Reforma ajuda mercado de trabalho – Editorial | O Globo
Flexibilização trabalhista funciona e incentiva a abertura de vagas formais em atividades intermitentes
A proposta de reforma trabalhista apresentada ao Congresso no governo Michel Temer foi recebida com críticas conhecidas. A mais frequente, a de que direitos dos trabalhadores seriam “precarizados”, chavão sempre usado quando se tenta modernizar uma legislação trabalhista esclerosada, ainda da década de 40, dos tempos da ditadura estadonovista de Getúlio Vargas.
Sob a relatoria competente do então deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) — competência comprovada no encaminhamento da reforma da Previdência, como secretário especial do Ministério da Economia — , aquele projeto prosperou até de forma surpreendente. Conseguiram-se avanços na área sindical que eram impensáveis não faz muito tempo.
Por exemplo, o fim do imposto sindical, peça essencial de um cartório criado para beneficiar grupos que transformaram o sindicalismo em meio de vida bastante rentável. São fortes as pressões para que o imposto seja restabelecido, e os grêmios voltem a contar com um dinheiro seguro, sem precisar trabalhar de fato pelas respectivas categorias, a fim de que elas façam contribuições espontâneas para sustentá-los.
Houve, ainda, grande avanço com a instituição do princípio de que acordos negociados entre patrões e empregados se sobrepõem à legislação trabalhista, ressalvados direitos como salário mínimo e férias, por exemplo. O primeiro grande efeito foi uma saudável redução no número de processos encaminhados à Justiça do Trabalho, gigantesca e cara máquina burocrática.
Também foi bastante criticada a criação do emprego formal em “trabalhos intermitentes”. Há atividades típicas neste segmento, como garçons, vendedores, atendentes em geral, que dependem do aumento da demanda em seus setores. Antes eram atividades informais típicas. Agora não mais. No período de 12 meses encerrado em outubro, das 492 mil vagas criadas, 133 mil, ou 27%, foram para trabalho intermitente, segundo análise do Bradesco, divulgada pelo “Valor”. São empregos de menos de 40 horas semanais.
Economistas dizem que não se confirma o temor de que vagas de trabalho contínuo estariam sendo substituídas pelas 20 ou 10 horas. É certo que uma reforma trabalhista por si só não é capaz de gerar empregos se a economia não crescer. Mas apressa a redução do desemprego — é o que deve estar acontecendo, felizmente. Em algum momento, isso ficará explícito nos indicadores do mercado de trabalho.
Este movimento constatado na geração de vagas formais em atividades intermitentes comprova que flexibilizar legislações é receita eficaz. O contrário também é verdadeiro: o aumento de custos e de burocracia é inimigo da formalização. Explica-se por que mesmo quando a economia estava superaquecida, em 2010, e o PIB cresceu mais de 7%, ainda boa parte da força de trabalho não tinha carteira assinada.
Desserviço público – Editorial | Folha de S. Paulo
Sem demissões por mau desempenho, Executivo federal estimula improdutividade
Mais de duas décadas atrás, em 1998, aprovou-se com estardalhaço uma reforma administrativa que enfrentava o tabu da estabilidade dos servidores públicos no emprego. Muito pouco mudou de concreto desde então, como se sabe hoje.
Como noticiou a Folha, dados da Controladoria-Geral da União (CGU) dão conta de que 7.766 profissionais estatutários foram demitidos do Executivo federal de 2003 a novembro de 2019. Trata-se, pois, de evento excepcional, dado que administração direta, autarquias e fundações abrigam hoje 610 mil funcionários civis ativos.
Mais que isso, nenhum desses raros desligamentos ocorreu devido a desempenho insatisfatório na função —hipótese introduzida pela emenda constitucional de 1998, mas nunca regulamentada.
Todos se deram por justa causa, conforme possibilidades já existentes antes da reforma administrativa. Em praticamente dois terços dos casos (65,9%), por envolvimento em corrupção; no restante, por abandono, inassiduidade, negligência e outras faltas graves.
Pode ser motivo de algum alento que ao menos tais situações extremas não estejam protegidas pela estabilidade. Para efeitos de gestão da máquina do Estado, entretanto, trata-se de quase nada.
Não se discute que parte dos servidores precise de salvaguardas para exercer com independência suas tarefas. Policiais, auditores e magistrados, entre outros exemplos, devem estar protegidos de represálias oriundas do poder político.
Mas, com o alcance exagerado em vigor no serviço público brasileiro, as garantias de permanência no emprego atuam como estímulo poderoso à improdutividade de funcionários —além de obstáculo ao remanejamento de quadros e à redefinição de prioridades.
Cumpre desfazer o mito, em boa parte alimentado pelas corporações estatais, de que a revisão da estabilidade significará demissões em massa e o desmonte de órgãos e programas de governo. Os dados não indicam que exista um número excessivo de servidores no país.
