- Folha de S. Paulo
O embaixador brasileiro em Washington é uma peça do jogo em múltiplos tabuleiros
As relações do Brasil com os Estados Unidos assemelham-se a repetidas partidas de xadrez jogadas simultaneamente em três tabuleiros. O primeiro é o bilateral, em que as duas nações buscam o melhor entendimento possível de forma a contemplar os interesses estatais, privados e não-governamentais de parte a parte.
Nessa área, é consenso entre os analistas que de há muito alcançamos um relacionamento maduro. Esse se assenta no diálogo em torno de uma agenda de cooperação que abrange ampla gama de assuntos —educação, ciência e tecnologia, defesa e segurança, sistema judicial, circulação de pessoas. Implica também no esforço de aplainar divergências, em especial diante de questões econômicas, como investimentos e comércio.
Os Estados Unidos tampouco podem ser ignorados no tabuleiro sul-americano, centro de gravidade da política exterior brasileira. Aqui, embora convenha igualmente aos dois países manter a paz na região e ambos cooperem no combate às novas ameaças criadas pelo narcotráfico e o crime organizado, os respectivos propósitos e estilos de atuação muitas vezes se contrapõem.
Aos Estados Unidos interessa que nada venha a contestar a sua hegemonia. Ao Brasil interessa obter o reconhecimento dos vizinhos e o prestígio regional que o credenciem a se fazer ouvir no grande mundo --algo incompatível com um alinhamento automático à potência do norte.
No tabuleiro global, os cálculos americanos e brasileiros são ainda mais distintos. Por isso, com frequência divergem na fidelidade ao multilateralismo ou no palco das organizações multilaterais —no plenário das Nações Unidas e em suas comissões, na Organização Mundial do Comércio ou no Fundo Monetário Internacional. É também necessariamente diferente a atitude de cada qual com relação à nova potência mundial em ascensão, a China.
O embaixador brasileiro em Washington é apenas uma peça, e nem sequer a mais importante, nesse jogo em múltiplos tabuleiros. Mas, por definição, exerce uma função insubstituível na abertura de caminhos à cooperação bilateral pública e privada, seja ao expor as razões da ação externa do país, seja municiando o governo que o designou com informações obtidas graças a seus contatos oficiais ou a redes pessoais.
Por isso o posto tem sido ocupado por diplomatas ou políticos tarimbados. Afinal, eles conhecem os circuitos mundiais de poder. E esses, salvo engano, não passam pelas montanhas geladas do Maine, onde adquiriu sua experiência internacional mais relevante o filho querido a quem o presidente quer presentear com o filé mignon de Washington.
*Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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