- Folha de S. Paulo
Instituições falhas reduzem desejo de cooperação
Anualmente, o Fórum de Davos impacta o direcionamento das políticas e estratégias econômicas e sociais para o mundo. Em 2020, Klaus Schwab, criador do encontro, lançou um novo manifesto que redireciona o papel das empresas na criação de valores sustentáveis e no engajamento entre todos seus “stakeholders”: funcionários, clientes, fornecedores, comunidade local e a sociedade mais ampla. Schwab explicita que a performance das empresas deve ser medida não apenas pelos dividendos aos seus acionistas, mas também pela forma como os negócios alcançam seus objetivos ambientais, sociais e de boa governança.
O debate ambiental teve papel de destaque em Davos, e, mesmo antes dele, Larry Fink, presidente do BlackRock, maior fundo de gerenciamento de dinheiro do mundo, já havia anunciado que não investiria em empresas que apresentem riscos ambientais e que não façam progressos na sustentabilidade. Finalmente, o tema das desigualdades voltou a aparecer de forma relevante nos debates, com o lançamento dos relatórios da Oxfam e da OIT.
O alinhamento entre fatores econômicos e a importância do investimento em pessoas também são ponto de destaque e apontam, como mostram outros estudos e pesquisas, para um movimento global na direção do bem-estar, em que fatores como emprego e renda devem estar articulados com um trabalho equilibrado, com saúde, educação, engajamento cívico, coesão social, meio ambiente, segurança pessoal e bem-estar subjetivo.
Desigualdades econômicas estão diretamente relacionadas com desigualdades de oportunidades —no caso brasileiro, com a falta de acesso à educação e à saúde de qualidade, a falta de segurança e o uso de violência policial atingindo prioritariamente jovens pobres e negros e, ainda, com o fato de a população mais vulnerável ser mais diretamente atingida por desastres ambientais.
A superação desse quadro para levar o Brasil a um bom nível de desenvolvimento não está apenas no estabelecimento de uma política econômica isolada dos demais setores e desarticulada das questões sociais e ambientais. Também não está no âmbito de indivíduos esforçados, batalhadores, como são muitas vezes denominados aqueles que conseguem romper o ciclo da pobreza. Precisamos de uma sociedade civil coesa, com cidadãos participativos e políticas públicas que priorizem um olhar para o bem comum, com o objetivo de construir uma sociedade mais justa e sustentável.
Para isso, existe um fator determinante: a confiança. O Brasil apresenta um baixíssimo nível de confiança nas instituições e, como aponta a literatura das ciências sociais, quando as instituições são percebidas como disfuncionais e as regras do jogo como injustas, o desejo de cooperação é mais baixo, dificultando a criação de políticas voltadas para o coletivo ou o bem comum.
A confiança não é um valor ou qualidade apenas para ONGs ou relacionamentos interpessoais, é também fundamental no mercado, nas transações financeiras e judiciais. Está relacionada com o bem-estar subjetivo, com a relação com o outro afetando a saúde e a sensação de felicidade, assim como nas inúmeras regras informais que organizam nosso dia a dia. Porém, quando vai contra o senso de justiça percebido pelas pessoas, a confiança é minada. Vale destacar que os países com maior nível de confiança nas pessoas e nas instituições são aqueles com menores níveis de desigualdade.
A mensagem otimista é que há inúmeras organizações da sociedade civil criando soluções e inovações, e diferentes políticas públicas sendo desenvolvidas no nível subnacional que estão buscando caminhos. Nosso papel é criar diálogos cada vez mais abrangentes que viabilizem uma agenda de políticas progressistas e tenham como foco o bem-estar das pessoas e a justiça social.
*Maria Alice Setubal, doutora em psicologia da educação (PUC-SP), socióloga e presidente do conselho da Fundação Tide Setubal e do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
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