É
alentador verificar que 85,3% dos brasileiros pretendem se imunizar quando
houver uma vacina contra a covid-19.
A revista científica Nature publicou um estudo que revela que 85,3% dos brasileiros pretendem se vacinar contra a covid-19 “se um imunizante comprovadamente seguro e eficaz estiver disponível”. O alto porcentual de aceitação da tão esperada vacina no Brasil só é menor do que o apurado na China (88,6%). O achado faz parte de um levantamento feito por especialistas dos Estados Unidos e da Europa com 13.400 pessoas nos 19 países mais afetados pela pandemia. Em média, 72% dos entrevistados disseram aceitar um imunizante contra o novo coronavírus sob aquela condição, e 28% o recusariam ou teriam algum receio de tomá-lo.
“O
porcentual do Brasil não é uma surpresa, vários outros estudos já mostraram a
mesma coisa”, disse ao Estado a médica Isabella Ballalai,
vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações. “Os brasileiros confiam
em vacina, entendem que a vacinação é algo importante”, disse a médica.
De
fato, o resultado da pesquisa com os brasileiros não surpreende. É o retrato da
consciência da Nação. Neste penoso curso da pandemia, que já custou a vida de
quase 160 mil de nossos concidadãos, a sociedade deu mostras de independência
em relação às diatribes e mistificações do presidente da República em sua
caótica condução da emergência sanitária. Tampouco se deixou levar
acriticamente pela insanidade que grassa no esgoto das redes sociais. Nos
corações e mentes da esmagadora maioria dos cidadãos, as vozes da ciência e o
instinto de preservação calaram mais fundo do que a retórica política e a
negação da realidade.
Nos
momentos mais dramáticos da pandemia no País, as medidas de segurança
preconizadas por médicos e cientistas – como o correto uso de máscaras, o
distanciamento social e a higienização das mãos – foram adotadas por um bom
número de pessoas, considerando a dimensão continental do Brasil. Fato é que
houve, sim, vários casos de flagrante desrespeito às orientações médicas, com
registro de aglomerações em praias, ruas e bares a partir de um determinado
momento e máscaras sendo usadas incorretamente até hoje. Mas, em geral, houve
engajamento de grande parte da sociedade em um comportamento seguro que, se não
foi suficiente para impedir o alto número de mortes, ao menos impediu que a
tragédia no País tivesse uma dimensão ainda mais soturna.
A
pesquisa publicada pela Nature também indica o quão descabida é a
discussão sobre a obrigatoriedade ou não de vacinar os cidadãos contra a
covid-19. Resta evidente que a imensa maioria dos brasileiros vai se vacinar
voluntariamente assim que um imunizante seguro e eficaz – qualquer um dos que
estão em teste – esteja disponível. O brasileiro confia em vacina, como já foi bem
dito. E essa confiança foi conquistada ao longo de muitos anos. Não é algo
assim tão fácil de abalar.
O
Brasil é uma referência mundial em imunização. Por meio do Programa Nacional de
Imunizações (PNI), são aplicados gratuitamente cerca de 300 milhões de doses de
vacinas todos os anos, contra dezenas de doenças. São vacinas absolutamente
seguras e eficazes. Se hoje os brasileiros são mais saudáveis e vivem mais –
sobretudo as crianças –, isso se deve a programas como o PNI, com imunizantes
produzidos pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, e pelo
Instituto Butantan, em São Paulo. Joias do Sistema Único de Saúde (SUS).
A
vacina contra o novo coronavírus, quando vier, seguramente terá o mesmo grau de
confiabilidade de todas as outras que são produzidas pelos dois respeitáveis
laboratórios. A sociedade, em sua maioria, sabe disso. E sabe o que quer.
Poucas coisas são mais essencialmente humanas do que o desejo de proteção para
si e para os seus. Ao fim e ao cabo, é esse sentimento que prevalece sobre
todas as outras coisas.
