Há muito para a América Latina refletir e aprender com esse cometa chamado Hugo Chávez que passou sobre a Venezuela nos últimos 14 anos. Chávez atenuou a tragédia social histórica no país, mas sua incompetência como administrador fez o país perder a chance de uma mudança estrutural na economia. Na política, enfraqueceu instituições que deveria fortalecer.
Vários países da região enfrentam problemas similares: uma institucionalização incompleta da democracia, pobreza herdada de anos de abandono dos mais pobres, índices altos de violência, chances econômicas perdidas. Na história de Chávez como presidente houve tudo isso, mas em outros países também há desafios semelhantes. Por isso, a avaliação temperada dos seus erros e acertos ajuda toda a região.
Para manter sua liderança, Chávez não precisava ter dividido tão profundamente o país, mas era da sua natureza governar acirrando conflitos, criando falsos inimigos e culpando alguém. A relação com os Estados Unidos diz bem isso. Tanta retórica para nada, já que o comércio se aprofundou e, como disse ontem aqui, é 10 vezes maior do que a soma da corrente de comércio com o Brasil.
Os Estados Unidos são a maior economia do mundo e a forma de se relacionar com o país é com maturidade e pragmatismo. Chávez escolheu uma retórica ultrapassada e dispensável. No comércio, foi pragmático. Nunca deixou de ser um grande parceiro dos americanos.
Vários países da região vivem de vender commodities. E esses produtos têm períodos de altas de preços que não duram para sempre. O mais inteligente é aproveitar as ondas boas para fazer mudanças permanentes. Chávez fracassou nesse ponto: o petróleo custava US$ 10 o barril quando ele assumiu e chegou a US$ 140. Depois, voltou um pouco e está em US$ 90. O salto ornamental das receitas foi usado em parte para alimentar políticas pró-pobres mas não fundamentou uma mudança estrutural da economia nem a preparou para receitas menores.
Outros países que são grandes exportadores de commodities na região têm se comportado nos períodos de explosão de preços como se o boom fosse durar para sempre. O Brasil, inclusive, tem perdido chances de usar as receitas extras para tornar-se mais competitivo em outras áreas.
As políticas de combate à pobreza foram benéficas lá, aqui, e em outros países da região. O erro é apresentá-las como doação de um líder magnânimo. Isso lembra o que há de mais velho na América Latina: o caudilhismo populista. As políticas sociais têm que ser um direito dos mais pobres e formatadas para promovê-los a outro patamar de qualidade de vida. Nesse caso, a educação é ferramenta principal. Houve melhora dos indicadores educacionais lá - e aqui - mas insuficientes.
A república dos países hispânicos é mais velha; a nossa tem apenas 123 anos. Mas em toda a região a democracia sofreu interrupções frequentes e é preciso fortalecer suas bases. Aqui, o Brasil tem tido um notável avanço na institucionalização do Estado de Direito desde 1985. O modelo chavista, copiado em outros países, tenta minar esses valores democráticos em nome de uma suposta "revolução". Ele tentou um golpe em 1992 e sofreu uma tentativa de golpe em 2002. Uma região com um passado conturbado como a nossa deve sempre preservar a estabilidade política.
A inflação alta diminui a eficácia das políticas sociais. O descuido com a política de segurança eleva o número de homicídios, o que atinge principalmente os mais pobres. Uma economia forte preserva os ganhos sociais. Chávez não entendeu essa correlação entre a economia e o social. É hora de refletir sobre esses erros para evitá-los.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário