A mais recente revisão da política econômica brasileira feita pelo Fundo Monetário Internacional ressalta o grave risco fiscal e as defesas que o país possui para enfrentar adversidades externas - baixo percentual de rolagem de dívida externa (6% do PIB), bom afluxo de investimentos diretos, reservas robustas e adequadas. O Fundo indica que se o país persistir no rumo das reformas (a revisão foi feita antes da aprovação em primeiro turno na Câmara da reforma da previdência) é possível vencer a restrição fiscal para encarar o que na verdade é o maior problema do Brasil - o crescimento.
A média de expansão econômica do país dos anos 80 até hoje é de 2,5%, com viés de baixa. O crescimento potencial estimado hoje pelo FMI é de 2,2%, superior apenas, entre países emergentes relevantes, ao da África do Sul e Rússia, e muito inferior aos países dinâmicos asiáticos, sem contar aos da China e Índia. O esforço para avançar a taxas maiores sem incorrer em deslizes inflacionários, é grande visto com as lupas do presente, mas plenamente factível à luz do passado. Simulação do staff do FMI aponta que para crescer acima dos 2,2% é preciso ter taxa de investimentos de pelo menos 18,3% do PIB, cifra que já foi ultrapassada no fim dos anos 2000, e menos de 3 pontos percentuais do PIB acima da formação bruta de capital fixo do PIB do primeiro trimestre. Desafio bem maior, porém, é o da produtividade, de 0,5% na média entre 2000 e 2018, que precisaria chegar a 1,5% ao ano.
O crescimento obviamente facilitaria também o ajuste fiscal, mas a curto prazo não se deve esperar muito dele. O FMI prevê expansão de 2,4% do PIB em 2020 e em 2021, e de 2,2% nos anos seguintes até 2024. Nesta velocidade, o país exibiria o primeiro superávit primário em 2023 (0,4%) e, para estabilizar a dívida bruta de 96% do PIB em 2024 precisaria garantir superávits primários de 1% do PIB - no cálculo, a taxa de juros real é de 4,4%. Se o país crescesse 4,5%, poderia, no exercício hipotético, se dar ao luxo de não ter superávit primário mesmo com juros reais de 5,5% ou até déficit de 1,9% do PIB, maior que o atual, com juros de 3,5% acima da inflação.
Não é fácil chegar lá. O FMI aponta que a reforma da previdência, o passo essencial, nos termos colocados pela proposta que está no Congresso, será capaz de estabilizar os gastos com pensões e aposentadorias ao longo dos próximos anos, mas, por si só, é incapaz de sustentar a continuação do teto de gastos - representaria um terço do esforço fiscal de sustentação do teto de gastos.
Os técnicos do FMI tocam, sem saber, em uma polêmica recente entre economistas brasileiros - a de se a reforma seria contracionista ou não. Para o Fundo, os dois lados estão certos, dependendo do prazo. No médio prazo, o impacto sobre a atividade é positivo. No curto prazo, ela reduz o consumo per capita ao diminuir as transferências para as famílias. Mas, ao reduzir a trajetória do déficit público e aumentar poupança privada, a reforma reduz o custo de capital e induz investimentos maiores. "A curto prazo o efeito negativo no consumo é dominante e a expansão será menor que em um cenário de não reforma", registra. "Ao longo do tempo, os efeitos sobre investimento, exportação líquida e participação da força de trabalho maior predominam e a renda per capita será maior".
As privatizações são importantes na receita do ajuste, especialmente por aumentar a produtividade da economia, mas o governo deve esperar delas apenas "receitas moderadas". Com o petróleo do pré-sal, que o staff do FMI qualifica de "game changer", é diferente. Metade da produção hoje já provem dele e dá à União 0,8% do PIB, cifra que subirá a 1,2% do PIB em 2027. O leilão do petróleo da cessão onerosa deve render R$ 75 bilhões (pouco mais de 1% do PIB) e, na visão do Fundo, deveria ser integralmente usado para reduzir a dívida pública.
Além de persistir com o teto de gastos e realizar as reformas, a economia poderia contar com o alento da redução dos juros, recomendada pelo FMI caso os efeitos do ajuste fiscal se mostrem contracionistas, como já admite no caso da reforma da previdência a curto prazo, e as expectativas de inflação permaneçam ancoradas. Para o Fundo a instância atual da política fiscal é neutra. A taxa neutra de juros é de 3%, segundo o relatório, e o BC do Brasil já mantém uma política estimulativa há um bom tempo. A instituição vê espaço para mais cortes da Selic, que teriam papel vital para diminuir tanto o hiato de crédito, de 6% do PIB segundo o staff do Fundo, como o hiato do produto, de 3,7% do PIB.
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