quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Hora de repensar atitudes – Editorial | O Estado de S. Paulo

Não deixará de chover em São Paulo. Mudanças climáticas são determinantes para que o volume de chuvas seja cada vez maior ou mais concentrado. Dadas suas características geográficas e intervenções urbanísticas, São Paulo é uma cidade que enche quando chove com mais intensidade. Essas três premissas devem nortear as ações do governo e da sociedade na maior cidade do País. Caso contrário, as consequências dos temporais serão corriqueiramente classificadas como “tragédias”, quando trágicas não precisam ser.

Na madrugada de domingo para segunda-feira, os paulistanos padeceram com o temporal mais intenso que caiu sobre a cidade no mês de fevereiro nos últimos 37 anos. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), somente nesse período de horas choveu 66% do volume esperado para todo o mês. No dia, foi registrada uma precipitação total de 114 milímetros. Um temporal desta magnitude causará estragos e mexerá com a vida das pessoas em qualquer cidade do mundo, até nas mais desenvolvidas. O que se espera das autoridades é que adotem as devidas medidas para mitigar os danos e, principalmente, evitar mortes. A Prefeitura e o governo estadual agiram nessa direção.

Em que pesem os enormes prejuízos financeiros e o caos instalado na cidade, ninguém morreu em decorrência do temporal que desabou sobre São Paulo. Em outros tempos não tão remotos, dezenas de famílias, quiçá centenas, estariam pranteando seus mortos ou passando pela angustiante busca por desaparecidos.

Calamidades semelhantes causaram danos irreparáveis em outros Estados da Região Sudeste. Há quase um ano, a maior chuva que caiu no Rio de Janeiro nas últimas duas décadas matou 10 pessoas. Há poucas semanas, 55 pessoas morreram em Minas Gerais e a capital, Belo Horizonte, ficou parcialmente destruída. Em São Paulo, a chuva interrompeu o tráfego nas Marginais dos Rios Pinheiros e Tietê em função dos muitos pontos de alagamento. Estabelecimentos comerciais, órgãos públicos, empresas e escolas fecharam. Quem podia ficou em casa, atendendo à recomendação da Prefeitura. Ruas e avenidas de muitos bairros, sobretudo na zona oeste, ficaram desertas.

É importante frisar que o fato de as consequências do temporal de segunda-feira não terem sido tão devastadoras quanto poderiam ser nem de longe recomenda a baixa de guarda das autoridades e dos cidadãos. A todos incumbem ações que não podem ser negligenciadas, sob risco de morte e prejuízos materiais ainda maiores do que os contados agora. O governo e a sociedade de São Paulo devem repensar a cidade segundo os critérios postos por uma nova realidade que é ditada pelas mudanças no clima, algumas inexoráveis.

“Eventos extremos estão cada vez mais frequentes, ao mesmo tempo que aumenta a vulnerabilidade da população”, disse ao Estado o climatologista José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). A curva histórica de chuvas que serviu como base para a construção do sistema de drenagem de São Paulo já não serve mais.

Há milênios, o homem estuda formas de lidar com a força da natureza. Foi malsucedido sempre que ousou se sobrepor. Já quando usou a inteligência que o distingue entre as espécies para adaptar-se e dela tirar o melhor proveito, deu grandes saltos evolutivos. Esta não é uma boa época para os governantes brigarem com a Ciência, se é que já houve uma em que a afronta gerasse bons resultados.

Chuvas são fatos naturais. É preciso aprender a lidar com elas por meio da adoção de medidas que visem, antes de tudo, a preservar vidas. Isso diz respeito tanto à Prefeitura e ao governo de São Paulo como aos cidadãos. Adensamento não planejado, ocupação de áreas de várzea, impermeabilização dos solos, alteração do curso natural de rios e córregos e descaso com o descarte de lixo têm consequências. Quão graves serão, depende de os paulistanos repensarem a cidade e suas atitudes.

Ensino em tempo integral – Editorial | O Estado de S. Paulo

Pouco depois de os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) corroborarem a má qualidade e a estagnação do ensino brasileiro, o governo estadual de São Paulo anunciou uma medida importante para reverter este quadro. Em 2020, 247 escolas da rede estadual passarão a oferecer ensino em tempo integral, um salto de quase 60% em relação às 417 unidades que funcionam atualmente nesta modalidade. É um passo promissor, mas que precisará ser seguido de outros, já que as escolas integrais cobrirão apenas 8% das matrículas. Ainda é pouco em comparação com outros Estados mais avançados nesta política, como Pernambuco, onde 57% das vagas são de tempo integral.

