EDITORIAIS
Senado tem de tirar excrescências do Código
Eleitoral
O Globo
Não há como deixar de reconhecer os danos trazidos pela aprovação na Câmara do
Novo Código Eleitoral. Na versão que passou pelo plenário, o projeto tem 898
artigos misturando dúzias de temas distintos. Passou por uma tramitação a jato,
impedindo a discussão aprofundada que cada um mereceria. O motivo para a
correria é a necessidade de aprovar tudo até outubro, para que as mudanças
passem a valer já nas eleições de 2022.
Nas votações de destaques que ainda restam na Câmara e no trâmite pelo Senado será fundamental conter os danos, evitando que passem mudanças que resultem na piora evidente da qualidade da nossa democracia. As principais que os senadores deveriam barrar são: restrição a pesquisas, enfraquecimento da Lei da Ficha Limpa, limitações impostas à ação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), critérios mais frouxos para gastos com o fundo partidário, para a aprovação das contas de campanha e multas reduzidas em caso de reprovação.
O texto da Câmara proíbe a divulgação de
pesquisas a partir da antevéspera do pleito, sob o argumento estapafúrdio de
que a informação contribui para distorcer o resultado. Na verdade, trata-se de
conhecimento essencial para o eleitor definir seu voto. Não há nenhuma
evidência de que as eleições funcionem melhor nos países que impõem restrições
às pesquisas. No Brasil, a proibição só incentivará a circulação de números
fraudulentos em grupos de mensagem, sem o aval de institutos sérios e
respeitados, e permitirá a manipulação dos eleitores. Para completar, o projeto
impõe a publicação de um “percentual de acerto”, conceito sem fundamento
técnico, que certamente será derrubado quando contestado na Justiça.
No campo das contas partidárias, o texto
adota um sistema de declaração mais sujeito a fraude do que o atualmente usado
pelo TSE. Adota critérios vagos para definir atividades que podem ser
declaradas como gastos (favorecendo desvios), estabelece prazos curtos demais
para análise das contas de campanha, permite a aprovação com erros abaixo de
20% e limita a ridículos R$ 30 mil as multas por reprovação (hoje a punição
chega a milhões de reais). Mesmo criando o crime de caixa dois, estabelece
penas inferiores às hoje em vigor. Por fim, chega ao desplante de autorizar o
transporte irregular de eleitores e práticas banidas por caracterizar “currais
eleitorais”. Deixam de ser crimes o uso de alto-falantes, carreatas, comícios e
boca de urna no dia da eleição.
O projeto também muda o início do período a
partir do qual uma candidatura é vedada pela Lei da Ficha Limpa. A proibição
passa a contar a partir da condenação na segunda instância, não do cumprimento
integral da pena, como antes. Desde o momento em que o registro de uma
candidatura é aceita, ela não pode mais ser impugnada, mesmo que o político
seja condenado depois.
Nada disso deveria passar a vigorar. Depois de concluída a votação dos destaques na Câmara nesta semana, o projeto segue para o Senado. Os senadores têm a obrigação de, no mínimo, extirpar dele as principais excrescências, do contrário o Novo Código Eleitoral representará um retrocesso nas boas práticas eleitorais duramente amadurecidas pelo país ao longo das últimas décadas.
Turismo no Rio precisa se adaptar ao novo
normal da pandemia
O Globo
Epidemiologistas preveem que teremos de conviver com o novo coronavírus por
tempo indeterminado e que a Covid-19 se tornará um mal endêmico. Há
perspectivas de surgirem remédios, e será possível controlar e tratar a doença,
como escreveu a pneumologista Margareth Dalcolmo em sua coluna no GLOBO. Mas
não se sabe quando o alívio virá e, certamente, dependerá muito da vacinação,
que avança a duras penas no Brasil, onde somente um terço da população foi
completamente imunizado.
À medida que a pandemia for controlada, os
agentes econômicos mais prejudicados pelas regras de isolamento social precisam
aproveitar as brechas para recuperar as perdas com o menor o risco sanitário
possível. No caso do turismo no Rio de Janeiro, a alternativa é viável. As
maiores atrações —Pão de Açúcar, Corcovado e praias — são ao ar livre, com
menor risco de contaminação. As limitações à entrada de brasileiros noutros
países impulsionam o turismo doméstico. E as instalações da Olimpíada de 2016
facilitam a realização de competições a céu aberto.
