domingo, 7 de dezembro de 2008

A Crise e o Governo

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
DEU NO ESTADO DE MINAS

Submetido diariamente a um noticiário cada vez mais lúgubre, o cidadão ouve as manifestações do presidente como se viessem de alguém incapaz de enxergar o que está acontecendo. Se tudo piora e só Lula não vê, o problema está nele

A cada dia que passa, aumenta a certeza de que o Brasil já está sendo fortemente atingido pela crise internacional. Também aumenta a convicção de que o pior está, infelizmente, longe e que seus efeitos serão mais graves nos próximos anos.

O presidente e o governo insistem em uma atitude que faz pouco sentido. Talvez se justifique manter uma postura moderadamente otimista para evitar o pânico e inibir comportamentos que podem ampliar os problemas que nossa economia enfrenta. Afinal, ninguém quer que a população comece a guardar sua poupança debaixo do colchão.

Mas há o risco oposto. Não de que as pessoas acreditem que tudo vai bem, pois, nisso, elas não acreditam mesmo. Foram publicadas nas últimas semanas algumas pesquisas sobre as reações à crise no Brasil e todas mostraram quão disseminada é a preocupação da população com suas repercussões no país. Poucos são os que crêem no mantra de que “o Brasil é maior que qualquer crise”.

O problema do panglossianismo oficial é que ele provoca uma crescente desconfiança da opinião pública a respeito do que o governo diz. Submetido diariamente a um noticiário cada vez mais lúgubre, o cidadão ouve as manifestações do presidente como se viessem de alguém incapaz de enxergar o que está acontecendo. Se tudo piora e só Lula não vê, o problema está nele.

É sempre perigoso quando governo e sociedade pensam de maneira claramente diferente. Abre-se uma distância entre suas percepções que pode aumentar e se transformar em um fosso. Desde a redemocratização, não foram poucos os episódios desse tipo. O próprio Lula passou por um, à época do mensalão, que quase engole seu governo.

Assim, insistir na tecla de que as coisas “não vão tão mal” é uma opção que o governo precisa saber quando descartar. Para isso, tem que se manter alerta, sem levar a sério o que ele mesmo repete diariamente. O que não é fácil. De tanto fazer do otimismo irreal sua bandeira, fica complicado voltar a ser, apenas, realista.

O saudoso ministro Mário Henrique Simonsen dizia que bons governos são como bons trapezistas. Têm que fazer com que todos acreditem que conseguem voar, mas se eles próprios acreditarem nisso, se esborracham. Será que Lula sabe que não consegue ou está embalado pelas histórias que conta?

Das muitas razões que explicam sua popularidade e as altas taxas de aprovação de seu governo, a boa fase que a economia brasileira viveu nos últimos anos é uma das mais importantes. Foi o aumento do consumo e a melhoria do emprego que permitiram a ele honrar seu compromisso básico com o eleitor: mostrar que um presidente vindo do povo faria um governo que o beneficiasse.

Cumprir essa promessa foi possível no quadro internacional em que governou até agora sem menosprezar as ações que empreendeu para que as oportunidades geradas por ele fossem aproveitadas. Mais que isso: foi com a crescente arrecadação propiciada por uma economia em expansão que se tornou viável financiar amplas políticas distributivas. A marca popular mais imediata do governo Lula, o Bolsa Família, só pôde existir nesse cenário.

Qual vai ser o discurso de Lula nos novos tempos? Será ele capaz de reciclar seu estilo de comunicação com o povo, ancorado na noção de “proximidade” (“sou como você, faço o que você precisa”)? Lula conseguirá ser o presidente da contenção, depois de se acostumar a ser o da bonança?

E seu governo? Na sua conformação atual, é o governo mais adequado ao momento de dificuldades que vivemos? Seu ministério, onde as figuras notáveis são raras exceções, é tão bom hoje quanto parecia quando o que ele desejava era que ninguém “aparecesse demais”?

Muita coisa vai mudar com a economia brasileira e com o Brasil nos próximos dois anos. Tomara que Lula saiba se adaptar e adaptar seu governo ao que vem por aí. Só assim atravessaremos esse período com custo menor.

As pesquisas atuais sobre sua popularidade são como os números do crescimento do PIB até o terceiro trimestre: mostram o que foi o passado e pouco dizem sobre o que o aguarda (e a nós).

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