Tudo
indica que uma vacina contra a covid-19 começará a ser oferecida à população em
breve. É alentador verificar a adesão consciente da maioria dos brasileiros ao
imunizante. Enquanto isso, resta manter os cuidados básicos, já amplamente
conhecidos, e confiar no trabalho dos cientistas.
O SUS em perigo – Opinião | O Estado de S. Paulo
Orçamento
menor previsto para a Saúde pode levar sistema ao colapso em 2021.
A pandemia de covid-19 realçou de forma dramática a importância do Sistema Único de Saúde (SUS). Basta dizer que o SUS é o único refúgio para 7 em cada 10 pessoas que precisam de atendimento médico no Brasil. Não fosse a rede de atendimento do SUS em todo o País, a maior tragédia sanitária que se abateu sobre nós em mais de um século seguramente teria uma dimensão ainda mais soturna do que a registrada até o momento. Já são 5,3 milhões de casos confirmados de covid-19 e mais de 154 mil mortos.
Entre
o fim de julho e o início de agosto, no período mais difícil da evolução da
pandemia no Brasil, o Estado publicou uma série de editoriais que não
apenas abordavam o papel central desempenhado pelo sistema público de saúde no
socorro aos doentes, como também os grandes desafios impostos ao SUS pelo novo
coronavírus, além, é claro, das deficiências crônicas do sistema, como a
desatualização da tabela de procedimentos e a falta de investimentos. Em suma,
avizinha-se uma tempestade perfeita que poderá levar o SUS ao colapso em 2021
se nada for feito para reverter essa nefasta tendência.
O
Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2021 prevê R$ 123,8 bilhões para a
saúde. O valor representa uma queda de cerca de R$ 40 bilhões em relação ao
orçamento da área aprovado para este ano, considerando no cálculo o aporte dos
créditos extraordinários que foram aprovados para o combate à pandemia.
Os
recursos previstos são insuficientes até mesmo para o custeio dos serviços
regulares prestados pelo SUS, há muito subfinanciado. Especialistas em gestão
de saúde pública ouvidos pelo jornal Valor alertaram para o fato de
que a pressão sobre o SUS decorrente da pandemia ainda não cedeu por completo e
a ela se somará, em breve, a retomada de atendimentos eletivos que foram
sustados em 2020 pelo receio de muitos pacientes de acorrer aos hospitais e
contrair o novo coronavírus. “O risco de colapso do SUS não é mais devido à
covid-19 apenas, mas também pela falta de recursos para suprir demandas não
atendidas este ano e que devem ter consequências no ano que vem”, alertou o
médico sanitarista Adriano Massuda, professor da Fundação Getúlio Vargas.
Além
desses dois problemas, que já são alarmantes por si sós – os reflexos da
pandemia sobre o SUS, que ainda vão perdurar por muito tempo, e a retomada dos
atendimentos represados –, outros dois não podem sair do radar de governantes e
parlamentares. O primeiro é a mudança demográfica da população brasileira, que
envelhece. Isso aumenta a complexidade dos atendimentos prestados no âmbito do
SUS e, consequentemente, os seus custos. Outra fonte de pressão sobre o sistema
público de saúde é o aumento do número de usuários em decorrência da crise
econômica. É cada vez maior o número de brasileiros que deixam de pagar por um
plano de saúde particular e passam a depender exclusivamente do SUS.
Por
todas essas razões, é absolutamente inconcebível que o SUS receba menos
recursos em 2021 do que tem recebido neste ano. A menos que a destruição
definitiva de uma das maiores conquistas da sociedade brasileira seja o
desiderato dos que têm em suas mãos a capacidade de agir agora para evitar o
pior logo adiante. Não é crível que seja este o espírito que anima homens e
mulheres no Executivo e no Congresso.
Do
ponto de vista material, o SUS foi bastante aparelhado durante a pandemia. De
nada adiantará este legado se não houver recursos para manter os equipamentos
funcionando e servindo aos pacientes. Não menos importante é o cuidado que se
deve ter com médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e todos os
demais profissionais da área da saúde que atuam no SUS e não têm sido
devidamente valorizados.