Mas, se o conceito de legado olímpico
pressupõe o bom aproveitamento do investimento, a incúria dos gestores no
Brasil está justamente em não fazer o básico. A cidade não se empenhou para
atrair competições após 2016. Chegou-se ao ponto de, menos de um ano depois, o
Campeonato Sul-Americano de Remo ter sido realizado em Brasília, em abril de
2017, com equipamento levado da capital fluminense para o Distrito Federal.
Não é de hoje que se alerta sobre a
necessidade de incrementar um calendário de eventos — com destaque para
competições esportivas — que torne a cidade menos dependente do Réveillon e do
carnaval, festas que pressupõem aglomeração e foram acertadamente canceladas na
pandemia, gerando enormes prejuízos. Segundo estimativa da Fundação Getulio
Vargas, a cidade do Rio perdeu R$ 5,5 bilhões com o cancelamento da folia. O
Réveillon 2019-2020 injetara R$ 3 bilhões na economia municipal, de acordo com
a Riotur.
Com o avanço da vacinação, o turismo já dá
sinais de retomada. No feriadão de 7 de Setembro, as reservas chegaram a 92%
nos hotéis de Ipanema e Leblon, bairros nobres da Zona Sul. Epidemiologistas
alertaram sobre o risco de contaminação pela variante Delta, que tem na capital
fluminense seu epicentro. Espera-se que seja domada pela imunização, mas
provavelmente não será a última a assustar o país.
Se quiser recuperar as perdas, o Rio terá
de se adaptar à nova normalidade, exigindo passaporte de vacinação nas atrações
e oferecendo regras flexíveis para remarcação de reservas em caso de adiamento
de eventos ou restrições sanitárias por recrudescimento da pandemia. Não dá
para imaginar que a Covid-19 desaparecerá subitamente como o despertar de um
pesadelo.
Crises periódicas obrigam à nova revisão do
setor elétrico
Valor Econômico
Superada a crise atual, setor elétrico terá
que passar por nova revisão
Escassez de energia é um problema que
limitou o crescimento da economia brasileira em pelo menos três momentos da
história recente: durante as duas crises mundiais do petróleo na década de 1970
e em 2001, quando houve apagão e racionamento. Neste momento, vinte anos depois
da última crise e diante da maior seca em 91 anos, a falta de energia volta a
assombrar o país.
A reação oficial à primeira crise do
petróleo resultou na edição do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND),
programa adotado em plena ditadura militar, caracterizado pela intervenção do
Estado na economia e pelo endividamento interno e externo do setor público.
Este modelo, como se sabe, faliu em 1982, ano conhecido como o da “crise da
dívida” não só do Brasil, mas de todos os países em desenvolvimento que, na
década anterior, tiraram proveito das baixas taxas de juros internacionais para
se endividarem.
O problema é que as taxas de juros eram
flutuantes. Com o advento da segunda crise do petróleo, em 1979, os juros
escalaram em consequência do forte aumento da inflação mundial, especialmente,
nos Estados Unidos, onde fica a maioria dos bancos que financiaram as economias
em desenvolvimento. Da noite para o dia, o custo das dívidas deu enorme salto e
os devedores foram obrigados a informar aos credores que não tinham como
pagá-las.
As consequências logo apareceram: para
gerar divisas necessárias ao pagamento da dívida, o governo estimulou as
exportações por meio de subsídios e maxidesvalorizações da moeda, medidas que
contribuíram para acelerar ainda mais a inflação, que na ocasião já havia
superado a marca dos 100% ao ano; sendo incapaz de pagar todo o serviço da
dívida, o Banco Central “centralizou” o câmbio, isto é, passou a decidir de
forma discricionária a quem pagar; diante do calote, o sistema de crédito
privado internacional fechou as portas ao país.
