segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Alex Ribeiro - A taxa Selic vai voltar para os dois dígitos?

Valor Econômico

Projeção de inflação do Copom vai dar parâmetro para juro

Os dois últimos índices mensais de inflação, mais salgados do que o esperado, provocaram uma boa puxada nos juros negociados no mercado financeiro. Alguns analistas econômicos já mencionam a hipótese de a taxa Selic voltar aos dois dígitos, algo que não acontece desde 2017. Seria um exagero?

Esse movimento foi alimentado pelo próprio Banco Central, para recompor o pedaço de sua credibilidade que havia perdido no começo do ciclo de aperto, quando sinalizou que iria retirar apenas parte dos estímulos monetários. O discurso do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC é que vai levar a taxa básica para o campo restritivo e que vai fazer o que for preciso para cumprir as metas de inflação.

De certa forma, o Banco Central jogou ao mercado a tarefa de medir o quanto, de fato, os juros precisam subir. O ciclo de aperto monetário passou a ser definido nas nervosas mesas de operação de instituições financeiras, com olho nos dados econômicos de alta frequência o ouvido nas declarações de Bolsonaro.

Na semana que vem, com a reunião do Copom, chega a hora de o Banco Central dar, de novo, um parâmetro ao mercado - afinal, o natural é que a autoridade monetária coordene as expectativas do mercado, e não o contrário. O BC não vai se afastar de sua sinalização de fazer o que for necessário. Mas deverá apresentar sua visão do tamanho do ciclo de aperto e dar parâmetros para que os especialistas do mercado façam as suas próprias contas.

O sinal do BC sobre o ciclo de alta de juros é dado pelas suas projeções de inflação, ajustadas pelo balanço de riscos. Os membros atuais do Copom têm levado à sério o que se chama de “inflation forecast targeting”, ou dosar a política monetária de acordo com as projeções de inflação. De forma simplificada, quando a projeção de inflação está acima da meta no horizonte de tempo em que o BC está mirando, os juros tem que ser maiores do que a taxa de juro embutida nas projeções.

O Copom tem um problema prático: a sua projeção de inflação estava, na reunião de agosto, abaixo da estimativa mercado. O comitê projetava, então, uma inflação de 3,5%, exatamente na meta do ano que vem, enquanto que o mercado projetava 3,8%. Isso significa que, naquele momento, o aperto monetário vislumbrado pela autoridade monetária era menor do que o que estava implícito nas projeções de inflação do mercado.

Nada impede que o Copom tenha projeções de inflação abaixo do mercado, mas elas precisam ser bem justificadas, caso contrário aparenta que o colegiado está negando fogo. Em agosto, os membros do Copom discutiram de forma exaustiva quais eram as possíveis causas das diferenças entre as suas próprias projeções e as do mercado financeiro. Na semana que vem, será a hora de repassar esses pontos. O Copom pode tanto reconhecer que estava errado, o que significa aproximar mais as suas projeções das do mercado, ou seguir com as suas teses e explicar melhor.

Se a projeção de inflação do Copom convergir para as de mercado, isso terá implicações importantes para o tamanho do ciclo de aperto monetário. O mercado projeta uma inflação de 3,98% para 2022, e não será surpresa se esse número subir para 4,1% ou 4,2% entre esta e a próxima semana, ajustando-se ao índice de inflação mais salgado de agosto. Por trás dessa projeção, está implícito que o ciclo de alta de juros leve a taxa Selic para 7,75% ao ano, mas pode ser que o mercado suba esse percentual para 8% ou mais.

Se o Copom convergir a sua projeção de inflação para 2022, digamos, para os 4% ao ano, terá que subir os juros acima dos cerca de 8% ao ano precificados pelo mercado. Inclusive porque, hoje, o BC diz que o balanço de riscos é assimétrico devido ao desarranjo fiscal, por isso considera que há chaces de a inflação superar o projetado. Isso demandaria mais um par de pontos percentuais na Selic, já que os modelos do Copom mostram que cada alta de um ponto na Selic leva a uma desinflação de 0,26 ponto.

Mas esse é um cenário hipotético em que o Banco Central apenas avalizaria as projeções de inflação de mercado. O Copom poderia, em tese, manter pelo menos parte da sua linha de raciocínio adotada em agosto, o que levaria a uma projeção de inflação e a um ciclo de aperto menores.

Dois pontos são muito importantes nas discussões: a inércia inflacionária e o papel do nível de ociosidade nas projeções. O Banco Central tem insistido, até aqui, que o coeficiente de inércia - ou seja, o quanto a inflação passada contamina a inflação futura - não mudou. Alguns analistas do mercado têm alertado, porém, que esses coeficientes podem mudar de acordo com as circunstâncias. Em períodos como o atual, em que a inflação corrente acumulada em 12 meses chegou a 9,7%, aproximando-se de dois dígitos, os agentes econômicos olhariam mais os índices passados para fixar os preços e os salários na economia.

O outro ponto é o nível de ociosidade da economia. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse há alguns dias que, no Relatório de Inflação a ser divulgado ainda neste mês, o Copom vai abrir um pouco mais da “modelagem” do nível de ociosidade. Se o mercado estiver calculando mal a ociosidade da economia, subestimando-a, tenderá a superestimar o ciclo de aperto.

O simples fato de o BC ter indicado que vai apresentar uma nova “modelagem” para estimar a ociosidade da economia já levou alguns no mercado a torcer o nariz. O Copom já divulgou vários dos seus modelos, de forma detalhada, que são conhecidos. Um dos modelos estima a ociosidade a partir do nível do juro, da política fiscal e da incerteza econômica. Há modelos, também divulgados, que extraem o nível de ociosidade a partir de outras variáveis econômica, como a própria inflação. E tem também cálculos a partir do desemprego formal dos dados do Caged, do desemprego do IBGE e do nível de utilização da capacidade instalada na indústria.

O que poderia haver de novo? Campos Neto disse que os novos exercícios do BC vão ajudar a ler os dados melhor em meio a todo o ruído nas estatísticas econômicas causado pela pandemia.

 

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