Valor Econômico
Projeção de inflação do Copom vai dar
parâmetro para juro
Os dois últimos índices mensais de
inflação, mais salgados do que o esperado, provocaram uma boa puxada nos juros
negociados no mercado financeiro. Alguns analistas econômicos já mencionam a
hipótese de a taxa Selic voltar aos dois dígitos, algo que não acontece desde
2017. Seria um exagero?
Esse movimento foi alimentado pelo próprio Banco Central, para recompor o pedaço de sua credibilidade que havia perdido no começo do ciclo de aperto, quando sinalizou que iria retirar apenas parte dos estímulos monetários. O discurso do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC é que vai levar a taxa básica para o campo restritivo e que vai fazer o que for preciso para cumprir as metas de inflação.
De certa forma, o Banco Central jogou ao
mercado a tarefa de medir o quanto, de fato, os juros precisam subir. O ciclo
de aperto monetário passou a ser definido nas nervosas mesas de operação de
instituições financeiras, com olho nos dados econômicos de alta frequência o
ouvido nas declarações de Bolsonaro.
Na semana que vem, com a reunião do Copom,
chega a hora de o Banco Central dar, de novo, um parâmetro ao mercado - afinal,
o natural é que a autoridade monetária coordene as expectativas do mercado, e
não o contrário. O BC não vai se afastar de sua sinalização de fazer o que for
necessário. Mas deverá apresentar sua visão do tamanho do ciclo de aperto e dar
parâmetros para que os especialistas do mercado façam as suas próprias contas.
O sinal do BC sobre o ciclo de alta de
juros é dado pelas suas projeções de inflação, ajustadas pelo balanço de
riscos. Os membros atuais do Copom têm levado à sério o que se chama de
“inflation forecast targeting”, ou dosar a política monetária de acordo com as
projeções de inflação. De forma simplificada, quando a projeção de inflação
está acima da meta no horizonte de tempo em que o BC está mirando, os juros tem
que ser maiores do que a taxa de juro embutida nas projeções.
O Copom tem um problema prático: a sua
projeção de inflação estava, na reunião de agosto, abaixo da estimativa
mercado. O comitê projetava, então, uma inflação de 3,5%, exatamente na meta do
ano que vem, enquanto que o mercado projetava 3,8%. Isso significa que, naquele
momento, o aperto monetário vislumbrado pela autoridade monetária era menor do
que o que estava implícito nas projeções de inflação do mercado.
Nada impede que o Copom tenha projeções de
inflação abaixo do mercado, mas elas precisam ser bem justificadas, caso
contrário aparenta que o colegiado está negando fogo. Em agosto, os membros do
Copom discutiram de forma exaustiva quais eram as possíveis causas das
diferenças entre as suas próprias projeções e as do mercado financeiro. Na
semana que vem, será a hora de repassar esses pontos. O Copom pode tanto
reconhecer que estava errado, o que significa aproximar mais as suas projeções
das do mercado, ou seguir com as suas teses e explicar melhor.
Se a projeção de inflação do Copom
convergir para as de mercado, isso terá implicações importantes para o tamanho
do ciclo de aperto monetário. O mercado projeta uma inflação de 3,98% para
2022, e não será surpresa se esse número subir para 4,1% ou 4,2% entre esta e a
próxima semana, ajustando-se ao índice de inflação mais salgado de agosto. Por
trás dessa projeção, está implícito que o ciclo de alta de juros leve a taxa
Selic para 7,75% ao ano, mas pode ser que o mercado suba esse percentual para
8% ou mais.
Se o Copom convergir a sua projeção de
inflação para 2022, digamos, para os 4% ao ano, terá que subir os juros acima
dos cerca de 8% ao ano precificados pelo mercado. Inclusive porque, hoje, o BC
diz que o balanço de riscos é assimétrico devido ao desarranjo fiscal, por isso
considera que há chaces de a inflação superar o projetado. Isso demandaria mais
um par de pontos percentuais na Selic, já que os modelos do Copom mostram que cada
alta de um ponto na Selic leva a uma desinflação de 0,26 ponto.
Mas esse é um cenário hipotético em que o
Banco Central apenas avalizaria as projeções de inflação de mercado. O Copom
poderia, em tese, manter pelo menos parte da sua linha de raciocínio adotada em
agosto, o que levaria a uma projeção de inflação e a um ciclo de aperto
menores.
Dois pontos são muito importantes nas
discussões: a inércia inflacionária e o papel do nível de ociosidade nas
projeções. O Banco Central tem insistido, até aqui, que o coeficiente de
inércia - ou seja, o quanto a inflação passada contamina a inflação futura -
não mudou. Alguns analistas do mercado têm alertado, porém, que esses
coeficientes podem mudar de acordo com as circunstâncias. Em períodos como o
atual, em que a inflação corrente acumulada em 12 meses chegou a 9,7%,
aproximando-se de dois dígitos, os agentes econômicos olhariam mais os índices
passados para fixar os preços e os salários na economia.
O outro ponto é o nível de ociosidade da
economia. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse há alguns
dias que, no Relatório de Inflação a ser divulgado ainda neste mês, o Copom vai
abrir um pouco mais da “modelagem” do nível de ociosidade. Se o mercado estiver
calculando mal a ociosidade da economia, subestimando-a, tenderá a superestimar
o ciclo de aperto.
O simples fato de o BC ter indicado que vai
apresentar uma nova “modelagem” para estimar a ociosidade da economia já levou
alguns no mercado a torcer o nariz. O Copom já divulgou vários dos seus modelos,
de forma detalhada, que são conhecidos. Um dos modelos estima a ociosidade a
partir do nível do juro, da política fiscal e da incerteza econômica. Há
modelos, também divulgados, que extraem o nível de ociosidade a partir de
outras variáveis econômica, como a própria inflação. E tem também cálculos a
partir do desemprego formal dos dados do Caged, do desemprego do IBGE e do
nível de utilização da capacidade instalada na indústria.
O que poderia haver de novo? Campos Neto
disse que os novos exercícios do BC vão ajudar a ler os dados melhor em meio a
todo o ruído nas estatísticas econômicas causado pela pandemia.
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