Ainda
que em manifestações públicas empresários e economistas expressem confiança no
cumprimento do teto de gastos, não é isso que indicam o comportamento do câmbio
e da curva de juros, cuja inclinação positiva continua aumentando. Não precisam
manifestar sua crítica. O mercado fala por eles.
Para
evitar que o risco de insolvência cresça devido ao aumento do custo da dívida,
o Tesouro optou por financiar o déficit primário deste ano com títulos de
prazos curtos, que têm prêmios de risco mais baixos. Na rolagem da dívida que
vence, resgata os títulos de prazos longos com recursos da venda de títulos
mais curtos.
Com
isso o prazo médio da dívida pública já caiu para 35 meses, e deverá cair ainda
mais em 2021, quando ocorrem resgates superiores a R$ 300 bilhões por
trimestre. Nesta velocidade, o prazo médio de vencimento da dívida rapidamente
cairá abaixo de 30 meses.
A
dificuldade na administração da dívida é uma primeira manifestação da
dominância fiscal, que leva à inflação e à repressão financeira (a obrigatoriedade
imposta aos intermediários financeiros de comprarem títulos com vencimentos
mais longos), que já existiu nos anos 70 e 80, quando muitos dos que atuam no
mercado financeiro não haviam nascido e desconhecem a magnitude das distorções
que provoca.
Os
prêmios de risco se manifestam também na taxa cambial, que desde o início do
ano já se depreciou perto de 40%. Se o Banco Central atuasse sobre a curva de
juros reduzindo sua inclinação positiva, pressionaria ainda mais o câmbio, e se
tentasse conter a depreciação cambial com intervenções mais ativas no mercado
de câmbio elevaria a inclinação positiva da curva de juros, encurtando ainda
mais o prazo médio da dívida.
Estes
são exemplos de ações que apenas escondem a manifestação do risco em um dos
dois mercados, e como o verdadeiro risco é fiscal, e não desaparece com
mágicas, o prêmio apenas migraria de um mercado para o outro.
Nesta
situação, o risco de inflação é maior do que se supõe. Há muito aprendemos que
o repasse cambial para os preços dos bens tradables não é afetado pelo hiato do
PIB. Diante de uma depreciação cambial, os produtores de soja, carne, milho,
arroz, açúcar, entre muitos outros, elevam os seus preços no mercado interno e
se não conseguirem vender o que produziram exportam todo o excedente àquele
preço.
Por
isso, a depreciação cambial eleva fortemente os preços pagos aos produtores de
produtos agrícolas, que são repassados aos preços nos supermercados e nas
feiras livres, elevando o item “alimentação no domicílio” dentro do IPCA, que nos
últimos 12 meses já cresceu 15%.
Para
os 66 milhões de brasileiros que por quatro meses se beneficiaram de uma ajuda
emergencial de R$ 600 ao mês, há enorme diferença. Como a demanda de alimentos
tem uma elasticidade-preço muito baixa, e eles têm de se restringir ao seu
orçamento, que encolheu com o fim do auxílio emergencial, terão de cortar
outros gastos para continuar comendo.
Isto
significa que o peso da alimentação no domicílio na sua cesta de consumo será
maior do que o usado pelo IBGE no cômputo do IPCA. Sua “inflação percebida”
será maior do que a inflação medida por todos os possíveis núcleos computados
pelos economistas. Não adianta tentar convencê-los de que houve apenas uma
mudança de preços relativos porque as expectativas ainda estão ancoradas às
metas.
O
Banco Central sabe que a desancoragem ocorrerá, e os indivíduos sabem que
sofreram uma dupla perda: da renda nominal, devido ao fim do auxílio
emergencial, e da renda real, devido ao aumento da inflação percebida.
Nestas
circunstâncias, a reação de um governo populista é transferir mais renda à
população, aumentando o desequilíbrio fiscal e piorando o risco de inflação e
da repressão financeira.
Se
o País não reafirmar com ações concretas, e não com palavras, a sua
determinação de atender ao teto de gastos, não há como impedir uma curva de
juros mais inclinada e um câmbio mais depreciado.
O
Banco Central seria colocado na incômoda posição de ter de elevar a taxa de
juros quando a economia ainda se encontra fortemente deprimida, e para fugir desta
armadilha pode ser forçado pelo governo a taxar as saídas de capitais ou mesmo
impedi-las para evitar uma sangria nas reservas.
Todas
estas formas de repressão financeira são extremamente prejudiciais à economia,
e a única forma de evitá-las é o retorno rápido e sem subterfúgios à
austeridade fiscal.
*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore & Associados.
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