- O Estado de S.Paulo
Guedes negocia a reforma administrativa pelo caminho do confronto antecipado
O ministro Paulo Guedes, sempre que quer muito uma coisa, acaba por passar pelo risco de, mais do que perdê-la, ganhar o seu contrário. Repete um comportamento binário: proposta-agressão; retificação-desculpas. E final feliz, obviamente desgastado e politicamente enfraquecido para retomar a dianteira da negociação.
Tem dificuldades extremas com as palavras civis, as nuances do vocabulário corrente. Sua linguagem social não funciona para a sociedade como funciona para seu público da Economia. Para os iniciados, a agressividade transforma-se em franqueza e é até admirada, e o insulto transforma-se em piada de auditório. Para o público em geral, porém, o ministro passa por agressor gratuito, fanfarrão, boquirroto e desastrado. Torna-se, desnecessariamente, o enfant terrible do governo.
Até parece acreditar que a provocação e a ameaça velada são argumentos eficazes numa negociação política. Não são. Todas as vezes em que se dirigiu ao Congresso para pedir voto favorável à sua reforma da Previdência acabou por ganhar novos opositores a ela. Desdenhou dos deputados, defendeu o tudo ou nada.
O presidente da Câmara, por duas ou três vezes, teve de esperar a fervura baixar para negociar ao modo do Parlamento a aprovação das medidas que eram também prioritárias para deputados e senadores.
Sem capitalização não tem reforma, sentenciara Guedes. Teve. Ou economia de R$ 1 trilhão ou não adianta nada, advertira. Com R$ 850 bilhões o governo celebrou a vitória e Guedes não pediu o boné, como ameaçara repetidamente. Foi-se firmando o estilo.
Mas o ministro não aprendeu com os atrasos provocados pelo seu modelo torto de convencimento. A reforma administrativa pretende acabar com privilégios (argumento que sensibilizou o público para as mudanças da Previdência) e reorganizar o Estado, em situação caótica, dois objetivos que conquistam a sociedade para o apoio à reforma. Mas Guedes começa agora a negociá-la pelo mesmo caminho, o do confronto antecipado, recorrendo, inclusive, a uma palavra historicamente maldita nessa arena, “parasita”.
Se o que pretende é convencer o Congresso a votar, mais perto de deputados e senadores está o funcionalismo experimentado na negociação política. Para os servidores e suas lideranças não bastam os argumentos de que a reforma não atingirá os atuais funcionários nem os integrantes das carreiras de Estado.
O ministro pode achar, também, que de forma incisiva e, em alguns momentos, truculenta, conseguirá atingir seus objetivos. Ou, ainda, não saiba fazer de outro jeito. Fato é que precisa de um anteparo para a reforma administrativa como teve para a da Previdência.
Nem com o governo Guedes pode contar. Em dezembro teve de sustar o envio do projeto ao Congresso por resistência interna. Ministros atingidos não conheciam seus termos e não o haviam debatido. Guedes prometeu discuti-lo no recesso, mas ainda não o fez.
A Câmara e o Senado querem, de verdade, debater a reforma administrativa e provavelmente aprová-la, como aprovaram a trabalhista e a da Previdência e se dispõem a enfrentar a tributária. Mas o governo, novamente, está atrapalhando. A situação da administração pública é conhecida e rende uma rica argumentação com base em números alarmantes.
Alguns deles: O Brasil gasta 14% do PIB com a máquina, enquanto a União Europeia gasta 9,9%. O número de servidores cresceu 34% em 15 anos e sua remuneração aumentou, em média, 53%. Em algumas áreas do governo há 8 níveis hierárquicos, 117 carreiras, 43 planos de carreira, mais de 2.000 tipos de cargos, 86% de estatutários (com estabilidade). O Reino Unido tem 6% com estabilidade, só para setores essenciais.
Não é necessário insultar ninguém para provar que não dá para continuar como está.
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