Na área energética, o II PND despejou
dinheiro público em projetos de geração de energia (petróleo e derivados,
energia hidrelétrica e fontes alternativas como etanol e energia nuclear). Por
causa da “crise da dívida”, o país perdeu acesso às duas fontes de
financiamento necessárias ao investimento no aumento da capacidade energética:
interna (via recursos públicos) e externa (endividamento). É fácil entender,
portanto, por que nas duas décadas seguintes investiu-se tão pouco em geração.
Na década de 1990, por razões óbvias, o
tema privatização entrou no radar. Sem capacidade de investir maciçamente em
infraestrutura desde o fracasso do II PND, o governo precisou abrir caminho
para que o setor privado o fizesse. Mas, por incrível que pareça, em que pese a
recente autorização do Congresso para a desestatização da Eletrobras, algo que
pode ocorrer na primeira metade de 2022, o reconhecimento de que o setor
público não tem como arcar sozinho pelos investimentos no setor elétrico não é
algo pacificado no debate nacional.
A resposta oficial à crise de 2001 se deu
em meio a esse debate. A maior novidade naquele momento foi o reconhecimento de
que o planejamento de médio e longo prazos é crucial para evitar surpresas como
a daquele ano, quando o país enfrentara a maior crise hídrica desde a década de
1950. Desde então, expandiu-se em boa medida a capacidade de geração do país
por meio de investimentos públicos e privados. Por que, então, a economia está
novamente diante do risco de crescer menos por falta de energia? Porque a
matriz energética brasileira ainda é dominada pela geração hídrica, sujeita às
intempéries do clima.
Ao participar da Live do Valor na semana passada,
Jerson Kelman, ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel), disse que há erros no planejamento de
médio e longo prazos, um deles, a opção feita nos últimos anos de construir
usinas sem grandes reservatórios de água. Kelman alertou, ainda, para o fato de
usinas térmicas mais baratas não terem sido ligadas mais cedo por falhas de
governança.
Kelman sustentou que a possibilidade de blecautes é grande e “desconfortável” - em torno de 40%. Já a probabilidade de racionamento varia hoje de 2% a 8%. “Nada para perder o sono”, comentou ele, um dos maiores especialistas do país no assunto, responsável, em 2001, pela elaboração do “Relatório Kelman”, estudo que mostrou o tamanho do problema. Embora não acredite que o governo federal esteja escondendo a gravidade da situação, Kelman observou que faltou iniciativa mais permanente de comunicação em massa para explicar os desafios à população e incentivar a economia de energia. Para o engenheiro, um fato é inescapável: superada a crise atual, o setor elétrico terá que passar por nova revisão.
Por que chegamos a isso
O Estado de S. Paulo
É pouco provável que, com a escalada golpista do discurso bolsonarista, o Congresso possa se concentrar no debate de temas complexos
Ninguém esperava – nem muito menos queria –
que tivesse sido assim. Embora tardia e lentamente, a vacinação contra a
covid-19 avançou, alcançou parcelas significativas da população e, afinal,
começou a produzir os resultados ansiados, que permitiriam a gradual
normalização da vida social e econômica. A despeito da inoperância do governo
federal, a retomada do crescimento, da qual se falava desde o início do ano,
estava ao alcance das nossas mãos. Recuperaríamos o que perdemos no ano passado
e ainda ganharíamos alguma coisa. Até no plano fiscal, mesmo diante de um
governo que sempre mostrou pouca apetência e muita incompetência para lidar com
o maior problema do setor público, havia expectativas positivas: o déficit
público parecia sob controle.
De repente, deu nisso.
O quadro assusta. São muitos componentes
que evidenciam a rápida deterioração do cenário político e econômico, o que
impõe não apenas insegurança e incerteza, mas riscos e perdas para muitos,
sobretudo os que menos podem.
A inflação que alcança níveis recordes
(acumula 9,68% em 12 meses) é o dado mais sombrio, porque é o mais recente,
desse cenário no momento. Outros indicadores da crise política, econômica,
social e moral em que o País mergulhou, porém, continuam a lançar sombras e
podem alcançar maior destaque, a julgar pela forma como as coisas avançam. Se
até os operadores do mercado financeiro – “essa gente da Faria Lima”, como
reagiria um enraivecido funcionário descontente com a aguda perda de prestígio
do governo – já duvidam da capacidade das autoridades, é porque a coisa vai
mal.
O tombo de 3,78% (para 113,4 mil pontos)
que o Ibovespa levou na quarta-feira e a escalada de 2,89% do dólar (para R$
5,32) mostram o impacto da fala golpista do presidente Jair Bolsonaro sobre os
investidores. Os discursos irresponsáveis de Bolsonaro no dia 7 de setembro
somam-se, no cenário montado pelo mercado financeiro, às projeções cada vez
menores para o crescimento da economia neste e no próximo ano e às projeções
crescentes para a inflação.
Há, como observou o economista José Roberto
Mendonça de Barros, em entrevista ao Estado, “um casamento da crise econômica com a da
política”. Elas se alimentam.
As seguidas e cada vez mais estridentes
ameaças de Bolsonaro às instituições podem inviabilizar o avanço das reformas.
Embora tímidos diante das dimensões dos problemas, e às vezes contraditórios
entre si, os projetos de reforma, se progredissem no Congresso, dariam um sinal
positivo, alentador, para a sociedade num momento de temores e insegurança. É
pouco provável que, com a escalada golpista do discurso bolsonarista, o
Congresso possa se concentrar no debate de temas complexos e de impactos
variados sobre a sociedade e sobre a economia.
À procura de inimigos inexistentes, mas
necessários para a sustentação do discurso de discórdia e ódio com o qual tenta
manter uma popularidade cada vez mais corroída por sua própria incompetência, o
presidente da República não governa. Nunca governou desde que tomou posse em
2019. A agudização dos problemas, muitas vezes em razão da incapacidade do
governo federal, torna o quadro especialmente grave.
Decerto não se pode inculpar as autoridades
federais pela alta das commodities agrícolas e energéticas no mercado
internacional, o que vem se traduzindo na alta da inflação. Mas o descaso do
governo com a situação das pessoas em geral, dos trabalhadores, com a vida
empresarial, tem muito a ver com o agravamento de muitas das dificuldades em
que o País está metido.
O governo demorou para reagir à crise
hídrica e, quando o fez, mostrou timidez. Não demonstrou nenhuma preocupação
com as altas taxas de desocupação e com a má qualidade dos empregos. Sua
incapacidade de montar uma proposta de Orçamento minimamente confiável e
exequível é apenas o atestado de despreparo para fazer aquilo que é de sua
exclusiva competência.
Poderia ter sido diferente?
A verdade sobre o sistema eleitoral
O Estado de S. Paulo
Como faz há décadas, o TSE deu novos passos rumo ao aprimoramento do processo eleitoral
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), Luís Roberto Barroso, instaurou uma Comissão de Transparência das
Eleições, a fim de ampliar a segurança de todas as etapas do processo eleitoral
por meio da participação de especialistas, entidades da sociedade civil e
instituições públicas em sua fiscalização.
Além de representantes do Senado, do
Tribunal de Contas da União, da Ordem dos Advogados do Brasil, da Polícia
Federal e da procuradoria da Justiça Eleitoral, a Comissão contará com o
comandante de defesa cibernética do Exército, o general Heber Portella,
indicado pelo ministro da Defesa, Walter Braga Netto.
Para auxiliá-la, criou-se um Observatório
da Transparência das Eleições, formado por instituições da sociedade civil. O
TSE também antecipou em seis meses a inspeção do código-fonte das urnas pelos
partidos, e determinou a presença de fiscais partidários durante a inserção dos
programas nos dispositivos de votação e o aumento de urnas auditadas às
vésperas do pleito. Dias antes, renovou um contrato com a Agência Brasileira de
Inteligência (Abin), ligada ao Gabinete de Segurança Institucional, para
garantir a segurança das urnas.
Alguém pode ser tentado a interpretar tais
medidas como uma concessão às chantagens do presidente Jair Bolsonaro. Não são.
São só mais uma das revisões periódicas do sistema, responsáveis pela sua
higidez por quase três décadas. O próprio Exército e a Abin participaram da sua
criação e sempre trabalharam em seu aperfeiçoamento e fiscalização.
Mas, ante novas insídias de Bolsonaro no
último dia 7, as medidas não deixam de ser oportunas. Segundo pesquisa da CNI,
para 63% da população o sistema é transparente e seguro. Ainda assim, segundo o
PoderData, em julho 46% se disseram a favor da emissão de um comprovante e 40%
contra – uma inversão exata dos indicadores de maio, quando 46% eram contra e
40% a favor.
“Já começa a ficar cansativo”, desabafou
Barroso, “ter que repetidamente desmentir falsidades.” Mas, em prol dos
desconfiados de boa-fé e em nome de milhares de juízes e servidores da Justiça
Eleitoral, o ministro reafirmou que as urnas têm 10 camadas de auditoria; que
não entram em rede nem são acessáveis remotamente; que seu código-fonte é
aberto à inspeção das instituições; que inúmeros observadores internacionais
atestam a sua integridade; e que jamais houve indício de fraude.
Após deitar por escrito, em Declaração à Nação, a mentira de
que “nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”, não demorou
mais que uma tarde para que Bolsonaro, em sua live, desmentisse suas juras de respeito às
instituições – no caso, não só ao TSE, mas sobretudo ao Congresso, que deu a
questão por encerrada – e voltasse a desacreditar o sistema eletrônico.
Como que se antecipando a esse “recuo do
recuo”, na manhã do mesmo dia Barroso relembrou as promessas vazias de
Bolsonaro – como a de apresentar provas de fraude ou de acatar a decisão do
Parlamento. “Todas as pessoas de bem sabem que não houve fraude e quem é o
farsante nessa história.”
“A falta de compostura”, constatou o
ministro “nos envergonha perante o mundo. A marca Brasil sofre, neste momento,
uma desvalorização global. Somos vítimas de chacota e de desprezo mundial.”
Palavras amargas, mas não por efeito retórico, e sim por espelharem com
impecável objetividade uma realidade amarga: “Um desprestígio maior do que a
inflação, do que o desemprego, do que a queda de renda, do que a alta do dólar,
do que a queda da bolsa, do que o desmatamento da Amazônia, do que o número de
mortos pela pandemia, do que a fuga de cérebros e de investimentos”.
O sistema eletrônico não é perfeito, como
nenhum sistema é e jamais será. Mas por isso mesmo ele pode e deve ser
continuamente aperfeiçoado, e o TSE deu novos passos nessa direção. É verdade,
como lembrou Barroso, que “o sistema é certamente inseguro para quem acha que o
único resultado possível é a própria vitória”. Mas “para maus perdedores não há
remédio na farmacologia jurídica”. A verdade, concluiu, “realmente liberta, mas
só àqueles que a praticam”.
Amazônia: a união faz a força
O Estado de S. Paulo
Iniciativas inovadoras nutrem esperanças no
desenvolvimento sustentável da região
Nenhuma região do mundo simboliza tão
completamente os desafios ao ideal do desenvolvimento sustentável – isto é, a
combinação de preservação ambiental e crescimento econômico – quanto a
Amazônia.
Desde a Coroa portuguesa, passando pelo
Império, Estado Novo e o regime militar, o Brasil sempre teve planos para a
floresta. Mas, até meados do século 20, ela estava praticamente intacta e sua
economia restrita ao extrativismo. A partir de então prevaleceu uma dinâmica de
supressão da floresta em favor de atividades como a soja e a pecuária. Nas
últimas décadas, esse modelo vem sofrendo severas recriminações de movimentos
ambientalistas. Mas, a prevalecer os ideais de muitos deles, a floresta voltaria
a permanecer intocada, relegando milhões de habitantes da região ao
subdesenvolvimento perpétuo.
Hoje, há indícios de que uma nova
consciência ganha corpo: não só há uma vanguarda ambientalista estimulando o
desenvolvimento econômico da região, como ela tem recebido o apoio do capital
financeiro, do agronegócio, do eleitorado e do establishment político.
