O Globo
O Brasil pode ser uma economia de baixo
carbono. Mas o salto no futuro próximo depende de nossas decisões no presente
No momento em que se torna cada vez mais
urgente acelerar o processo de transição energética, o Brasil possui rara
condição para se destacar no enfrentamento à crise climática.
Temos a Floresta Amazônica, vastas
extensões de terras, matriz energética renovável, clima favorável, uma
sociobiodiversidade singular, além de vantagens competitivas no acesso a
recursos hídricos de qualidade, na produção de alimentos e no desenvolvimento
de produtos de baixo carbono. Nesse sentido, a necessidade do mundo
apresenta-se como possibilidade econômica e geopolítica de reposicionar o
Brasil e sua estratégia de desenvolvimento.
O anúncio de que Belém sediará, em 2025, a 30ª conferência da ONU sobre o Clima (COP-30) confirma que temos protagonismo a exercer. Mas de pouco adiantará se não fizermos o dever de casa.
A devastadora performance do último
governo, com aumento do desmatamento e violação dos povos tradicionais, e as
decisões recentes do Congresso, esvaziando os ministérios de Meio
Ambiente e dos Povos Indígenas e enfraquecendo regras de proteção ambiental e
demarcação de terras indígenas, mostram que o caminho não é simples.
A transição para uma economia de baixo
carbono implica mitigar emissões de gases do efeito estufa e adaptação urgente
ao aumento da temperatura. Ações como reflorestamento e proteção de
ecossistemas naturais são essenciais para evitar danos irreversíveis, mas
insuficientes.
Mesmo assumindo tais esforços, a crise
climática já está ocorrendo e demanda resiliência e adaptação. Além de medidas
como o planejamento urbano para a construção de infraestruturas resistentes a
eventos climáticos extremos, é preciso avançar em pesquisa e desenvolvimento de
tecnologias biológicas. Isso permitirá, por exemplo, desenvolver biofármacos
para lidar com novas pandemias ou até doenças respiratórias e cardiovasculares,
que deverão ser agravadas pelo aumento do calor e da poluição.
Cuidar dessas duas frentes trará benefícios
que vão além da preservação ambiental, podendo melhorar a produtividade da
economia e as condições de vida da população. Essa é uma conclusão dos
pesquisadores Alvarenga Junior, Costa e Young no estudo “Um Green New Deal para o Brasil”, de 2022.
Eles estimam crescimento de R$ 1,3 trilhão na atividade econômica, R$ 121
bilhões a mais por ano em arrecadação tributária e a criação de 9,5 milhões de
postos de trabalho até 2030.
Essa tendência no mercado de trabalho é
global. Segundo o relatório “The
Future of Jobs 2023”, do Fórum Econômico Mundial, as taxas de contratação de
empregos verdes vêm superando a taxa média de contratação ano a ano desde 2019.
No entanto, tais carreiras variam bastante
entre si para dar conta dos desafios previstos, lidando, entre outras, com as
áreas de produção, transformação e gestão de recursos naturais; soluções
sustentáveis para a infraestrutura urbana; e agropecuária sustentável.
Alguns desses empregos verdes são, por
exemplo, técnicos de processamento de biocombustíveis, ecodesigners,
nanotecnologistas, engenheiros agrônomos digitais. Posicionar-se para esse
futuro solicita mudança profunda na educação.
Aproveitar as oportunidades da transição
requer assegurar uma educação ecológica e ambiental desde os primeiros anos
escolares, promovendo a conscientização e o sentido de pertencimento à nova
fase do mundo e aplicando conhecimentos na prática.
Exige também investir em formações técnica
e universitária adequadas às reconfigurações do trabalho, formar trabalhadores
em programas de qualificação e requalificação profissional conectados às
demandas de mitigação e adaptação, além de desenvolver e consolidar as frentes
de pesquisa, ciência e inovação voltadas à economia de baixo carbono. Por fim,
é preciso estabelecer um sistema de incentivos e desenho de cadeias produtivas
para alavancar investimentos privados.
No Brasil há espaço para a opção
estratégica de transformação ecológica associada a uma economia de baixo
carbono. Uma trajetória que produza dinâmica de crescimento econômico
sustentável e inclusivo.
Inclusivo não só por conter as forças
aceleradoras de desigualdade derivadas da emergência climática, mas também por
aproveitar essa transição para criar condições de mobilidade social que reduzam
nossas históricas desigualdades.
Esse caminho pode organizar as agendas de
investimento pública e privada de modo a gerar um salto que, em algumas
décadas, coloque o país em posição econômica e social muito acima do que seria
possível projetar com as configurações atuais. Mas o salto no futuro próximo
depende de nossas decisões no presente.
*Ricardo Henriques, economista, é superintendente-executivo do Instituto Unibanco e professor associado da Fundação Dom Cabral
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