- O Globo
O núcleo olavista do governo já indicou que não vai baixar o tom em 2020. A guerra ideológica deve continuar firme, com incentivo do presidente Bolsonaro
Muitos leitores ainda brindavam a chegada do Ano Novo quando Ernesto Araújo pegou o celular para agitar a tropa. À 1h02 do dia 1º, o ministro das Relações Exteriores tuitou que “em 2020 é preciso continuar trabalhando contra o mecanismo esquerdista”. “Lulopetismo + isentoleft são expressão de um projeto de poder global e globalista”, fantasiou.
Ninguém está imune a se exceder um pouco no réveillon, mas o chanceler não pode culpar só o champanhe. No dia 2, ele já estava à caça de outra polêmica virtual. Passou a bater boca com Leonardo Boff, a quem chamou de “mentiroso” e “apóstata”. “Os brasileiros rejeitaram o seu teomarxismo e correram para as igrejas evangélicas, onde podem louvar Jesus Cristo”, escreveu, como se o teólogo fosse responsável pela conversão de milhões de fiéis.
A incontinência verbal de Araújo indica que o núcleo olavista do governo não está disposto a baixar o tom em 2020, ano de eleições municipais. A guerra ideológica deve continuar a todo vapor, com incentivo do presidente Jair Bolsonaro.
Na sexta-feira, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, voltou a atacar imprensa e ambientalistas. Publicou um gráfico sugerindo que as queimadas da Austrália seriam mais graves que as da Amazônia. “Certas ONGs e alguns jornalistas só se importam em falar mal do seu próprio país”, concluiu.
Para não perder o hábito, o ministro investiu na desinformação. Omitiu que os australianos enfrentam uma onda recorde de calor. Omitiu que a maior parte dos incêndios no país é atribuída a causas naturais. Omitiu que a floresta amazônica é muito mais rica em biodiversidade. Salles ainda sugeriu que criticar a omissão do governo brasileiro seria uma atitude antipatriótica. É um discurso surrado, típico de políticos autoritários.
No terceiro dia do ano, Bolsonaro retomou a cantilena contra o educador Paulo Freire, a quem chamou de “lixo”. Desta vez, ele livrou as universidades federais. Preferiu atacar o Colégio Pedro II, que completou 182 anos em dezembro. “O que a esquerda plantou na educação? Plantou militância”, disse, como se o tradicional centro de ensino fosse um cursinho de marxismo. “Acabaram com o Pedro II. Menino de saia, MST lá dentro”, esbravejou.
A caricatura não condiz com a realidade e não explica o bom desempenho do colégio, que tem sofrido com o corte de verbas federais. No último ranking do Enem, o Pedro II obteve a melhor colocação entre as escolas públicas do Rio. Seus alunos também foram premiados no exterior. Em novembro, a carioca Adrieny Teixeira foi a única mulher a conquistar o ouro na Olimpíada Mundial de Matemática.
A estudante mora em Vicente de Carvalho, na Zona Norte, e acorda às 4h30 para ir à escola, no Centro. Filha de uma vendedora e de um fiscal de supermercado, ganhou bolsa para estudar inglês e começará o ensino médio no mês que vem. “A situação dos meus pais é difícil, mas os estudos podem me dar boas oportunidades”, ela disse, ao voltar da China.
Aos 15 anos, Adrieny já entendeu o valor da educação pública. A medalhista poderia dar uma aula ao presidente. Ao iniciar o segundo ano de mandato, ele reclamou que os livros didáticos teriam “muita coisa escrita”.
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