Os três maiores bancos privados do Brasil,
por exemplo, lançaram o “Plano Amazônia”, contemplando quatro prioridades:
bioeconomia alicerçada em pesquisa, investimento, acesso a mercados
internacionais e melhorias na cadeia de suprimento; desenvolvimento de culturas
sustentáveis por meio de programas de crédito combinados à assistência técnica;
apoio à pecuária não predatória; e mecanismos sustentáveis de regularização
fundiária.
Com sadio realismo, o consórcio reconhece
que, se crescimento e conservação são conciliáveis idealmente e a longo prazo,
“não há panaceias ou soluções milagrosas capazes de contemplar simultaneamente
e no curto prazo interesses tão diversos, seja do ponto de vista biológico,
social, econômico ou geopolítico”. Ao mesmo tempo, aponta que “o êxito está
fortemente ligado à cooperação com as diferentes iniciativas empresariais, de
governo, da academia e do terceiro setor”.
Como
mostrou uma série de reportagens do Estado para
o Dia da Amazônia (5 de setembro), esta cooperação está se expandindo
e se capilarizando em iniciativas solidárias como cooperativas, comunidades
ribeirinhas que captam energia solar, ecoturismo ou novas técnicas que mostram
como produzir mais carne sem grilagem.
Um estudo do Instituto Imazon mostra que, se
3% a 9,5% do crédito para a compra de gado for direcionado à recuperação de
pastagens degradadas, é possível aumentar a produção sem derrubar a floresta. O
Instituto Peabiru criou um projeto para impulsionar a comercialização de
produtos tradicionais do Pará por meio de técnicas modernas de marketing, venda
e logística. Iniciativas cruciais são as que estimulam o processamento local
dos produtos primários, agregando valor à cadeia agrícola.
Segundo Salo Coslovsky, pesquisador da
Universidade de Nova York, há 64 produtos que podem ser explorados na floresta
sem provocar desmatamento. Esses produtos já geram uma receita de US$ 300
milhões ao ano. Para dar uma ideia de seu potencial, o mercado global desses
produtos atinge US$ 180 bilhões, mas a Amazônia, com 30% das florestas
tropicais do mundo, tem uma participação abaixo de 0,2%.
Segundo pesquisa do Instituto Clima e
Sociedade, para a maioria dos brasileiros a proteção ambiental é precondição ao
desenvolvimento, e para 80% a Amazônia deve ser prioridade nas eleições de
2022. Na Câmara, um grupo de deputados está preparando uma pauta de temas
consensuais em condições de serem votados antes da Conferência da ONU sobre
Mudanças Climáticas, em novembro.
Tomadas isoladamente, essas iniciativas não garantem que o Brasil conseguirá reprimir as forças predatórias responsáveis pela escalada no desmatamento da Amazônia nos últimos dois anos. Mas elas provam que há suficientes recursos no País para encarar este desafio com um otimismo realista. Tudo dependerá da capacidade desses agentes de unir forças em prol de uma agenda sustentável. Se conseguirem, darão um exemplo para o mundo.
Furor legislativo
Folha de S. Paulo
Espera-se que calhamaço de normas
eleitorais votado pela Câmara pare no Senado
Sob a presidência de Arthur Lira (PP-AL), a
Câmara dos Deputados busca superar o mal-estar provocado pela hegemonia
fisiológica do centrão com uma intensa produção legislativa. Essa é uma
estratégia perigosa, dada a escassez de pensamento e liderança em Brasília.
A combinação de um Executivo sem rumo e um
quadro partidário fragmentado torna a tramitação de projetos extremamente
vulnerável a casuísmos, interesses clientelistas e investidas contra o erário.
Assim se viu, por exemplo, na reforma do Imposto de Renda e na privatização da
Eletrobras.
Os vícios chegam ao cúmulo na caudalosa
instituição do Código Eleitoral, cujo texto-base foi aprovado na
quinta-feira (9) por 378 votos a 80. Trata-se de um calhamaço com nada menos
que 898 artigos debatidos e votados às pressas, a fim de substituir toda a
legislação que disciplina os pleitos no país.
Mais que injustificada, uma reformulação
dessa monta é prejudicial ao funcionamento e à credibilidade da política.
