicções e muitas piadas, virou prefeito de Londres.

Carlos Alberto Sardenberg: Expectativa melhora. De novo

- O Globo

A aprovação da reforma previdenciária, robusta e com sólida votação, sugere que outras podem caminhar no Congresso

É inegável que as expectativas melhoraram. E não constituem falso otimismo. Há coisas importantes acontecendo na economia real.

Os juros estão caindo. A taxa básica, a Selic, calibrada pelo Banco Central, deve chegar ao final deste ano na casa dos 5%, que será a mais baixa de era do Real.

Mais do que isso, marcará um momento em que os juros brasileiros começam a se normalizar e entrar em sintonia com o mundo. Parece que ficam para trás os tempos em que o Brasil era cronicamente o campeão dos juros altos.

A inflação persistentemente baixa há anos e a previsão de que continuará assim
sustentam essa perspectiva. Além da enorme capacidade ociosa e da lerdeza da recuperação, há outro fator que praticamente obriga o BC a derrubar a Selic: o andamento das reformas.

Coloquei no plural — reformas — porque a aprovação da previdenciária, robusta e com sólida votação, sugere que outras podem caminhar no Congresso, especialmente a tributária.

A reforma da Previdência encaminha o equilíbrio das contas públicas. A simplificação dos impostos elimina um dos maiores entraves à atividade empresarial. Junto com o cenário de juros baixos, tudo isso sugere boa perspectiva de aceleração da retomada da economia.

Ricardo Noblat: O povo e o direito de saber

- Blog do Noblat / Veja

Apure-se tudo
Ou se prova a falsidade das mensagens trocadas pelo então juiz Sérgio Moro com procuradores da Lava Jato na condução do processo que condenou Lula, ou elas continuarão valendo, quer os hackers detidos pela Polícia Federal as tenham ou não repassado ao site The Intercept.

O site reafirma a veracidade das mensagens. A Folha de São Paulo e a VEJA que as examinaram e publicaram, também. Senadora citada em uma delas admite a autoria do que escreveu e endereçou a Moro. O ex-juiz já pediu desculpas por referência feita em uma das mensagens.

Não é crime publicar informações obtidas por meios controversos. Os famosos Documentos do Pentágono, que contavam a história da guerra do Vietnã nos anos 60, foram subtraídos por um professor e publicados pelos jornais The New York Times e Washington Post.

O governo americano tentou embargar a publicação. Alegou que eram documentos secretos e que a segurança nacional estava em jogo. A Suprema Corte dos Estados Unidos deu razão aos jornais. Tudo que seja de interesse público pode ser revelado.

Esse é também o entendimento por aqui do Supremo Tribunal Federal com base na Constituição. Liberdade de imprensa não é direito dos jornalistas e dos seus patrões. É direito de cada cidadão em uma democracia. Moro pensava assim ou ainda pensa.

Foi com base nisso que ele vazou uma conversa entre a então presidente Dilma e Lula grampeada depois de esgotado o prazo fixado por ele para tal fim. Na ocasião, duramente censurado pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo, Moro limitou-se a pedir desculpas.

Espera-se que a Polícia Federal vá fundo nas investigações sobre os hackers que copiaram o conteúdo dos celulares de cerca de mil pessoas, segundo Moro, que se apressou em sugerir que possam ter sido eles que forneceram ao Intercept o que vem sendo conhecido a conta gotas.

Temos o direito de saber tudo – por que hackearam? Com qual objetivo? Espontaneamente ou a mando de quem? Ganharam alguma coisa com isso? Se ganharam quem pagou? Se foram pagos para isso como receberam? Aonde?

Temos também o direito de saber quem matou e quem mandou matar a vereadora Marielle Franco. E onde está Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro. E de por que cheques passados por ele foram parar na conta da mulher do presidente da República.