Segundo o IBGE, há 11,7 milhões de empregados no setor público como um todo, ou 11% da força de trabalho nacional, proporção que está longe das maiores do mundo. Os gastos excessivos com o funcionalismo —estes, sim, uma anomalia global— devem-se a privilégios salariais e previdenciários.
As distorções nas aposentadorias, ao menos, já foram minimizadas nos casos de novos funcionários. Reformas das condições de carreira, embora politicamente difíceis, serão inevitáveis nos próximos anos, devido à exaustão do Orçamento e ao impacto da evolução tecnológica sobre a gestão.
Não basta mudar leis, contudo. Mais importante até é deixar para trás vícios corporativistas que incluem a complacência com os improdutivos e incompetentes.
A OMC e os valores civilizados – Editorial | O Estado de S. Paulo
Um dos símbolos mais fortes de um mundo comprometido com a cooperação, a paz e a prosperidade geral, a Organização Mundial do Comércio (OMC) completa 25 anos acuada e sem condições de cumprir uma de suas principais funções, a solução de disputas entre os países-membros. Se há alguma notícia positiva, é a disposição reafirmada por seu diretor-geral, o diplomata brasileiro Roberto Azevêdo, de continuar buscando uma fórmula para preservar e reativar o Órgão de Apelação, instância máxima do sistema de solução de controvérsias. Com 164 países-membros e uma história de grandes serviços prestados à comunidade internacional, a OMC foi solapada nos últimos dois anos por uma nova onda nacionalista, populista e antiglobalista. O líder mais notório desse movimento é o presidente norte-americano Donald Trump. Um de seus seguidores é o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, auxiliado nessa cruzada principalmente pelos ministros do Exterior, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Emperrar a nomeação de juízes para recompor o Órgão de Apelação da OMC foi uma das principais ações do presidente Donald Trump contra o sistema internacional de comércio. O governo dos Estados Unidos, como qualquer outro, pode reclamar dos critérios daquele órgão ou de qualquer aspecto do ordenamento das trocas internacionais. O tratamento razoável de questões desse tipo envolve discussão, negociação e votação em foros apropriados. Os padrões do presidente Trump são outros.
Ele prefere impor seus pontos de vista, e assim procedeu, ao forçar a paralisação de uma das funções essenciais da OMC. Da mesma forma, em duas ocasiões ameaçou barrar importações de aço e de alumínio provenientes do Brasil. Na segunda ocasião, contra todas as evidências, acusou as autoridades brasileiras de manipular o câmbio – e essas autoridades ficaram de cabeça baixa, limitando-se a prometer uma busca de entendimento amigável com o grande guru.
Apesar da fidelidade à ideologia trumpista, o governo brasileiro se absteve, até agora, de torpedear a OMC ou de causar qualquer prejuízo sério a seu funcionamento. Em várias ocasiões o presidente Bolsonaro e seus auxiliares tropeçaram no jogo de seguir o mestre. Não chegaram a abandonar o acordo de Paris sobre o clima, embora tenham chegado perto, muito perto, de criar para o agronegócio brasileiro a imagem de incendiário. Não transferiram a embaixada em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, limitando-se à criação de um escritório comercial. Quase conseguiram impedir o abastecimento de dois navios iranianos carregados de milho brasileiro, mas o Judiciário atrapalhou o espetáculo e mais uma vez a obediência ao guru Donald Trump foi imperfeita.
Também imperfeito é o sistema internacional de comércio, mas a OMC materializa um dos maiores sucessos alcançados até hoje na conformação de uma ordem econômica multilateral. Em operação desde janeiro de 1995, essa entidade é sucessora do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), implantado em 1947, numa das primeiras tentativas de reorganização da vida internacional depois da 2.ª Guerra Mundial. Com escopo mais amplo, a OMC estendeu as normas comerciais aos serviços, criou condições para a expansão dos fluxos de investimento e facilitou a implantação das novas cadeias globais de produção e de criação de valor. Desde 1995 o produto bruto mundial foi duplicado, enquanto o comércio de bens foi quadruplicado em valor e multiplicado por 2,7 em volume. As tarifas médias caíram de 10,5% para 6,4%. A prosperidade espalhou-se. Hoje a pobreza extrema, definida pelo limite diário de renda de US$ 1,95, atinge menos de 10% da população mundial. Em 1995, esses pobres eram mais de um terço da população mundial.
Esses números dizem muito mais que qualquer discurso a respeito das vantagens da cooperação e do multilateralismo. Dão razões muito claras e fortes para a preservação, aperfeiçoamento e multiplicação de instituições como a OMC – e para a rejeição, é claro, de quaisquer pretensões de hegemonia internacional baseada no poder econômico e na força.
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