Ter
um sistema público de saúde universal e gratuito foi um inequívoco desejo da
sociedade, a ponto de ser inscrito na Constituição. Isso custa muito dinheiro.
Mas custo ainda maior – imensurável – seria não o ter. Cabe ao Executivo e ao
Legislativo encontrar as soluções para fazer valer um direito de todos os
brasileiros.
A pandemia e as disparidades na educação – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
crise emperrou o principal motor de crescimento e mobilidade social.
A pandemia não apenas teve um impacto imediato sobre as desigualdades – seja entre os países mais ricos e os mais pobres, seja, dentro de cada país, entre as classes mais ricas e as mais pobres –, como emperrou brutalmente o principal motor de crescimento econômico e mobilidade social: a educação. O ensino remoto, além de provocar um déficit generalizado no aprendizado, aumentou a distância entre os alunos com melhor e pior desempenho e entre os alunos ricos e os pobres.
“Quanto
mais pobre é o indivíduo, menor é a frequência na escola, menor a quantidade de
exercícios recebidos e, para piorar, menor o tempo dedicado aos exercícios
recebidos”, conclui o estudo da FGV Social Tempo para Escola na Pandemia.
Pelas métricas dos pesquisadores, os alunos mais pobres são 633% mais afetados
pela falta de oferta de atividades escolares que os mais ricos.
A
Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabelece jornada diária de quatro horas.
Mas durante a pandemia a jornada ficou em cerca de 2,3 horas. Dos 30 milhões de
estudantes entre 6 e 15 anos, a FGV Social calcula que cerca de 4 milhões
(13,5%) não receberam qualquer atividade para ensino remoto. Entre os
adolescentes de 16 e 17 anos, foram 17,6%. Esse apagão está massivamente
concentrado nas classes baixas e nos Estados mais pobres.
A
falta de oferta se dá pela falta de conectividade, de dispositivos digitais e
de envio de material por parte da rede de ensino. Segundo o Ipea, 16% dos
alunos do Ensino Fundamental (cerca de 4,35 milhões) e 10% dos alunos do Ensino
Médio (780 mil) não têm acesso à internet. Mas, enquanto quase 100% dos
estudantes da classe A possuem acesso, nas classes D e E são apenas 40%. No
mundo todo os governos buscaram compensar carências como essas combinando o uso
da internet com uma programação educacional via TV e rádio, além da
distribuição de materiais impressos. No Brasil, apesar de rádio e TV terem
penetração em 96% dos domicílios, só 11 Estados se mobilizaram para
disponibilizar conteúdo educacional por meio dessas mídias.
Às
carências crônicas das redes de ensino municipais e estaduais soma-se o
absenteísmo contumaz do Ministério da Educação. Instado sobre a desigualdade
educacional que afeta estudantes sem acesso à internet, o ministro Milton
Ribeiro lavou as mãos: “São o Estado e o município que têm de cuidar disso aí”.
A
crise escancarou a falta de uma governança nacional para a Educação. “Imagina
passarmos por essa pandemia sem um Sistema Único de Saúde (SUS)”, ponderou
recentemente a presidente executiva do instituto Todos Pela Educação, Priscila
Cruz. “Poderíamos enfrentar essa crise na Educação de uma maneira muito melhor
se houvesse um Sistema Nacional de Educação.”
Não
só para mitigar as disparidades imediatas ampliadas pela pandemia, mas para
adaptar o sistema de ensino a um futuro precocemente imposto por ela, uma das
prioridades é universalizar o acesso à internet para as famílias dos alunos.
Ainda que seja mais difícil universalizar dispositivos digitais, no mínimo os
telefones celulares, cada vez mais presentes nos lares de baixa renda, podem
servir de canal para a transmissão de conteúdos. Nas próprias escolas, um
estudo recente da OCDE mostra que uma conectividade ampla, aliada a boas plataformas
digitais, é fator imensamente mais relevante para o desempenho dos alunos do
que a proporção de computadores.
