DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
As principais revelações destes cinco personagens, Jacob Gorender, Fernando Gabeira, Aloysio Nunes Ferreira, Jean Marc von der Weid, Armênio Guedes, estão aqui contidas e, em seu conjunto, formam um rico painel para explicar as visões da esquerda.
Jacob Gorender: Erro da esquerda foi isolamento da massa
O historiador Jacob Gorender, que produziu impactantes relatos sobre a luta da esquerda contra a ditadura militar, lembra que circulava em liberdade antes do AI-5, embora já estivesse vinculado ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), fundado por dissidentes do PCB que queriam a luta armada. Quando o ato veio, ele não mergulhou na clandestinidade nem se exilou, como fez a maioria dos militantes da esquerda radical, nem andava armado. Apenas acrescentou alguma prudência a seus deslocamentos.
Hoje ele é um crítico da luta armada, embora tenha ressalvas amenizadoras. "O poder não viria pacificamente", diz. Reconhece que Che Guevara foi "precipitado e imprudente" ao abrir uma frente guerrilheira quando estava isolado, na Bolívia.
Isso acabou se repetindo aqui, admite: "A luta armada tinha de ser combinada com ações de massa." Ele critica as opções que restaram: "Ficamos isolados, sem condições de dar respostas adequadas às acusações que o regime militar, que nos chamava de terroristas, nos fazia."
Gorender diz que hoje está convencido de que foi errado insistir na guerrilha sem ter meios de falar com as massas que eram objeto da luta política. Mas ele tem uma visão generosa sobre os erros cometidos: "A esquerda errou, mas nós temos de compreender a situação em que os erros foram cometidos." Ao final, desabafa: "O que não poderão dizer é que nós fomos passivos." Fernando Gabeira: Os dois lados não leram os sinais
Em outubro de 1968, quando 920 estudantes foram presos no congresso da UNE, em Ibiúna, a maior preocupação da polícia ao anunciar o seu feito foi dar mais destaque às pílulas anticoncepcionais apreendidas com as moças do que ao "material subversivo" encontrado, lembra o hoje deputado Fernando Gabeira (PV-RJ). O governo militar era, além de autoritário, conservador, diz ele, e isso se revelaria na censura depois do AI-5.
Esse, para Gabeira, foi o primeiro sinal da fronteira entre os comportamentos que muitos anos depois seriam uma grande referência de 1968. "Na época, a extrema direita e a esquerda radical ignoraram esses sinais porque eram igualmente conservadoras", afirma o ex-guerrilheiro do Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR), que participou do mais importante seqüestro do regime militar, o do embaixador americano Charles Burke Elbrick.
Ele analisa que a luta armada pregada e sustentada pela esquerda radical trazia um leque de contradições que não se resolveriam até hoje: "A dicotomia entre burguesia e proletariado não tem de acabar com a extinção de um deles", ironiza.
Ele diz que o exílio lhe serviu para fazer observações e uma profunda avaliação crítica. Quando voltou ao Brasil, em 1979, trazia uma nova agenda, recolhida na Europa: a importância das mudanças comportamentais, o apreço pelas liberdades individuais e pela democracia e uma atenção para os problemas do meio ambiente.
Aloysio Nunes Ferreira: Diferença que pode separar vida e morte
"Tínhamos direito de recorrer à força para derrubar o regime", defende o chefe do Gabinete Civil do governo paulista, Aloysio Nunes Ferreira, à época militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). Mas ele reconhece o equívoco que a opção pela luta armada representou: "A gente não sabia, mas o Brasil não estava à espera de jovens com armas na mão para libertá-lo."
Até 1968 Aloysio era militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas naquele ano ele se tornou dissidente e derivou para a ALN e para a luta armada. Menos de dois anos depois, já no exílio, retornaria ao PCB. "Eu fui influenciado pela idéia da revolução, como milhares de jovens do meu tempo", explica. Quando voltou ao Brasil, depois de passar anos exilado na França, engajou-se, como a imensa maioria dos militantes do PCB, no MDB e na luta democrática.
Ele diz que os desencontros da luta armada serviram para ensinar-lhe lições. "A esquerda que se armou aprendeu com o tempo", reconhece. Mas o aprendizado maior, ensinado pelas perseguições da ditadura, que apelava para o arbítrio e ignorava a importância da Justiça e da imprensa livre, foi o que ele chama de liberdades formais, que à época eram solenemente ironizadas pelas "vanguardas revolucionárias". Aloysio diz: "Passamos a dar valor a liberdades formais, como o habeas corpus. Em muitos casos, elas, que nós tanto esnobamos, foram a diferença entre a vida e a morte."
Jean Marc von der Weid: Passeata reclamava agenda democrática
"Foi uma surpresa. Não sabíamos o que fazer com aquele mar de gente. Não entendemos que aquela multidão exigia uma agenda democrática e não uma receita revolucionária", observa o ex-líder estudantil Jean Marc von der Weid, sobre a Passeata dos 100 mil, que aconteceu no Rio, no dia 26 de junho de 1968, e assustou o regime militar. "Ali, era hora de progresso democrático, como o que começamos a alcançar dez anos depois", diz. "Naquele momento, acenar com democracia teria tido grande impacto."