O preço da reforma da Previdência

Diligência seletiva: Editorial / O Estado de S. Paulo

Após um mês e meio da primeira divulgação das mensagens que teriam sido trocadas entre o então juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, e integrantes do Ministério Público Federal, a Polícia Federal deflagrou a Operação Spoofing, que investiga possíveis crimes relacionados à invasão dos aparelhos celulares das autoridades envolvidas na Operação Lava Jato. Quatro pessoas tiveram a prisão temporária decretada. Ainda que não se saiba muito sobre o efetivo estágio de investigação – se de fato foram encontrados indícios robustos sobre os tais crimes –, é digna de louvor a diligência das autoridades policiais no caso.

Chama a atenção, no entanto, a disparidade de tratamento entre este caso de vazamento de mensagens privadas e tantos outros casos de vazamento de informações sigilosas que vêm ocorrendo desde o início da Operação Lava Jato. No caso que envolveu o agora ministro da Justiça, Sergio Moro, e integrantes do Ministério Público Federal, o vazamento foi prontamente investigado, com resultados palpáveis em menos de dois meses. Já em relação aos outros casos de vazamento de informações – muitos e espetaculosos –, não se soube de nenhuma prisão cautelar, de nenhuma denúncia oferecida e, menos ainda, de nenhuma punição dos responsáveis por tantas quebras de sigilo. Na maioria destes casos, não houve sequer abertura de inquérito.

A impressão que têm – equivocada impressão, deve-se reconhecer – é a de que invadir celular é crime, mas vazar informação judicial sigilosa, não; por exemplo, partes de um inquérito ou de uma delação ainda não homologada pela Justiça. Os dois casos constituem crimes igualmente.

Aparelhamento ao estilo de Bolsonaro: Editorial / O Globo

Reduz-se o peso da sociedade em conselhos, para haver um controle mais direto por parte do Planalto

Treze anos de PT em Brasília foram mais do que suficientes para demonstrar como se aparelha a máquina pública com fins políticos e ideológicos. Agora, com o outro extremo ocupando o Planalto, o presidente Jair Bolsonaro expõe seu estilo de aparelhar, com a mesma finalidade — usar o Estado para executar seus projetos —, mas por meio de métodos diferentes.

Um ponto a ser lembrado é que o presidente eleito nas urnas tem legitimidade para ocupar cargos com pessoas que o ajudarão a executar o programa sancionado pelos eleitores. Mas há limites. Para começar, os da Constituição, os mais importantes.

Também outros parâmetros precisam ser levados em conta. Por exemplo, a própria composição dos 57 milhões de votos que deram a vitória a Bolsonaro na disputa no segundo turno com o petista Fernando Haddad, grande cabo eleitoral do ex-capitão.

Pois foi pela rejeição ao PT que muitos votaram em Bolsonaro, mesmo sem concordar com a parte radical e preconceituosa de suas propostas. Como a que ele segue ao intervir em conselhos, anunciar o desejo de mudar a Ancine e assim por diante. Há também — ou deveria haver — o limite da sensatez.

Cuidado com o SUS: Editorial / Folha de S. Paulo

Proposta de ministério parece bem fundamentada, mas deveria ser testada antes

É meritória a disposição do Ministério da Saúde de alterar as regras de financiamento da atenção primária do Sistema Único de Saúde (SUS), incorporando indicadores de efetividade e desempenho.

Uma gestão eficiente, afinal, não pode pautar-se somente por critérios demográficos —cumpre olhar também para a produtividade.

Pelas normas hoje em vigor, o repasse de recursos aos municípios para a atenção primária —vale dizer, a assistência prestada pelo programa de saúde da família (PSF) e unidades básicas de saúde— é definido com base na população local, segundo as estimativas do IBGE, e no número de equipes do PSF em atividade em cada cidade.

Em vez disso, o ministério pretende considerar a população efetivamente cadastrada nos programas de atenção primária (e não mais o total de residentes), além de introduzir medidas de desempenho, como a qualidade do pré-natal prestado, controle de doenças sexualmente transmissíveis, de diabetes, hipertensão arterial e outras.

FMI vê riscos fiscais e avanços nas reformas no Brasil: Editorial / Valor Econômico

A mais recente revisão da política econômica brasileira feita pelo Fundo Monetário Internacional ressalta o grave risco fiscal e as defesas que o país possui para enfrentar adversidades externas - baixo percentual de rolagem de dívida externa (6% do PIB), bom afluxo de investimentos diretos, reservas robustas e adequadas. O Fundo indica que se o país persistir no rumo das reformas (a revisão foi feita antes da aprovação em primeiro turno na Câmara da reforma da previdência) é possível vencer a restrição fiscal para encarar o que na verdade é o maior problema do Brasil - o crescimento.

A média de expansão econômica do país dos anos 80 até hoje é de 2,5%, com viés de baixa. O crescimento potencial estimado hoje pelo FMI é de 2,2%, superior apenas, entre países emergentes relevantes, ao da África do Sul e Rússia, e muito inferior aos países dinâmicos asiáticos, sem contar aos da China e Índia. O esforço para avançar a taxas maiores sem incorrer em deslizes inflacionários, é grande visto com as lupas do presente, mas plenamente factível à luz do passado. Simulação do staff do FMI aponta que para crescer acima dos 2,2% é preciso ter taxa de investimentos de pelo menos 18,3% do PIB, cifra que já foi ultrapassada no fim dos anos 2000, e menos de 3 pontos percentuais do PIB acima da formação bruta de capital fixo do PIB do primeiro trimestre. Desafio bem maior, porém, é o da produtividade, de 0,5% na média entre 2000 e 2018, que precisaria chegar a 1,5% ao ano.

O crescimento obviamente facilitaria também o ajuste fiscal, mas a curto prazo não se deve esperar muito dele. O FMI prevê expansão de 2,4% do PIB em 2020 e em 2021, e de 2,2% nos anos seguintes até 2024. Nesta velocidade, o país exibiria o primeiro superávit primário em 2023 (0,4%) e, para estabilizar a dívida bruta de 96% do PIB em 2024 precisaria garantir superávits primários de 1% do PIB - no cálculo, a taxa de juros real é de 4,4%. Se o país crescesse 4,5%, poderia, no exercício hipotético, se dar ao luxo de não ter superávit primário mesmo com juros reais de 5,5% ou até déficit de 1,9% do PIB, maior que o atual, com juros de 3,5% acima da inflação.

Roteiro para a reconstrução: Editorial / O Estado de S. Paulo

O Brasil poderá desencalhar e crescer 2,4% no próximo ano, se tudo correr bem, uma boa reforma da Previdência estiver aprovada e houver confiança no futuro do País. Ainda emperrada, a economia deverá avançar apenas 0,8% em 2019, muito abaixo de seu potencial, estimado em 2,2% ao ano. O caminho para dias melhores está numa cartilha de políticas para arrumar as contas oficiais, controlar a dívida pública, racionalizar o gasto oficial e ganhar eficiência produtiva e poder de competição. O diagnóstico e o resumo da cartilha estão no recém-divulgado relatório de avaliação da economia brasileira elaborado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Para produzir relatórios desse tipo, uma equipe da instituição coleta informações oficiais, conversa com representantes oficiais e consulta outras fontes consideradas de alta qualidade.

O roteiro proposto pelo FMI – e já desenhado em relatórios anteriores – inclui tarefas para o atual governo e para seu sucessor. Se tudo correr direito, em 2023 o Produto Interno Bruto (PIB) estará crescendo normalmente de acordo com o potencial, isto é, em torno de 2,2% ao ano, mas chegar lá será apenas a primeira etapa. O objetivo seguinte será elevar a capacidade de expansão para 3% ao ano. Se chegar a esse ritmo, o crescimento brasileiro será metade daquele mantido há algum tempo pela China.

Manuel Bandeira: Os Sapos

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
— “Meu pai foi à guerra!”
— “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”.

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — “Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”

Ataulfo Alves & CarmenCosta -