Decerto que nenhum regramento é isento de falhas e distorções, e o brasileiro
não seria exceção; entretanto devem-se privilegiar correções e aperfeiçoamentos
graduais, não reviravoltas.
No pacote da Câmara há de tudo. De normas
para o uso de recursos públicos por parte das legendas a cotas raciais e de
gênero para candidaturas; da regulamentação dos mandatos coletivos a penas para
a propagação de fake news —uma obsessão legislativa recente.
Uma providência que esta Folha entendia ser correta
acabou saindo do projeto de lei complementar: a fixação de quarentenas para
militares, policiais, juízes e procuradores que pretendam disputar eleições a
partir de 2026.
Entre os piores dispositivos está o que
restringe a divulgação de pesquisas de intenção de voto, proibindo-a a partir
da antevéspera do pleito; exige-se ainda a publicação de um percentual de
acerto das sondagens. Aqui se vê um velho cacoete paternalista e autoritário
dos parlamentares, que buscam sonegar informação ao eleitor.
Há também artigos destinados a flexibilizar
o uso de verbas do fundo partidário, com menos exigências de prestação de
contas, dificultar cassações e reduzir penas por delitos eleitorais —esse
emaranhado obscuro provavelmente explica boa parte do apoio ao texto.
Noticia-se que o Senado tende a não
apressar o exame do Código Eleitoral, que precisa estar aprovado até outubro
para vigorar em 2022. É o melhor a fazer a esta altura. Se não houver tempo
hábil para depurar o projeto, que se mantenham as regras do jogo.
Futebol S.A.
Folha de S. Paulo
Correta, lei que favorece clube-empresa não
deveria depender de incentivo fiscal
É promissora a nova regulamentação que
favorece a transformação de clubes de futebol em empresas. Sancionada em
agosto, a lei institui a Sociedade Anônima de Futebol (SAF) para o fomento de
atividades relacionadas ao esporte, como a formação de atletas e a exploração
de direitos de marca, propriedade intelectual e transferência de jogadores.
O texto prevê mecanismos para que a SAF
absorva bens, direitos e dívidas dos clubes atuais, com normas de governança
aderentes às das sociedades anônimas, incluindo a criação de conselhos de
administração e fiscal.
Segundo estudo da consultoria Ernst &
Young, os 23 maiores clubes brasileiros deviam R$ 10,3 bilhões em 2020, uma
alta de 19% em relação ao ano anterior. A crise foi agravada pela pandemia, que
derrubou as receitas em 14% no período, para R$ 5,3 bilhões.
É incrível constatar que o espanhol Real
Madrid, sozinho, auferiu receita próxima a R$ 4 bilhões no ano passado, o que
mostra o enorme potencial desperdiçado pelo esporte no Brasil.
Além de mudanças no sentido da
profissionalização da gestão, a lei trata do saneamento financeiro dos clubes,
por meio de recuperação judicial ou um regime de centralização de execuções,
com prazo inicial de seis anos.
Os recursos para o pagamento virão de 20%
das receitas mensais auferidas pela SAF e de 50% dos dividendos e outras
remunerações recebidas pelo clube como acionista.
O Congresso tentou conceder incentivos
fiscais para a transformação em empresa, o
que foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro.
Além da isenção de Imposto de Renda para pessoas físicas na captação de
recursos por meio de debêntures, os parlamentares buscaram garantir tributação
favorecida.
Em vez de cobrança como uma pessoa jurídica
normal, a SAF estaria sujeita a recolhimento de apenas 5% sobre receitas nos
primeiros cinco anos, exceto as de comercialização de direitos dos jogadores, e
de 4% sobre qualquer receita depois. Para os parlamentares, o benefício não
traz perda de arrecadação, dado que hoje os clubes não pagam nada.
É verdade que o súbito ônus decorrente da
conversão de entidade sem fins lucrativos em empresa pode desincentivar o
movimento e fragilizar o propósito da lei. Mas, como quase sempre ocorre em
projetos de interesse setorial, a benesse era excessiva.
O melhor seria, quando muito, prever um
beneficio temporário. A legislação tributária precisa de simplificação, não de
mais exceções.
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