segunda-feira, 5 de junho de 2023

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Uma escalada de sentidos saltam de falsas narrativas

"Vou nomear sempre alguém com quem possa conversar por telefone", respondeu Lula ao jornalista, quando questionado sobre a nomeação do seu "amigão pessoal" e advogado particular, Cristiano Zanin, para ministro do Supremo Tribunal Federal. Seguindo por esse caminho, para o jurista Ives Gandra, a divisão constitucional entre Poderes do Estado no Brasil tende a virar ornamento nesta imprevisível gestão de Governo.

De fato. Até a história parece perder a sua utilidade. Na semana anterior, Lula recomendou ao ditador da Venezuela, Nicolas Maduro, recebido com honras de Chefe de Estado: "Faça sua própria narrativa".   Ignorou que Maduro está com cabeça à prêmio (US$ 75 mil) por "crimes contra a humanidade", detectados por uma Comissão de investigação da Organização das Nações Unidas (ONU): expulsão de 3 a 4 milhões de famílias, perseguidas como Oposição; eleições fraudulentas; ligação com o narcotráfico; violência policial contra civis; e prisão de centenas de políticos.  São milhares de venezuelanos sendo empurrados para o Brasil (700 mil), para a Colômbia (1 milhão), para o Peru, para Chile, que perdem a cidadania. Acrescem-se a isso o desemprego e a fome no País. Os venezuelanos estão se alimentando de pombos e gatos domésticos, cachorros de rua e até ratos, no estilo dos judeus confinados pelos nazistas no Gueto de Varsóvia, na Polônia, registrado pelo escritor Leon Uris, no livro Mila 18.  Para o nosso revolucionário presidente do Brasil, entretanto, "A Venezuela é uma democracia plena". É só mudar a narrativa.

O desembarque de Maduro por aqui é fruto de um encontro de presidentes da América do Sul, inspirado pelo brasileiro, batizado  de Cúpula do Sul. Dele saiu um documento intitulado Consenso do Sul, segundo o qual todos aqueles países se esforçariam, a partir de agora, para desenvolver uma política ambiental comum, a criação de um padrão monetário próprio, que livrasse a região de moedas externas, e a implantação de uma política de fronteiras mais flexível (O que é isso?!). 

É a configuração que se quer para UNASUL - União das Nações Sul Americanas. Parece próxima dos ideais de Wladimir Putin para a restauração   da velha URSS-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Enquanto o líder soviético, com reservas monetárias limitadas e estilo stalinista prefere   utilizar-se de forças militares contra os territórios vizinhos e amigos (Chechênia, Geórgia, Ucrânia, Bielorussia), o líder do Partido dos Trabalhadores no Brasil confia na sua retórica artificiosa e nos cofres do BNDES.  

Especula-se que o documento assinado em Brasília teria motivações outras, que não a simples integração regional. Uma delas seria enterrar ou incorporar o Mercosul definitivamente à UNASUL. Na opinião de Volodymyr Zelenski, da Ucrânia, o brasileiro    estaria tentando emplacar-se como uma referência regional. Agora virá a reunião com os países amazônicos, tratada como uma preliminar   Conferencia do Clima - Cop 28, que o brasileiro projeta para ser realizada em Belém. É uma oportunidade calculada para desfilar virtudes da Amazônia e arrecadar novas doações em dinheiro, em nome do meio ambiente. Ora, se verdade, ninguém dá almoço de graça. Não se cogita de que a estratégia pode representar uma ameaça à integridade da unidade territorial e política do Brasil. 

Na reunião de Brasília, alguns presidentes, principalmente de países que estão dando calote no Brasil - só a Venezuela US$ 1,5 bilhão) -,  baixavam a cabeça para o novo documento, evitando criticar a narrativa e a coerência do texto. Lacalle Pou, do Uruguai, acusado como de direita; e Gariel Boric, do Chile, líder histórico da esquerda no Continente, reagiram, entretanto, com pronunciamentos duros contra as promessas, atitudes, posturas, omissões e compromissos políticos pouco explícitos assumidos pelo presidente brasileiro, em viagens ao exterior, sobretudo, fora da comunidade americana.   

O ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso, vem advertindo que "o Brasil está neste momento carente de bom senso", ou - quem sabe - engajado em um projeto de Poder mundial, como o da China. Daí a construção e reconstrução de narrativas novas sem aderência com a realidade interna. Para não ficar na dependência da    iniciativa privada, o governo brasileiro está criando mais 17 novos ministérios, que vão se juntar aos 23 já existentes. Serão milhares de novos empregos instituídos no coração do Estado, e que vão enfrentar inovações tecnológicas introduzidas na máquina pública pelos próprios governos. Não parece ter relação com eficiência da gestão pública. 

Alardeia-se uma política ambiental comum e transversalizada, mas, paradoxalmente, o País, importador histórico de petróleo, tem dificuldade de administrar as pressões dos acionistas da Petrobrás e do agronegócio, este responsável   por não deixar a economia entrar em estado distopico. Sem ele o PIB seria negativo. O marco temporal para a demarcação das terras dos índios - considerada aquelas habitadas por indígenas até 1988 - legitima a sua ocupação pelos negócios agrícolas. A invasão de propriedades rurais e a reforma agrária tendem a ser substituídas por um amplo recadastramento rural. Proposta que visaria    redefinir quem é ou não proprietário   rural e - quem sabe no meio urbano - no Brasil.  Os Sem Terra e os Sem Teto estão a espera de uma solução. Por açodamento ou competência relativa, são muitos os tropeços pela frente.

No Congresso uma Comissão Parlamentar de Inquérito começa desconstruir a narrativa oficial da invasão do Palácio do Planalto, constatando-se, de um lado, que agentes do novo Governo, inclusive próximos do novo Presidente, facilitaram a entrada dos invasores. Em segundo lugar, os invasores não seriam exclusivamente os mesmos acampados à frente do quartel do Exército, no Setor Militar Urbano, mas centenas de militantes que desceram, em Brasília, de dezenas de ônibus para, supostamente, festejar a posse de Lula. A narrativa digerida pela mídia, e deglutida pelo Judiciário, teria sido construída marquetologicamente, similarmente a eventos anteriores com grande manipulação sentimental da população.

Assim, aos trancos e barrancos, as coisas vão pulando de uma retórica, aparentemente, vazia, invasiva e insensata, acomodada no STF, com jurisprudências duvidosas, para ganhar forma no mundo real.  Os brasileiros estão ficando confusos. Não sabem mais distinguir com clareza o que é uma ditadura de uma democracia social. Ninguém sabe para onde se está indo, e até com quem, enfim, se meteram. Não existem sinais de futuro, senão de desconstrução. A própria frente de oposição no Congresso esboça reações mas, mostra-se sensível à liberação de R$ 1,7 bilhão de recursos para as tais emendas parlamentares. Dinheiro vivo para aprovação da MP de criação dos novos ministérios. É a legitimação, de cara limpa, do "toma lá da cá", numa afronta geral, sem constrangimentos. E assim, resolve-se com um telefonema.   

Pelo caminho vão surgindo alguns mais conscientes arrependidos, como FHC, Joaquim Barbosa e partidos mesmo. Mas o leite está derramado.   Tanto Chavez quando Maduro, ou Ortega, Putin e outros simularam exatamente assim.  No Equador, mal foi empossado, o novo Presidente baixou um ato suspendendo as atividades do Congresso. Resultado: foi "impichado".  É ingenudade assumir que Lula só quer uma visibilidade universal. Se é isso, tem aí algo de doentio, vingativo e narcisista conduzindo o Estado Brasileiro.  A Nação    nada em um mar de falsas narrativas. Está ficando difícil confiar em alguma coisa, em instituições ou em alguém. O "fake" começa, enfim, a ganhar materialidade.

*Jornalista e professor

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