O currículo integral é uma tendência em quase todos os Estados. Em 2014, 5,4% dos alunos do ensino médio estavam matriculados em escolas de tempo integral. Em 2018, foram 9,5%. Consideradas apenas as matrículas na rede pública, a proporção é de 10,3% – maior do que será o coeficiente paulista em 2020. As metas dos Planos Nacional e Estadual de Educação determinam que 50% das escolas devem oferecer esta modalidade até, respectivamente, 2024 e 2026.

“A educação integral se mostra bastante desafiadora”, pondera um estudo recente realizado pelo Iede, Fundação Lemann e Instituto Unibanco. “Além de exigir robusto financiamento, implica extenso planejamento e suporte para que os estudantes não sejam mantidos no ambiente escolar com atividades inócuas.” Mas é um desafio altamente compensador. Das 100 escolas públicas (dentre 5.042) que atingiram resultados satisfatórios de aprendizagem e fluxo escolar, 82% são de tempo integral, a maioria no Ceará (com 55 unidades) e em Pernambuco (14).

O programa paulista avança nessa direção. Em 2019, 545 escolas manifestaram interesse em aderir a ele. Para as 247 selecionadas, está previsto investimento de R$ 321 milhões, 60% para a remuneração dos professores e o resto para infraestrutura. A expectativa do governo é ultrapassar 1,4 mil unidades até 2023.

O currículo, que cobre 9,5 horas de carga horária diária, tem duas partes – uma comum, com o repertório de disciplinas fundamentais, e outra diversificada, com matérias eletivas, projetos interdisciplinares e dinâmicas alternativas, que desenvolvem desde o autoconhecimento, autoestima e talentos dos alunos até o planejamento da vida profissional. “O tempo a mais que o aluno permanece na escola, com tutoria individualizada de professores, fortalece os vínculos de aprendizagem”, disse o secretário de Educação Rossieli Soares.

Um dos desafios à implementação do modelo, particularmente no ensino médio, é a adaptação às condições dos estudantes. Quatro em cada dez alunos da rede pública exercem atividade remunerada após as aulas a fim de complementar o orçamento doméstico. Isso foi levado em conta no programa: das 247 escolas, 36 terão uma carga reduzida de 7 horas, a fim de atender os alunos que trabalham. Além disso, há poucas políticas de suporte e qualificação dos professores, sobretudo no ensino médio. Também nesse aspecto o programa paulista representa algum avanço. Como disse o secretário de Educação, “faz toda a diferença o regime de dedicação exclusiva de 40 horas semanais em uma única escola para o professor, melhorando a qualidade das condições de trabalho docente”.

É um avanço promissor, mas o desafio é grande. O mero aumento da carga horária não é garantia de melhor rendimento. Das 100 escolas de qualidade apontadas acima, apenas 2 são de São Paulo. O estudo do Iede indica três aspectos particularmente deficientes na educação brasileira em comparação com os padrões internacionais: o currículo como norte central, o financiamento mínimo necessário e, o mais precário de todos, a formação de professores. Eis um importante campo de trabalho para os gestores paulistas. Felizmente, o retorno é garantido.

As saudáveis incertezas do BC – Editorial | O Estado de S. Paulo

Novo corte de juros em 2020, como estímulo adicional à economia, ou início de uma fase de alta? As duas hipóteses parecem hoje menos improváveis que na semana passada, quando o Banco Central (BC) anunciou sua primeira decisão de política monetária deste ano. A redução da taxa básica de 4,50% para 4,25% foi apresentada como fim do ciclo iniciado em julho de 2019. Uma ressalva rotineira foi incluída, apesar disso, no informe postado no site oficial: qualquer nova decisão dependeria, como sempre, de novas informações sobre o quadro econômico. Seis dias depois, surpresa: na reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC, houve incertezas bem maiores do que parecia indicar aquele informe.

As divergências e dúvidas foram apontadas de modo mais amplo na ata da reunião. Os encontros do Copom, realizados a cada mês e meio, duram dois dias, uma parte na terça-feira e outra na quarta. As decisões são anunciadas por meio de um informe ao anoitecer de quarta-feira. A ata, mais longa e mais detalhada, aparece na terça-feira seguinte. O informe inicial havia revelado uma incerteza importante: com novos canais de intermediação, expansão do mercado de capitais e intermediação financeira mais eficiente, a potência da política monetária deve ter mudado.