Jean Marc, economista, seria eleito presidente da UNE em 1969, batendo José Dirceu, então presidente da União Estadual de Estudantes de São Paulo. Quarenta anos depois, ele afirma que a revolução pretendida pela vanguarda da esquerda não se refletia na realidade: "O que fazíamos não era uma revolução". Para ele, o legado de 1968 foi a afirmação da democracia e a mudança dos comportamentos.
Ele conta que as lideranças estudantis, apesar de radicais, tentavam não irritar os militares. "Nas passeatas, fazíamos um esforço enorme para controlar as provocações." Nem sempre funcionava, porque sobravam dois tipos incontroláveis, diz: os "porra-locas" e os infiltrados pela repressão. No enterro de Edson Luís, por exemplo, um provocador gritou: "Vamos atacar o Palácio Guanabara!" (sede do governo da então Guanabara). "Foi difícil segurar", lembra.
Armênio Guedes: Esquerda tinha de reagrupar forças
A partir de 1964, quando o golpe esfarinhou as facções de esquerda, a luta deveria se centrar no reagrupamento de forças, a ser conquistado com a paciência de uma organização lenta, afirma, com a experiência dos 90 anos, Armênio Guedes, histórico militante do Partido Comunista Brasileiro. O único grupamento de esquerda que atravessou todo o período ditatorial rechaçando a luta armada, o PCB se engajou em sua própria receita, diz.
"Havia muita influência radical em 1968. Não tínhamos força para impor nada aos militares. Nós tínhamos de reagrupar forças, não atacar um adversário que era mais forte e mais organizado que nós", observa. Cabia, naqueles momentos turvos, a "resistência possível", descreve. Ele não tem dúvida em afirmar que a luta armada acabou funcionando, nos anos seguintes, como combustível para alimentar a linha-dura militar.
Já o PCB, lembra, ajudou a organizar o MDB, para combater o regime militar pela via democrática. Em 1970, na primeira eleição com o AI-5 em vigor, o brasileiro negou adesão à luta - os votos brancos e nulos somaram 30,3% (em 2006, foram 10,5%). Mas, com o correr dos anos, confiou em que o voto era a sua arma para derrubar a ditadura. O ataque do regime ao PCB deu-se em 1975, quando os militares perceberam que a estratégia de lenta acumulação de forças pela via democrática começara a dar certo em 1974, quando o MDB elegeu senadores em 16 das 22 disputas estaduais.
As principais revelações destes cinco personagens, Jacob Gorender, Fernando Gabeira, Aloysio Nunes Ferreira, Jean Marc von der Weid, Armênio Guedes, estão aqui contidas e, em seu conjunto, formam um rico painel para explicar as visões da esquerda.
Jacob Gorender: Erro da esquerda foi isolamento da massa
O historiador Jacob Gorender, que produziu impactantes relatos sobre a luta da esquerda contra a ditadura militar, lembra que circulava em liberdade antes do AI-5, embora já estivesse vinculado ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), fundado por dissidentes do PCB que queriam a luta armada. Quando o ato veio, ele não mergulhou na clandestinidade nem se exilou, como fez a maioria dos militantes da esquerda radical, nem andava armado. Apenas acrescentou alguma prudência a seus deslocamentos.
Hoje ele é um crítico da luta armada, embora tenha ressalvas amenizadoras. "O poder não viria pacificamente", diz. Reconhece que Che Guevara foi "precipitado e imprudente" ao abrir uma frente guerrilheira quando estava isolado, na Bolívia.
Isso acabou se repetindo aqui, admite: "A luta armada tinha de ser combinada com ações de massa." Ele critica as opções que restaram: "Ficamos isolados, sem condições de dar respostas adequadas às acusações que o regime militar, que nos chamava de terroristas, nos fazia."
Gorender diz que hoje está convencido de que foi errado insistir na guerrilha sem ter meios de falar com as massas que eram objeto da luta política. Mas ele tem uma visão generosa sobre os erros cometidos: "A esquerda errou, mas nós temos de compreender a situação em que os erros foram cometidos." Ao final, desabafa: "O que não poderão dizer é que nós fomos passivos." Fernando Gabeira: Os dois lados não leram os sinais
Em outubro de 1968, quando 920 estudantes foram presos no congresso da UNE, em Ibiúna, a maior preocupação da polícia ao anunciar o seu feito foi dar mais destaque às pílulas anticoncepcionais apreendidas com as moças do que ao "material subversivo" encontrado, lembra o hoje deputado Fernando Gabeira (PV-RJ). O governo militar era, além de autoritário, conservador, diz ele, e isso se revelaria na censura depois do AI-5.
Esse, para Gabeira, foi o primeiro sinal da fronteira entre os comportamentos que muitos anos depois seriam uma grande referência de 1968. "Na época, a extrema direita e a esquerda radical ignoraram esses sinais porque eram igualmente conservadoras", afirma o ex-guerrilheiro do Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR), que participou do mais importante seqüestro do regime militar, o do embaixador americano Charles Burke Elbrick.
