quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Ribamar Oliveira: Novo indicador para avaliar o endividamento

- Valor Econômico

Dívida bruta/PIB já não mostra o que ocorre na área fiscal

A área acadêmica começa a discutir um novo indicador para avaliar a sustentabilidade do endividamento público brasileiro. A razão para isso é que o conceito de dívida bruta em proporção ao Produto Interno Bruto (PIB), preferido até agora pelo mercado, parece não mostrar mais o que está efetivamente acontecendo na área fiscal. Neste ano e no próximo, por exemplo, a dívida bruta/PIB vai apresentar variação que não é muito compatível com o fato de a União estar registrando um astronômico déficit primário em suas contas, em torno de R$ 150 bilhões ao ano.

Como a dívida bruta/PIB não está variando tanto, a impressão que este indicador pode passar aos menos avisados é que a situação fiscal do setor público brasileiro é menos grave do que a realidade. O setor público está no quarto ano consecutivo de déficit primário elevado, superior a 2% do PIB, e não se enxerga no horizonte, com clareza, o ano em que o primeiro superávit primário será gerado.

Na Carta de Conjuntura do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que circula neste mês, o economista Luiz Guilherme Schymura sugere que seja criado um novo indicador de dívida líquida, que iria capturar as mudanças do nível de endividamento bruto, descontando os ativos altamente líquidos da União, dos Estados e dos municípios. Este novo conceito seria uma boa adição às variáveis que já estão no radar do mercado, e serviria para reduzir a atenção sobre a dívida bruta, diz Schymura, que é o presidente do Ibre/FGV, em sua Carta.

Até 2010/2011, observa Schymura, os analistas do mercado acompanhavam basicamente o conceito de dívida líquida do setor público (DLSP). Somente a partir de 2012, houve mudança de foco, "com todos os olhos se voltando para a dívida bruta do governo geral (DBGG)". O mercado perdeu interesse na DLSP por causa de algumas ações de política fiscal e parafiscal anticíclica, adotadas pelos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, de 2009 a 2014.

A principal ação foi a emissão de dívida pelo Tesouro Nacional para capitalizar bancos públicos e fazer empréstimos ao BNDES. O impacto dessas operações, explica o presidente do IBRE, foi nulo sobre a dívida líquida, pois ocorria, ao mesmo tempo, um aumento do passivo e um acréscimo do ativo do setor público não financeiro. Mas as emissões elevaram imediatamente a dívida bruta.

Nos últimos dois anos, o fenômeno foi diferente. A decisão do governo de obrigar o BNDES a antecipar ao Tesouro o pagamento dos empréstimos impactou a dívida bruta, fazendo com que ela crescesse menos do que a situação fiscal indicaria. O BNDES já devolveu R$ 180 bilhões ao Tesouro, desde 2015 até agora. Está programada uma antecipação de mais R$ 130 bilhões no próximo ano. Assim, o total da devolução do BNDES ao Tesouro atingirá R$ 310 bilhões ou mais de 4,5% do PIB. Toda esta montanha de recursos está sendo usada para pagar a dívida e evitar que ela aumente muito em proporção do PIB.

Em conversa com o Valor, Schymura disse que a decisão de antecipar os pagamentos do BNDES ao Tesouro está correta, mas afirmou que é preciso observar que os efeitos desse movimento na dívida/PIB podem dificultar a correta percepção do que está ocorrendo na área fiscal.

Há duas questões adicionais que precisam ser levadas em consideração. Na quinta-feira passada, o governo encaminhou ao Congresso um projeto de lei criando um novo instrumento de gestão da liquidez para o Banco Central - os depósitos remunerados. Por sua vez, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou um projeto de lei que altera as relações do Tesouro com o BC, colocando um fim no mecanismo de equalização cambial, que gerou um inchaço da dívida mobiliária na carteira do BC e também do saldo da Conta Única do Tesouro mantida na autoridade monetária.

Essas duas mudanças, quando aprovadas, observa a Carta de Schymura, "poderão gerar uma redução relevante da dívida bruta/PIB e mesmo da dívida líquida/PIB - caso o BC diminua consideravelmente o estoque de operações compromissadas em mercado lastreadas em títulos do Tesouro, atualmente em 18% do PIB - sem que, necessariamente, a situação dos fluxos primários esteja equacionada". E acrescenta: "Tal como foram aproveitadas oportunisticamente algumas brechas do conceito de dívida líquida no passado recente, não se pode descartar que o mesmo seja feito agora, com mais foco na dívida bruta".

Em sua Carta, Schymura informa que o economista Bráulio Borges, pesquisador-associado do Ibre, buscou avaliar quais são os determinantes internacionais do risco país brasileiro, medido pelo spread do CDS (Credit Default Swap) de cinco anos - indicador de risco amplamente utilizado pelo mercado.

Borges constatou, segundo a Carta, que, para além das variáveis internacionais e de outras associadas à solvência externa brasileira e ao quadro político interno, "os indicadores fiscais domésticos que impactam o risco são a variação da dívida bruta/PIB, com efeito positivo sobre o CDS, e o nível, em percentual do PIB, dos ativos altamente líquidos (o "caixa" em moeda local da União, dos Estados e dos municípios), com impacto negativo".

Bráulio concluiu que "os ativos financeiros altamente líquidos e em moeda local do governo geral também são relevantes do ponto de vista da precificação do risco pelos mercados, em claro contraste com a ênfase dada somente à dívida bruta nos últimos anos". Adicionalmente, o pesquisador mostrou que "a trajetória do endividamento bruto parece ser mais relevante do que o seu nível". Schymura diz que essa conclusão é coerente com a literatura teórica mais recente sobre sustentabilidade fiscal, a qual aponta que, mais importante do que o nível da dívida, é a reação da política fiscal (fluxos primários) a alterações na razão dívida/PIB.

A mensagem final da Carta é que dívida bruta, ativos governamentais, dívida líquida, déficit fiscal corrente e estrutural devem ser levados em conta simultaneamente na análise da sustentabilidade fiscal de um país. E que, no atual contexto brasileiro, um indicador de dívida líquida, que capturasse as mudanças de nível de endividamento bruto descontado dos ativos altamente líquidos (o "caixa"), seria uma boa adição às variáveis que já estão no radar do mercado.

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