Se esse for o caso, o impacto dos estímulos pode ser maior do que teria sido em outras condições. Isso pode resultar numa inflação maior que a esperada no período relevante para a política. Outros fatores também poderiam ter efeito inflacionário. Mas a ênfase no risco embutido na própria política de juros é uma novidade.

Isso poderia bastar como justificativa para o encerramento do ciclo. O Copom julgaria prudente interromper os cortes, neste momento, à espera de mais informações para avaliar o impacto da política. Mas a incerteza é mais ampla e, até certo ponto, surpreendente.

Há dúvidas também sobre o estado da economia. Numa linguagem mais enrolada que a de outras atas, o texto menciona uma “dicotomia entre a evolução do mercado de trabalho e o crescimento da produção de bens e serviços”. O contraste apontado é entre a recuperação gradual das condições de emprego e o mau desempenho da indústria. Segundo os últimos dados, a produção industrial encolheu 1,1% em 2019.

O recuo foi grande na atividade mineral, mas vários setores da indústria de transformação também produziram menos que em 2018. O volume diminuiu em 7 dos 15 locais cobertos pela pesquisa do IBGE. Além disso, dados preliminares apontam investimento abaixo do esperado em bens de produção e construções.

A capacidade ociosa da economia – desemprego elevado e subutilização de máquinas, equipamentos e instalações – tem sido apontada como um dos pontos de referência para as decisões de corte de juros. Com muita mão de obra disponível e bens de produção sobrando, a economia deve ter espaço para absorver os estímulos e crescer por algum tempo sem risco de pressões inflacionárias. Esse argumento foi ainda considerado na última reunião do Copom. A ata menciona o risco, citado em várias outras ocasiões, de uma inflação abaixo da trajetória esperada por causa da ampla ociosidade.

Mas há dúvidas também sobre a ociosidade. O rápido recuo da inflação, depois do choque dos preços das carnes, indica uma folga ampla, segundo alguns membros do Copom. Outros consideram a hipótese de uma ociosidade menor que a medida pelos métodos tradicionais. Seria preciso, segundo argumentam, levar em conta também possíveis efeitos da longa recessão no parque produtivo.
Mais que uma parada para conferir os efeitos do corte de juros, a interrupção anunciada pode servir para um reexame das condições de uma economia ainda frágil. É uma incerteza incomum, talvez inédita, na história do Copom. Mas é um sinal de seriedade, um exemplo para boa parte do governo.

Pirotecnias escondem causa da crise da água – Editorial | O Globo

Suspeita de sabotagem ajuda a tirar o foco das ineficiências da Cedae e da necessidade da privatização

A crise da água no Rio completa quase 40 dias, e continua o show de pirotecnias do governo de Wilson Witzel, responsável pela estatal Cedae, no centro da degradação do saneamento básico carioca e fluminense, causa de todos os problemas. É a origem da contaminação do Guandu com geosmina, por sua vez produzida por algas que proliferam no esgoto, despejado em enormes quantidades e sem tratamento nos afluentes do rio, para onde também vão rejeitos industriais brutos.

Daí a contaminação por detergente que há dias levou a empresa a fechar a Estação de Tratamento do Guandu. Explicam-se o gosto de terra, a coloração estranha e poluentes invisíveis a olho nu presentes no líquido que sai das torneiras no Rio.

Instalada a crise, há uma sucessão de atos que visam a animar plateias. Levantada a risível suspeita de sabotagem, a polícia foi convocada. Agora, é demitido o presidente da empresa, Hélio Cabral. Teria contribuído para isso, segundo a Rádio CBN, foto sua alegremente refestelado em uma banheira — com água — durante uma festa. Foi demais para o Palácio Guanabara, ou um pretexto conveniente.

Indicado para substituí-lo, Renato Espírito Santo, engenheiro que se aposentou em 2017 depois de 40 anos de Cedae, voltou no ano passado para ser diretor de Saneamento e Grande Operação, cargo do qual foi demitido passados dois meses de empossado.

A falta de rumo é notável. Isso acontece porque o governo Witzel não quer dizer à população que a crise que deságua no seu colo é uma obra construída passa a passo há décadas, pelo conluio entre políticos e corporações de funcionários da estatal, que nunca permitiram a modernização da empresa por meio da privatização de suas operações.

Quando isso ocorreu, os resultados passaram a ser muito positivos. Niterói é grande exemplo. Já está no décimo lugar no ranking nacional de saneamento do Instituto Trata Brasil, levantamento no qual o Rio, atendido quase exclusivamente pela Cedae, retrocedeu do 39º para o 51º lugar. Na cidade, a estatal trata apenas 46% do esgoto recolhido.

Defensores da manutenção da Cedae como estatal agarram-se no argumento de que a empresa é lucrativa. Mas não entrega aquilo para que foi criada, fundamental para a saúde da população: água de boa qualidade, recolhimento e tratamento eficaz de todo o esgoto produzido.

Esta crise precisa ser o impulso que falta para o Palácio Guanabara aplicar o projeto de divisão da empresa e sua licitação por partes, desenhado no BNDES.

Grupos políticos preferem manter a empresa completamente estatal para ela estar a seu serviço. De maneira conhecida (clientelismo, corrupção). Não se pode esquecer que Eduardo Cunha e Lúcio Funaro são responsabilizados, entre outros malfeitos, por um rombo bilionário no fundo de pensão dos funcionários da estatal, o Prece. O resultado de tudo é a crise da água.

Em tempo de coronavírus, velhas doenças ainda assombram o Brasil – Editorial | O Globo

País não tem conseguido conter avanço de dengue, chicungunha, zika, sarampo e febre amarela

Enquanto o Ministério da Saúde discute, acertadamente, estratégias para enfrentar a possível chegada do coronavírus ao Brasil — a doença já matou mais de mil pessoas na China, e o número de infectados passa de 40 mil —, fica no ar uma pergunta: como o debilitado sistema de saúde do país lidará com mais uma enfermidade, altamente transmissível e da qual pouco se sabe, tendo de conviver diariamente com moléstias que já assombravam brasileiros no século passado, e assim permanecem até hoje?

Em reportagem do GLOBO publicada domingo, especialistas afirmam que, apesar da natural preocupação com o coronavírus, hoje a ameaça maior para o país são doenças como dengue, zika, chicungunha, febre amarela e sarampo. “Vejo com pessimismo o cenário para dengue e chicungunha, apesar dos esforços do Ministério da Saúde. Enquanto não tiver saneamento básico, as doenças do Aedes aegypti vão nos acometer, diz o virologista Pedro Vasconcelos, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.

De fato, o cenário é preocupante, embora nem sempre mereça o destaque necessário, talvez pela banalização provocada pela repetição de surtos e epidemias, fruto da negligência de autoridades de saúde dos três níveis de governo. Mas os números dão uma dimensão do que se passa nesse Brasil do atraso. No ano passado, o país registrou 1,5 milhão de casos de dengue, um aumento de quase 500% em relação a 2018, segundo o Ministério da Saúde. O total de mortos chegou a 782. Para se ter uma ideia, a temida Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), também causada por um coronavírus, matou 774 pessoas em todo o mundo entre 2002 e 2003.

A chicungunha, cujas sequelas podem durar meses, e até mesmo incapacitar as pessoas, fez 132.205 vítimas em todo o país no ano passado — 30% a mais do que em 2018 —, com 92 mortes. Já os casos de zika somaram 10.708, com três óbitos.

Até mesmo doenças para as quais existem vacinas, como sarampo e febre amarela, avançam pelo país, expondo a incapacidade das autoridades de saúde em convencer a população sobre a necessidade de imunização. Entre janeiro e novembro do ano passado, o Brasil contabilizou mais de 13 mil casos de sarampo, com 15 mortes.

É elogiável a preocupação do Ministério da Saúde com a provável entrada do coronavírus no Brasil. A OMS decretou emergência de saúde pública global, e o país precisa mesmo se preparar. Mas talvez merecessem o mesmo empenho moléstias que são velhas conhecidas dos brasileiros. Afinal, estamos diante das novas doenças do século 21, e ainda não nos livramos das de cem anos atrás.

Tormenta paulistana – Editorial | Folha de S. Paulo

Agravada pela expansão caótica da metrópole, cheia demanda mais que paliativos

Cada governador paulista e prefeito da região metropolitana nas últimas décadas tem alguma parcela de culpa pelas inundações calamitosas que retornaram neste verão.

São responsáveis, em especial, aqueles que estimularam por um século a expansão desordenada da capital, a ocupação de alagadiços à beira-rio, o soterramento de riachos, a impermeabilização do solo ou a destruição de áreas verdes.

Por sua vez, os governos estaduais do período democrático, dominados pelo PSDB, não puseram em prática um plano estrutural de redução dos danos ambientais.

As autoridades deveriam se comprometer, de imediato, com um plano de longo prazo para corrigir o desastre. Tal providência, cuja execução consumirá diversos mandatos, deve ser acompanhada de medias de maior urgência.

É possível melhorar os alertas, por exemplo, de modo que massas de veículos não se encaminhem para áreas bloqueadas pela cheia —e que as casas dos mais pobres não sejam soterradas por morros instáveis ou inundadas por água tóxica.

A metrópole sofre com inundações porque está à beira de rios ou sobre eles, além de faltarem solo e superfície mais permeáveis.

Serão inevitáveis por muito tempo as obras de piscinões, reformas de galerias ou aprofundamento das calhas dos rios, que vêm sendo executadas com as falhas conhecidas.

Os governos tipicamente não gastam o que planejam em obras antienchente —investimentos costumam sofrer com restrições orçamentárias e deficiências gerenciais.

Satisfatório, obviamente, o ritmo não é. Como se trata de projetos invisíveis e esquecidos quando não há enchentes, há incentivos para que não se destinem a eles tempo e recursos suficientes.

Apesar de planos deste século preverem a redução da área impermeabilizada e a contenção da chuva, seu sucesso é mínimo. O centro e o início da zona leste paulistana constituem bacias de contenção de água feitas de cimento.

Tais regiões são mais prejudicadas que os Jardins e os bairros de renda mais alta, de resto favorecidos pela proximidade de parques.

São Paulo carece de um projeto socioambiental, com metas verificáveis, que trate de água, de uso da terra, do confinamento de cidadãos pobres em áreas de risco. Precisa ainda de um plano para o lixo, que é um agravante das enchentes.

Na ausência de tais iniciativas estruturais, o debate permanecerá sujeito a idas e vindas como as águas infectas do Tietê, limitado a discussões pontuais sobre a construção de um ou outro piscinão ou a limpeza de bocas de lobo.

Tropas no Congresso – Editorial | Folha de S. Paulo

Presidente de El Salvador cria mais uma ameaça à democracia na América Latina

Foi uma cena digna dos piores momentos da América Latina. Acompanhado de policiais e militares com roupas camufladas e armados com fuzis, o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, encenou, no domingo (9), uma invasão grotesca do Congresso de seu país.

Depois de ocupar a cadeira do chefe do Legislativo e fazer uma oração em frente aos deputados ali presentes, o mandatário deixou o recinto e se reuniu com uma multidão de apoiadores que o aguardava do lado de fora do prédio.

Diante deles, dirigiu um ultimato aos deputados, os quais chamou de sem-vergonha e acusou de não trabalharem para o povo: teriam uma semana para aprovar um empréstimo de US$ 109 milhões que o governo salvadorenho demanda com vistas à compra de equipamentos para o Exército e a polícia.

Ex-prefeito da capital do país, Bukele vem se notabilizando tanto pela retórica populista e messiânica como por demonizar os adversários políticos e atacar a imprensa. Foi eleito no início de 2019 com uma campanha feita por meio de redes sociais e pautada pela defesa da moralidade na administração e pelo combate ao crime.

Vem, aparentemente, obtendo sucesso no último objetivo. Considerado um dos países mais violentos do mundo, El Salvador chegou a ostentar, há alguns anos, uma taxa de mais de 100 homicídios por 100 mil habitantes (cerca de quatro vezes o índice brasileiro de 2018).

Segundo o governo, o número de assassinatos caiu quase 60% após a entrada em vigor do programa de combate às facções armadas que dominam parte do território.

Para dar continuidade ao seu plano, Bukele negociou um empréstimo internacional para modernizar as forças de segurança. Mas o Parlamento, de larga maioria opositora, vinha postergando a aprovação do financiamento.

Na última quinta, o presidente convocou para o fim de semana uma sessão extraordinária do Congresso, com o objetivo de aprovar a ajuda externa. Alegando não haver explicação para o uso dos recursos nem justificativa para a convocatória, a maioria dos deputados não compareceu à sessão.

Foi a deixa para o mandatário declarar o Congresso em desacato e conclamar a população a se insurgir contra os parlamentares. Estes, por sua vez, acusam o presidente de tentar um golpe de Estado.

Embora seja cedo para conclusões definitivas a respeito desse cenário inflamado, parece evidente que a ação autoritária e personalista de Bukele, ao afrontar a separação dos Poderes, cria mais uma ameaça à democracia na região.

