O Estado de S. Paulo
Qual será a lealdade do atual presidente:
ao País ou aos seus seguidores mais empedernidos?
O surpreendente convite do presidente
Bolsonaro ao ex-presidente Michel Temer para uma reunião no Palácio do
Planalto, da qual resultou um documento da maior importância, pode tanto
configurar uma inflexão do atual governo como uma trégua momentânea para
reduzir os perigos de uma crise institucional. Inflexão no caso de o presidente
Bolsonaro optar por governar, afastando o fantasma, cada vez mais presente, do
impeachment, ou trégua visando a agrupar as suas forças para um novo assalto.
Tudo distingue o atual presidente do anterior. O atual é uma pessoa belicosa à procura incessante de conflitos. É como se fosse uma criança que, ao se levantar, se pergunta com quem vai brigar naquele dia. Seus dois anos e meio de governo foram caracterizados por embates sucessivos, sempre procurando criar um problema e potencializar um conflito. O anterior é uma pessoa calma, fidalgal, que se caracteriza pelo diálogo e pelo espírito de conciliação. Em seu governo, se via um problema, sempre procurava equacioná-lo num clima de pacificação. Nada os aproxima em termos de caráter, porém é aqui significativo que o presidente Bolsonaro tenha procurado o diálogo precisamente com ele. Foi uma atitude corajosa.
Por que Temer? Primeiro, conforme
assinalado, porque o ex-presidente é uma pessoa de interlocução, de
pacificação, joia rara no atual governo e, mesmo, na cena política nacional.
Para Bolsonaro, um ex-presidente com tal qualificação é um bem maior, sobretudo
considerando o seu entorno. Segundo, porque Michel Temer indicou o ministro
Alexandre de Moraes para o Supremo, mantendo com ele relações de amizade até
hoje. Logo, uma pessoa com perfil adequado para tal diálogo, para uma
conciliação possível. Terceiro, o ex-presidente é próximo e amigo do atual
presidente do MDB, deputado Baleia Rossi, que publicou uma lúcida e contundente
nota a respeito dos eventos do 7 de Setembro, sinalizando claramente o seu
afastamento em relação ao atual governo, alinhando-se a outros partidos do
centro como o PSD e o PSDB.
E por que Bolsonaro recorre a Temer?
Primeiro e acima de tudo, porque tem medo do impeachment. A sua base de apoio
parlamentar se reduz a cada dia, restringindo-se hoje, basicamente, ao PP, ao
Republicanos e ao PL, com o segundo partido já indicando o seu distanciamento.
Segundo, apesar de as manifestações de São Paulo terem sido expressivas,
ficaram longe de sua estimativa de 2 milhões de participantes, além de Brasília
ter ficado ainda mais longe da estimativa de 1 milhão de pessoas. Apesar do
barulho, pouco resultado. Terceiro, medo da reação do Supremo com o firme
posicionamento de seu presidente, ministro Luiz Fux, em defesa da Constituição
e das regras republicanas, não se deixando intimidar. Quarto, utilizando uma
linguagem militar, não reuniu forças correspondentes à sua tão propalada
demagogia do enfrentamento.
Bolsonaro e Temer, ademais, representam
duas concepções antagônicas da política. O primeiro se pauta pela distinção
entre amigos e inimigos, sempre à procura de alguém a ser eliminado segundo sua
percepção conspiratória do mundo. Haveria sempre um inimigo à sua espreita.
Instituições democráticas, nesse sentido, seriam meros obstáculos que deveriam
ser removidos para a imposição de sua vontade autoritária. O segundo, ao
contrário, caracteriza o seu comportamento pela conciliação, pelo diálogo, pelo
respeito às instituições democráticas. Ou seja, a política, para ele, se define
pelo respeito à Constituição, fora da qual não há salvação.
Logo, o diálogo proposto por Bolsonaro ao
representante do diálogo democrático, apesar da redundância, coloca a seguinte
questão: estará o presidente se convertendo a convicções democráticas, ao
respeito do outro e da Constituição em nome do bem comum?
Ambos, no passado, já tinham chegado a
acordos verbais que não foram respeitados pelo presidente Bolsonaro, que,
imediatamente, voltou aos seus confrontos habituais. Há, porém, uma mudança
significativa aqui: um documento escrito assinado pelo atual mandatário.
A história religiosa tem inúmeros exemplos
de conversões bem-sucedidas, como a de Santo Agostinho (ou Agostinho de Hipona,
conforme a tradição protestante), admiravelmente narrada em suas Confissões. Será que o atual
presidente estaria se convertendo realmente? Ou estaria ele simplesmente
ensaiando um recuo tático para reagrupar forças?
Para o bem do País, o mais desejável seria
a efetivação desta conversão, assegurando tranquilidade, trazendo segurança
política e propiciando o desenvolvimento econômico e social deste sofrido
Brasil. Para ele, asseguraria a sua sobrevivência, afastando o espectro do
impeachment que o assola e dele se aproxima. Resta combinar com sua família e
com sua base eleitoral, que sentiu profundamente o baque, enchendo-o de
impropérios, os mais amenos sendo o de traidor e o de frouxo. Qual será a sua
lealdade: ao País ou aos seus seguidores mais empedernidos?
*Professor de filosofia na UFGRS.
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