O Globo
Meu bom amigo José Aníbal, ex-senador
paulista, telefona e me pergunta:
— Dez anos depois de 2013, como ficou o
país? Melhor?
Eu estava na balsa de Ilhabela-São
Sebastião, final de tarde. Diante de meus olhos, a exuberância da Mata
Atlântica e a repentina lembrança de que os agrotrogloditas da Câmara abriram
espaço para sua destruição.
— Olha, Zeaníbal, a luta contra a ditadura
dos milicos foi mais fácil. Agora parece que todos querem destruir a minguada
civilização brasileira.
Pensava nos votos dos petistas para
desmontar os ministérios de Marina Silva e Sonia Guajajara. E no imenso terno
usado por Nicolás Maduro ao ser recebido por Lula da
Silva. A quantidade de pano ali soou opressiva.
— Não precisa responder de imediato — ele
me disse.
Os 20 minutos de duração da travessia do
canal sempre sugerem uma espécie de cápsula do tempo, com a realidade suspensa,
distante da algaravia mundana. É um instante — a mim bastante comum — quando se
encontra o Brasil de Tom Jobim e Noel Rosa, jamais o compadrio de Arthur Lira.
Ou o anacronismo de Gleisi Hoffmann.
— Não preciso pensar muito, Zeaníbal. Basta pensar no tio da Damares.
Em 2013, sob o governo Dilma Rousseff,
turbas jamais vistas saíram às ruas em protesto contra o estado geral das
coisas. Protestavam pela péssima qualidade dos serviços públicos, pelo aumento
das tarifas dos transportes e pela má aplicação dos recursos do contribuinte.
Foi um esgar contra tudo, quando se pensou que o brasileiro enfim passara a
brigar para ser cidadão, deixara o papel de massa de manobra.
Até que a receita azedou. Em meio às
reivindicações, justas a maioria delas, sentia-se o cheiro dos meliantes de
sempre; escondidos em trajes de Rambo, tão exóticos quanto os eleitores de
Daniel Silveira, pediam intervenção militar. Eram poucos, já enrolados em
bandeiras do Brasil, porém se destacavam pela desfaçatez em querer novamente a ditadura.
Com uma camada de verniz, não tão néscios portanto, havia ainda a pretensa nova
direita do MBL; reacionária no discurso em embalagem de “mauricinhos”
voluntariosos — logo transformados em porta-estandartes de Bolsonaro. Como
surgiram também os black blocs, espécie de lupenzinato periférico em máscaras
pretas. Exalavam já o ódio que mais tarde marcaria os posts dos pastores
bolsonaristas.
A vitória a fórceps de Dilma Rousseff em
2014 se daria com a amplificação do dístico de Lula da Silva: “nós” contra
“eles”. Você não pode esquecer esse mantra para compreender o Brasil desde
então: nós e eles. A clivagem fora inaugurada. No caso, com o massacre de
Marina Silva embrulhado em fake news e aleivosias típicas do vindouro
bolsonarismo. Como se demonstrou, seria mais fácil bater o playboy Aécio Neves.
Um segundo turno entre Dilma e Marina colocaria em xeque o discurso retrógrado
e mal acentuado da petista. Basta lembrar que a Gleisi já estava no pedaço. E
Guido Mantega (!) vendia terreno na Lua.
As passeatas de 2013 e o impeachment de
Dilma, em 2016, embalado por uma crise econômica impulsionada pela gestão petista
da economia, não apenas chamuscaram a esquerda (o “nós” de Lula), como
recolocaram em jogo a direita que ousa dizer seu nome (o “eles”, até então
sujeito oculto da frase). Com Bolsonaro, o Brasil reviveu a extrema direita do
primeiro governo Vargas e de Emílio Médici e Ernesto Geisel no período militar,
sempre lembrados pelo desaparecimento físico de seus opositores políticos.
Quis o destino forjar uma frente ampla, com
Lula e Alckmin na cabeça de chapa, para derrotar o capitão. Os eleitores foram
obrigados a esquecer que o “eles” da frase ocorreu por causa do “nós”, mas a
briga por salvar a civilização impunha um sacrifício menor. A chapa juntou um
tipo de esquerda e outro de centro-direita, abrigado num partido ora socialista
(parece, e é uma salada à Didi e Mussum). Em cinco meses de governo, esquecendo
que Dilma e Bolsonaro foram ao espaço por causa da economia, o que temos?
1. Um presidente viajante matraqueando as
calúnias diplomáticas assopradas por Celso Amorim. Eu ouvi: Lula disse que seu
assessor andou pela Venezuela e garantiu que tudo anda limpeza lá. Como esteve
com Putin e de lá trouxe boas recordações;
2. Um “nós” que diz querer dinheiro de
países para proteger a Amazônia e, noutra mão, não protesta contra a ideia de
exploração de petróleo numa área riquíssima em recifes e corais. A típica
modernidade petista;
3. Um vice-presidente e ministro que quer
dar subsídio para as multinacionais venderem mais barato seus automóveis. É o
deserto de ideias também na centro-direita;
4. Eu lembro: Alckmin já falou e ameaçou
proibir o celular pré-pago para baixar a criminalidade;
5. Não ria; 2013 não é uma foto na parede.
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