O longo caminho de volta ao grau de investimento – Editorial | Valor Econômico

O próprio governo não espera sequer uma elevação do rating neste ano

O otimismo do mercado financeiro em relação à melhoria do rating brasileiro após a aprovação da reforma da Previdência parece ter sido prematuro demais. Animou as expectativas o fato de a Standard & Poor’s (S&P), uma das três principais agências de rating, ter elevado de estável para positiva a perspectiva da nota do Brasil, em dezembro, embalada pelas estimativas de redução dos gasto do governo com as novas regras da aposentadoria e pelo cenário externo favorável, naquele momento.

Afinal, no passado, a S&P foi a primeira a reagir a mudanças de ventos em relação ao Brasil e alçar o país para o cobiçado grupo de grau de investimento, chancela que abre as portas para as aplicações dos maiores fundos de pensão do mundo e reduz os custos de captação, no governo do ex-presidente Lula, em 2008. Foi também a primeira a rebaixar o país, em setembro de 2015, em meio à deterioração fiscal, falta de coesão da equipe ministerial e problemas políticos, no declínio do governo da presidente Dilma Rousseff. A decisão da S&P foi seguida pela Fitch e Moody’s, em 2016.


Acreditando que a S&P pode estar agora sinalizando o caminho de volta, importantes instituições financeiras como o Citi, o Barclays e o JP Morgan manifestaram ainda no fim de 2019 a expectativa de uma melhora do rating já neste ano, no mais tardar no segundo semestre, segundo o banco britânico.
No entanto, as próprias agências de rating estão jogando água fria nessas previsões. Em evento a respeito do rating de países emergentes, a S&P afirmou que o Brasil vem apresentando um crescimento desapontador desde 2014, inferior à média global, e que era necessário mostrar números mais robustos, que melhorasse o PIB per capita e outros indicadores, antes de algum avanço efetivamente substancial de seu rating.

A Fitch colocou ênfase nas reformas econômicas, assim como fizera a Moody’s em janeiro. A Fitch chegou a arriscar que a volta ao grau de investimento pode demorar ainda uma década, pela experiência de outros países latino-americanos. Colômbia e Uruguai, por exemplo, levaram pouco mais de 11 anos. Para a Fitch, o PIB potencial brasileiro de 2% é fraco e repercute negativamente nos indicadores sociais e nos resultados fiscais, com receitas muito inferiores às despesas.

O mercado financeiro parece mais otimista. Mesmo com as turbulências causadas pelo coronavírus, o Ibovespa ensaia novas altas. O indicador de risco, o Credit Default Swap (CDS) está em patamares recordes de baixa.
O próprio governo não espera uma elevação do rating neste ano, muito menos voltar agora ao grau de investimento. A nota do Brasil está três níveis abaixo do investment grade pela Fitch e pela Standard & Poor’s; e dois pela Moody’s. As análises até agora feitas nem aprofundaram a avaliação do impacto do coronavírus no comércio exterior e na indústria brasileira, com suas repercussões no crescimento econômico.

Além disso, o debate a respeito das reformas econômicas no Congresso começou de modo pouco promissor. A discussão a respeito da reforma tributária é atropelada pelas propostas do ministro da Economia, Paulo Guedes, de tributar os chamados “produtos do pecado” como cigarros, bebidas e doces, e as transações tecnológicas, com o objetivo de desonerar a folha de pagamentos, Já se sabe que o presidente Jair Bolsonaro é contra a elevação dos impostos sobre bebidas e desafia os Estados a reduzir a tributação sobre combustíveis.

A agenda do Congresso está congestionada, constatou o Valor (3/2). Os projetos são ambiciosos e incluem a reforma da administração pública e do sistema tributário e o calendário é apertado pelas eleições municipais. Há 25 medidas provisórias (MPs) editadas e que precisarão passar pelos plenários da Câmara e do Senado nos próximos quatro meses. Não são claras as prioridades do governo. Os temas vão do valor do salário mínimo para este ano, que congressistas querem elevar, o “Emprego Verde e Amarelo”, com menos direitos e tributação para tentar estimular a contratação de jovens, e o “Contribuinte Legal”, para permitir a negociação de dívidas com descontos nos juros e multas, provável embrião de um novo Refis. Enquanto a reforma tributária é do interesse da Câmara, os senadores estão focados nas propostas de emenda constitucional (PECs) do pacote “Mais Brasil”, no fim de fundos públicos setoriais; e na PEC Emergencial, com medidas de corte de despesas para evitar o descumprimento da regra de ouro. Muita coisa para pouco tempo.

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