- O Globo
Na privatização, como em vários outros itens da chamada agenda liberal, este governo tem mais discurso do que atos concretos
O programa de privatização do governo Bolsonaro começou de forma tímida. O que foi vendido até agora está na categoria de desinvestimento das estatais, como a venda da TAG pela Petrobras, ou então foram concessões. O pouco que foi feito estava preparado pelo governo Temer. Houve operação que estava até com data marcada. O que andou no governo Bolsonaro, em áreas como a infraestrutura, foi porque houve continuidade de decisões tomadas no governo anterior, avaliam técnicos que acompanham o setor por dentro e por fora do governo.
O secretário de desestatização Salim Mattar disse ao “Valor” que o programa vai acelerar e que podem ser vendidas 120 empresas ou 300 se incluir a Eletrobras e suas subsidiárias. O governo Bolsonaro não conseguiu vender a Eletrobras apesar de o governo Temer ter deixado o modelo pronto e ter conseguido resolver o problema das seis subsidiárias que eram muito deficitárias.
A Petrobras estava desde as administrações de Pedro Parente e Ivan Monteiro num programa de venda de ativos, para diminuir o endividamento, e fechamento de unidades que geravam prejuízo. Isso teve continuidade na administração de Roberto Castello Branco.
— Um movimento positivo foi a redução da Petrobras no conjunto de atividades que ela atuava. A venda dos gasodutos ocorreu porque são mais fáceis de acontecer. A Petrobras é empresa de capital aberto, tem mais facilidade de contratar consultores, por isso vendeu a TAG e as ações da BR Distribuidora — disse Fernando Marcato, sócio da Go Associados.
A venda da Eletrobras ainda depende de autorização do Congresso. Mas não andou no governo Bolsonaro, a tal ponto que havia sido colocada no Orçamento uma receita de R$ 12 bilhões com a venda e foi necessário contingenciar. Agora, na equipe econômica já se diz que se os sinais continuarem conflitantes no Congresso — na Câmara haveria apoio, mas no Senado, não — será preciso deixar para 2021 e novo contingenciamento será feito. O que depende do governo para essa venda também tem sido feito muito lentamente. Só agora foi editada a regulamentação de estudos. Será preciso separar transmissão, geração e distribuição. Especialistas em privatização têm ficado cada vez mais céticos em relação a essa venda.
— Politicamente o governo não parece ter bancado, falta um sinal político. Em São Paulo, a Cesp só foi vendida porque o governador bancou. No mais, esse número de 300 empresas é balela, o que importa mesmo são quatro ou cinco — diz Marcato.
As vendas de participações nas mãos do BNDES também não podem ser chamadas de privatização. É administração de carteira. Se o governo não quiser mais ter uma carteira de participações, a BNDESpar, bastará vender as ações. Como o Ibovespa subiu, pode ser um bom momento, mas dependendo da maneira que for feita vai derrubar as cotações.
As grandes empresas não serão vendidas, como Banco do Brasil, Caixa, Petrobras. Correios foram uma das poucas inclusões no PPI. Mas o governo já se deu conta que é bem mais complicado do que se pensava, por ser a única empresa no Brasil que está no país todo com serviço de entregas. Se houver privatização, terá que ser precedida de uma regulação que não será fácil fazer.
O governo Temer organizou o Programa de Privatização e Investimento (PPI). O setor de infraestrutura é todo pulverizado em ministérios e agências diferentes e por isso foi importante o PPI, admitem técnicos de dentro e de fora do governo. Isso deu mais segurança para leilões como o de transmissão de energia elétrica. No governo Bolsonaro, o PPI teve mais foco em concessões, que já estavam preparadas. Depois perdeu o foco.
Na parte dos aeroportos foi entregue tudo o que estava programado desde o governo Temer. Os blocos leiloados em março do ano passado já estavam programados. Até o dia do leilão estava lá: 15 de março. Havia uma série de ações agendadas, e o governo seguiu.
Na privatização, como em vários outros itens da chamada agenda liberal, este governo tem mais discurso do que atos. E mesmo quando acontece, como no caso das subsidiárias da Petrobras, falta visão estratégica. A estatal quer sair de todas as áreas para focar em produção de óleo e gás. As empresas de petróleo no mundo fazem diferente: querem ser empresas de energia e por isso aumentam o investimento em fontes não fósseis como as de energia renovável, que são o futuro.
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