De
resto, é preciso qualificar os professores. O mesmo levantamento da OCDE aponta
que as escolas que têm o cuidado de preparar programas específicos de
utilização de dispositivos digitais têm melhor desempenho. No Brasil, uma
pesquisa do Instituto Península apontou que 83% dos professores se sentem nada
ou pouco preparados para o ensino remoto.
Com
a aprovação do novo Fundeb o problema do financiamento da educação foi em
grande parte solucionado. Mas isso será de pouca serventia sem uma boa
engenharia de alocação e governança. A pandemia expôs dramaticamente a
necessidade de um programa nacional para a educação similar ao que foi, há 30
anos, o SUS para a saúde.
Supremo precisa preservar solvência e futuro do Rio – Opinião | O Globo
Se
a Corte redistribuir os royalties do petróleo pela Federação, contas do estado
entrarão em colapso
Foi
longo o esvaziamento da cidade do Rio com a mudança da capital federal para
Brasília. Agora, a solvência do estado está ameaçada pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), em julgamento marcado para 3 de novembro. Se a Corte mantiver a
lei aprovada pelo Congresso no final de 2012, que retira parte dos royalties
dos estados produtores de petróleo para redistribuí-la pelo resto da Federação,
as finanças do Rio entrarão em colapso.
Fragilizado,
dependente de um programa de recuperação fiscal que mal consegue cumprir, maior
produtor de óleo e gás do país, o Rio há tempos virou um problema nacional, por
tudo o que representa para o Brasil. Os efeitos da lei de 2012 foram suspensos
no ano seguinte, por uma liminar concedida pela ministra Cármen Lúcia a pedido
do estado. A decisão do STF sobre essa liminar, marcada para dia 3, afetará
também Espírito Santo e São Paulo.
As
cifras em jogo são preocupantes. Pelos cálculos do economista Mauro Osório,
estudioso da economia fluminense, se o STF referendar a lei, o estado perderá
R$ 57 bilhões até 2025. Ficará inviável. Máquina e serviços públicos entrarão
em colapso definitivo. Basta considerar que o Orçamento deste ano, mesmo
mantida a previsão da receita integral dos royalties, já acusa um déficit de R$
20 bilhões.
A
observação do que aconteceu com o Rio desde a década de 70 revela um caminho
sem volta aparente. O estado perde relevância por ter uma economia que cresce
pouco, portanto uma base estreita de arrecadação de impostos. Não é muito
industrializado, nem tem agropecuária de peso. A produção de sua principal
riqueza, petróleo e gás, não é taxada por ICMS no estado, pois os combustíveis
recolhem o imposto no estado onde são consumidos. Em virtude disso tudo, o Rio
é apenas o 17º estado do país em receita corrente líquida per capita. Só tem a
13ª arrecadação de ICMS, o mais importante imposto para os governadores.
Mesmo
assim, de acordo com dados da assessoria fiscal da Alerj, chefiada por Mauro
Osório, contribuiu em 2019 com 16,7% das receitas federais. Em troca, a União
transferiu ao Rio apenas 9,6% do total dos recursos que redistribuiu pela
Federação. Não é muito mais que os 8,2% que destinou à Bahia, responsável por
apenas 1,8% da arrecadação federal. Trata-se, no mínimo, de uma injustiça
federativa.
O
longo ciclo de esvaziamento carioca e fluminense deixa marcas. Uma delas a taxa
de desemprego no estado, hoje equivalente à do Nordeste. No segundo trimestre,
de acordo com o IBGE, ela foi de 16,4% no Rio ante 16,1% no Nordeste. De
janeiro de 2017 a agosto último, enquanto o emprego com carteira assinada no
país cresceu 1,3%, no Rio caiu 9,5%. O estado perdeu 324.770 empregos formais.
É
esse o contexto de um julgamento em que devem ser levados em conta todos os
aspectos, não só os jurídicos. Os motivos expostos são suficientes para
justificar a retirada da liminar da pauta. Seria o ideal também para que
voltasse a ser debatida a proposta de acordo feita pelo Espírito Santo, com
potencial para atender a todos os estados.