Ele analisa que a luta armada pregada e sustentada pela esquerda radical trazia um leque de contradições que não se resolveriam até hoje: "A dicotomia entre burguesia e proletariado não tem de acabar com a extinção de um deles", ironiza.
Ele diz que o exílio lhe serviu para fazer observações e uma profunda avaliação crítica. Quando voltou ao Brasil, em 1979, trazia uma nova agenda, recolhida na Europa: a importância das mudanças comportamentais, o apreço pelas liberdades individuais e pela democracia e uma atenção para os problemas do meio ambiente.
Aloysio Nunes Ferreira: Diferença que pode separar vida e morte
"Tínhamos direito de recorrer à força para derrubar o regime", defende o chefe do Gabinete Civil do governo paulista, Aloysio Nunes Ferreira, à época militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). Mas ele reconhece o equívoco que a opção pela luta armada representou: "A gente não sabia, mas o Brasil não estava à espera de jovens com armas na mão para libertá-lo."
Até 1968 Aloysio era militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas naquele ano ele se tornou dissidente e derivou para a ALN e para a luta armada. Menos de dois anos depois, já no exílio, retornaria ao PCB. "Eu fui influenciado pela idéia da revolução, como milhares de jovens do meu tempo", explica. Quando voltou ao Brasil, depois de passar anos exilado na França, engajou-se, como a imensa maioria dos militantes do PCB, no MDB e na luta democrática.
Ele diz que os desencontros da luta armada serviram para ensinar-lhe lições. "A esquerda que se armou aprendeu com o tempo", reconhece. Mas o aprendizado maior, ensinado pelas perseguições da ditadura, que apelava para o arbítrio e ignorava a importância da Justiça e da imprensa livre, foi o que ele chama de liberdades formais, que à época eram solenemente ironizadas pelas "vanguardas revolucionárias". Aloysio diz: "Passamos a dar valor a liberdades formais, como o habeas corpus. Em muitos casos, elas, que nós tanto esnobamos, foram a diferença entre a vida e a morte."
Jean Marc von der Weid: Passeata reclamava agenda democrática
"Foi uma surpresa. Não sabíamos o que fazer com aquele mar de gente. Não entendemos que aquela multidão exigia uma agenda democrática e não uma receita revolucionária", observa o ex-líder estudantil Jean Marc von der Weid, sobre a Passeata dos 100 mil, que aconteceu no Rio, no dia 26 de junho de 1968, e assustou o regime militar. "Ali, era hora de progresso democrático, como o que começamos a alcançar dez anos depois", diz. "Naquele momento, acenar com democracia teria tido grande impacto."
Jean Marc, economista, seria eleito presidente da UNE em 1969, batendo José Dirceu, então presidente da União Estadual de Estudantes de São Paulo. Quarenta anos depois, ele afirma que a revolução pretendida pela vanguarda da esquerda não se refletia na realidade: "O que fazíamos não era uma revolução". Para ele, o legado de 1968 foi a afirmação da democracia e a mudança dos comportamentos.
Ele conta que as lideranças estudantis, apesar de radicais, tentavam não irritar os militares. "Nas passeatas, fazíamos um esforço enorme para controlar as provocações." Nem sempre funcionava, porque sobravam dois tipos incontroláveis, diz: os "porra-locas" e os infiltrados pela repressão. No enterro de Edson Luís, por exemplo, um provocador gritou: "Vamos atacar o Palácio Guanabara!" (sede do governo da então Guanabara). "Foi difícil segurar", lembra.
Armênio Guedes: Esquerda tinha de reagrupar forças
A partir de 1964, quando o golpe esfarinhou as facções de esquerda, a luta deveria se centrar no reagrupamento de forças, a ser conquistado com a paciência de uma organização lenta, afirma, com a experiência dos 90 anos, Armênio Guedes, histórico militante do Partido Comunista Brasileiro. O único grupamento de esquerda que atravessou todo o período ditatorial rechaçando a luta armada, o PCB se engajou em sua própria receita, diz.
"Havia muita influência radical em 1968. Não tínhamos força para impor nada aos militares. Nós tínhamos de reagrupar forças, não atacar um adversário que era mais forte e mais organizado que nós", observa. Cabia, naqueles momentos turvos, a "resistência possível", descreve. Ele não tem dúvida em afirmar que a luta armada acabou funcionando, nos anos seguintes, como combustível para alimentar a linha-dura militar.
Já o PCB, lembra, ajudou a organizar o MDB, para combater o regime militar pela via democrática. Em 1970, na primeira eleição com o AI-5 em vigor, o brasileiro negou adesão à luta - os votos brancos e nulos somaram 30,3% (em 2006, foram 10,5%). Mas, com o correr dos anos, confiou em que o voto era a sua arma para derrubar a ditadura. O ataque do regime ao PCB deu-se em 1975, quando os militares perceberam que a estratégia de lenta acumulação de forças pela via democrática começara a dar certo em 1974, quando o MDB elegeu senadores em 16 das 22 disputas estaduais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário