domingo, 5 de janeiro de 2020

Vinicius Torres Freire – O doente pode sair da coma sem tropeçar

- Folha de S. Paulo

Há certa arrumação para o país crescer os tais 2,5%, por aí, estimativa furada desde 2017

Um perigo para o Brasil e o mundo saiu da jaula logo no primeiro dia útil do ano. A metralhadora biruta de Donald Trump atirou no Irã, como se viu. Quanto à vidinha doméstica, como andam as coisas nesta roça?

As perspectivas são ainda medíocres, mas em alta, sem riscos maiores no horizonte, afora os da política, lá fora e aqui.

A agropecuária não faz o país crescer de modo direto e significativo (tem parte pequena no PIB), mas nos mantém de pé.

A previsão mais recente, de dezembro, é de alta de quase 2% na safra 2019/2020, segundo a Conab. As exportações do setor pagam boa parte das contas externas; a alta da produção deve manter os preços da comida sob controle.

Os reservatórios das hidrelétricas estão em mínimas históricas. Mas o sistema tem folga, por causa da recessão, e está mais bem preparado para compensar os danos da seca na produção de eletricidade. Mas, se a chuva continuar pouca, vai haver pressão nos preços, daqui para o ano que vem, o que de resto não é perspectiva boa para quem quer investir.

Por falar em energia, a produção de petróleo e gás enfim começou a aumentar de modo relevante no terço final de 2019. Também não salva a lavoura, claro, não somos um emirado. Mas é outra ajuda para empurrar esta baleia encalhada.

Também na indústria extrativa, a Vale deve elevar sua produção, depois dos desastres assassinos.

Talvez a taxa básica de juros não caia mais, em parte por causa de riscos na energia, mas deve ficar historicamente baixa, um impulso relevante. O real desvalorizado deve dar alguma vida à indústria, zumbi desde 2010.

Mas o mundo não vai dar grande ajuda às fábricas. A Argentina, grande cliente, continuará no buraco, embora talvez não afunde muito mais. A economia mundial, que cresceu em torno de 3,5% ao ano de 2014 a 2018, deve avançar apenas 3% ao ano em 2019 e 2020, sem cair de novo, mas degraus abaixo.

A receita de impostos ainda cresce menos que o Pibinho. Estados continuarão quebrados ou na pindaíba.

O aperto horrendo nas contas públicas federais vai continuar, com encolhimento adicional do investimento “em obras”, que até novembro caía 16% em relação a 2018.

Apesar de “o mercado” festejar de modo tolo ou maluco um possível crescimento sem obra pública, a pindaíba do governo é uma desgraça de curto, médio e longo prazo para a infraestrutura econômica e social.

A construção civil se recupera, mas ainda no buraco profundo em que caiu na recessão. De resto, a construção mais pesada vegeta, por falta de obra pública e porque tão cedo não haverá investimento de monta em instalações produtivas. Enfim, quantas casas as pessoas podem comprar, quanta dívida podem fazer?

O emprego terá melhoria “gradual”, eufemismo de “o mercado” para quase nada, embora aumente a massa de pessoas trabalhando e ganhando pouco, o que, tudo somado, deve acelerar o consumo.

Na política, é preciso ver o que será o Congresso na volta das férias, depois de deputados e senadores sentirem os humores do eleitorado, e o efeito da eleição municipal na geringonça de direita, o “parlamentarismo branco” reformista liberal que toca o país, na ausência de governo articulado.

Em tese, até a campanha eleitoral sai algum conserto extra nas contas públicas, se Jair Bolsonaro não cometer alguma atrocidade aí também.

Enfim, há certa arrumação para o país crescer os tais 2,5%, por aí, estimativa furada desde 2017. A política, aqui e lá fora, é o maior risco.

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