Ocupação em áreas de risco é pauta prioritária para futuros prefeitos – Opinião O Globo
Eventos
extremos — tempestades, incêndios ou inundações — estão mais frequentes e
intensos, revela estudo
Candidatos
a prefeito nos 5.570 municípios brasileiros deveriam olhar com atenção o
relatório da Organização Meteorológica Mundial, feito em conjunto com outras 16
instituições, mostrando que os eventos extremos quintuplicaram nos últimos 50
anos. Em meio século, foram registrados 11 mil desastres naturais —
tempestades, inundações, incêndios florestais etc.—, que provocaram a morte de
dois milhões de pessoas e prejuízos de US$ 3,6 trilhões.
A
conclusão de que esses fenômenos ficaram mais frequentes, intensos e letais
paira como uma gigantesca nuvem negra sobre boa parte das metrópoles do país,
especialmente diante da situação indigente de moradia de um contingente
expressivo da população. Uma pesquisa do IBGE divulgada em 2018 mostra que 8,27
milhões de brasileiros vivem em 2,5 milhões de domicílios situados em áreas de
risco. Concentram o maior número desses moradores, as cidades de Salvador (1,2
milhão), São Paulo (674 mil) e Rio (445 mil). Em Salvador, 45,5% residem em
regiões suscetíveis a desastres como deslizamentos ou inundações.
Como
cabe aos municípios a ordenação do uso do solo, os futuros prefeitos terão de
enfrentar o problema. Evidentemente, ele não surgiu agora. É resultado de
décadas de negligência do poder público. Por incúria ou populismo, sucessivos
prefeitos têm fechado os olhos para a ocupação irregular de encostas e margens
de rios. Imaginam oferecer opção de moradia a famílias pobres. Engano. Oferecem
a borda do abismo como política habitacional.
O
último verão corrobora o relatório da Organização Meteorológica Mundial. As
três maiores cidades do Sudeste foram duramente castigadas por tempestades. Em
janeiro, Belo Horizonte registrou os maiores volumes de chuva em 110 anos. São
Paulo parou em 10 de fevereiro pela tempestade mais severa em quase quatro
décadas. No Rio, o temporal de 1º de março matou quatro pessoas e causou
estragos cidade adentro. Também em março, na Baixada Santista, onde em 24 horas
choveu o esperado para o mês inteiro, deslizamentos de encostas deixaram 45 mortos
e centenas de desabrigados.
Tão
previsíveis como as tempestades de verão, políticos costumam invocar volumes
recordes de chuva para justificar a falta de ação, tanto na prevenção quanto no
combate aos efeitos das enxurradas. É claro que não se resolverá de uma hora
para outra um problema crônico, mas é preciso ter pelo menos um plano para
remover populações das áreas propensas a desastres e dar-lhes condições dignas
de moradia. Trata-se de preservar vidas. Prefeitos, atuais e futuros, devem ter
em mente que os eventos extremos serão cada vez mais comuns. De nada adiantará
a velha cantilena de culpar São Pedro.
Urgente e para todos – Opinião | Folha de S. Paulo
Ante
pressão de Bolsonaro, Anvisa precisa dar sinais de não procrastinar vacina
A
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já tem de se ocupar de
decisões relativas à compra de meios para a fabricação de um imunizante aqui.
Estima-se que, em breve, deva examinar a segurança e a eficácia do produto.
De
início, tais procedimentos dizem respeito à Coronavac, fabricada pela empresa
chinesa Sinovac e encomendada pelo governo paulista. Como é bem e
lamentavelmente sabido, tal processo tornou-se objeto de disputas entre
Bolsonaro e o governador João Doria (PSDB-SP), prováveis adversários nas
eleições de 2022.
O
presidente faz campanha irracional contra a adoção da vacina e a
obrigatoriedade da imunização—e o instituto estadual Butantan, responsável pela
fabricação no país, diz que a Anvisa retarda a
aprovação da importação de insumos.
Desde
que sua indicação ao cargo de diretor-presidente da agência foi confirmada pelo
Senado, nesta semana, Antonio Barra Torres tem dado declarações enfáticas sobre
a independência do órgão e o caráter técnico de suas decisões.
