quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Nilson Teixeira* - Potência incerta da política monetária

- Valor Econômico

Diversos BCs apontam que a política monetária perde parte da sua potência com juros básicos baixos

Especialistas têm defendido nas últimas décadas que a implementação de reformas econômicas aumenta a potência da política monetária. Eventos como o Plano Real e a adoção do regime de metas de inflação, bem como a implementação de reformas microeconômicas, com medidas que melhoram as condições de negócios, são vistos como indutores dessa dinâmica.

Essa discussão não é nova. As atas das reuniões do Copom entre setembro de 2010 e dezembro de 2011 projetavam aumento da potência de política monetária. Essa avaliação também surgiu na ata de abril de 2014, por exemplo, com essa dinâmica sendo atribuída à elevação dos empréstimos livres, à ampliação da maturidade dos instrumentos de crédito e à alta da participação dos prefixados na dívida pública. O desempenho da economia naquelas épocas, no entanto, não autoriza uma conclusão robusta sobre o aumento dessa potência.

O comunicado e a ata da reunião do Copom deste mês sugeriram que os efeitos defasados na economia do corte de juros de 225 pontos base entre julho de 2019 e fevereiro podem ser intensificados pelo “aumento da potência da política monetária decorrente das transformações na intermediação financeira e no mercado de crédito e capitais”. A ata reconheceu, por outro lado, a incerteza sobre esse suposto aumento e sobre a defasagem e a magnitude dos estímulos já concedidos. A leitura sobre a maior efetividade dos canais de transmissão monetária é razoável, ainda mais quando se observam uma melhoria dos fundamentos e a implementação de ajustes econômicos nos últimos anos. Só o tempo, porém, permitirá a comprovação dessa avaliação.

O principal suporte para a crença sobre a elevação dessa potência advém da estabilidade inflacionária dos últimos anos. As expectativas de inflação embutidas nos títulos públicos indexados à variação do IPCA estão no seu menor patamar - entre 3% e 3,6% ao ano até 2055. Isso aumenta a previsibilidade na economia e a capacidade de planejamento de devedores e de credores, o que, supostamente, elevaria a potência.

Outra razão muito citada está relacionada à atuação do BNDES, após a redução do seu tamanho e a indexação dos juros de seus empréstimos à média de três meses da taxa real da NTN-B de cinco anos. Isso provavelmente tornou a demanda por seus financiamentos mais dependente dos juros de mercado, elevando possivelmente o poder de transmissão para a economia de mudanças da taxa Selic.

Representantes do Banco Central têm defendido que medidas adotadas nos últimos anos, como os estímulos à concorrência e à expansão do crédito, e as recentes transformações do sistema financeiro, e.g., cadastro positivo, têm também contribuído para o melhor funcionamento da política monetária. A agenda BC#, com ações, por exemplo, relacionadas ao microcrédito e ao financiamento por cooperativas de crédito, contribuem para a ampliação da competição bancária e da transparência no mercado. Esse movimento reduz o risco de crédito e os spreads bancários, estimulando a oferta de financiamentos e o recuo dos juros de mercado. A alegação é que esse ambiente torna os impactos das decisões sobre os juros básicos mais disseminados, de maior magnitude e mais duradouros.

A concessão de autonomia formal ao Banco Central e a ampliação da previsibilidade sobre suas futuras decisões são processos que, em tese, também ampliariam a potência da política monetária. Apesar dos avanços recentes, há espaço para aprofundamento do “forward guidance” nas comunicações do Copom. A ata de fevereiro, por exemplo, poderia ter explicitado os condicionantes para uma eventual reversão da decisão de “interrupção do processo de flexibilização monetária”. Essa divulgação poderia contribuir para a elevação da potência da política monetária, ao reduzir a incerteza sobre as decisões seguintes do Copom.

De forma simplificada, a potência tende a aumentar com a maior relevância do canal de crédito e, consequentemente, do canal de demanda. Juros de mercado muito sensíveis a variações da taxa Selic são compatíveis com a maior reação do crédito e da demanda por bens e serviços a alterações menores da taxa básica. Em tese, a maior potência também elevaria o poder do canal de expectativas, à medida que uma alta de juros de menor magnitude pode manter ancoradas as expectativas de inflação futura, contribuindo para o maior controle da variação dos preços.

Apesar de todos esses argumentos serem razoáveis, não há evidências sólidas e muito menos irrefutáveis sobre o suposto aumento da potência da política monetária. A indexação das taxas de empréstimos do BNDES aos retornos reais da NTN-B de cinco anos, por exemplo, foi implementada a partir de 2018 e, mesmo assim, não houve aceleração da atividade com o afrouxamento monetário de 775 pontos base entre outubro de 2016 e março de 2018. Há países que implantaram reformas expressivas e nem por isso o seu crescimento aumentou significativamente quando os juros foram reduzidos. Isso abre espaço para questionamentos sobre o suposto aumento da potência da política monetária após a implementação de reformas estruturais. Do mesmo modo, diversos bancos centrais apontam que a política monetária perde parte da sua potência com juros básicos baixos, sendo necessária a adoção de várias ferramentas não convencionais para estimular a economia.

O ideal seria que a discussão sobre a potência da política monetária fosse aprofundada, com a elaboração de estudos empíricos sólidos sobre o seu suposto aumento. A produção de estimativas mais robustas para a dimensão e a defasagem dos impactos gerados pelos canais de transmissão da política monetária também auxiliaria muito a avaliação sobre o cenário econômico. Do contrário, há o risco de surgirem conjecturas injustas mais adiante de que as decisões sobre a Selic estão sendo influenciadas, em alguma magnitude, por teses com baixa sustentação empírica, o que pode comprometer a alta e merecida reputação do Banco Central.

*Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, é Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia

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