Em
entrevista à Folha, chegou a dizer que o ato de impedir ou de procrastinar
a autorização para um produto que salve vidas é objeto, “em
algum lugar”, do Código Penal —talvez se referisse ao artigo 319,
que tipifica a prevaricação.
A
despeito das afirmações corretas, é inevitável recordar que o histórico de
Barra Torres não deixa de causar alguma preocupação.
Ele
assumiu em julho de 2019 o cargo de diretor da Anvisa. Em março deste ano, na
condição de diretor-presidente substituto e já durante a epidemia, acompanhou
Bolsonaro em uma aglomeração de manifestantes. Foi conselheiro do presidente,
que se opôs a medidas óbvias de contenção da epidemia.
Diretores
de agências reguladoras não podem ser demitidos pelo presidente da República.
Se assim o quiser, Barra Torres terá cinco anos à frente da Anvisa. Está
limitado apenas pela lei e pela consciência do seu dever com o público.
A
agência que preside tem amplos poderes e responsabilidades. Não lhe cabe
postergar nem mesmo apressar decisões, salvo em casos previstos na lei sobre a
excepcionalidade da pandemia.
As
instituições, felizmente, dão sinais de que não se acomodarão ante mais um
comportamento irresponsável do chefe de Estado. A pronta adoção pelo SUS de uma
vacina —após verificação de eficácia e risco— e sua aplicação, se necessário,
em caráter obrigatório são passos essenciais para a superação da calamidade
sanitária e social.
O papa e os gays – Opinião | Folha de S. Paulo
Sem
mudar a doutrina, declarações de Francisco aproximam a igreja da realidade
Desde
que ascendeu ao posto de líder dos católicos, em 2013, o papa Francisco vem se
notabilizando por introduzir pontos de vista mais avançados em temas que são
tabus para a igreja, como o aborto ou o divórcio —embora, na prática, pouco ou
nada tenha sido alterado na doutrina oficial da instituição.
Esse
é o caso da recente
defesa feita pelo pontífice da união homoafetiva. Mostrando-se muito
mais aberto e afinado com a modernidade que seus predecessores, Francisco
declarou, num documentário lançado há pouco, que “pessoas homossexuais têm o
direito de estar em uma família” e defendeu uma legislação de união civil.
Trata-se
de posição semelhante à expressada na época em que era cardeal em Buenos Aires,
quando defendeu a aprovação de meios de proteção legal para casais do mesmo
sexo —ainda que tenha se oposto a equiparar essa união ao casamento entre homem
e mulher.
Já
como papa, deu declarações favoráveis a homossexuais. “Quem sou eu para
julgá-los?”, questionou.
As
novas manifestações, as mais incisivas já feitas por um pontífice, têm decerto
o potencial de influenciar os debates sobre o status legal de casais do mesmo
sexo ao redor do mundo, além de conter a oposição de bispos e outras lideranças
a essas mudanças.
Não
é algo cuja importância deva ser desprezada. Hoje, apenas 28 nações permitem a
união homoafetiva, quase todas nas Américas, incluindo o Brasil, e na Europa.
As relações homossexuais são criminalizadas em 70 países, e em 6 deles a
punição é a pena de morte.
Apesar
da lufada de ar fresco, as palavras do papa em nada alteram a doutrina. Embora
os ensinamentos católicos não considerem um pecado ser gay, estabelecem que
atos homossexuais são “intrinsicamente desordenados” e, por extensão, a
orientação é vista como “objetivamente desordenada”.
É
pouco realista esperar mudanças da água para o vinho numa instituição
tradicional e conservadora como a Santa Sé. Ainda mais num tema que suscita
oposição cerrada de muitas de suas lideranças. O antecessor de Francisco, Bento
16, ainda vivo, chegou a comparar o casamento entre pessoas do mesmo sexo ao
“anticristo”.
São visíveis, contudo, as inclinações do papa a promover uma necessária atualização da moral familiar católica, aproximando-a da realidade vivida pelos fiéis.
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