Descobertas do Censo trazem novos desafios para a sociedade
Valor Econômico
Revelação mais impactante é que a população
aumentou menos do que se esperava
À medida que as descobertas do Censo do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022 são analisadas,
novos desafios emergem e demandam respostas da sociedade. A primeira delas e
mais impactante é que a população aumentou menos do que se esperava. O IBGE
constatou que a população cresceu 0,52% em média, ao ano, entre 2010 e 2022,
praticamente a metade das décadas anteriores. Foi a menor taxa em 150 anos,
desde o primeiro Censo, em 1872. Assim, o Brasil chegou a 2022 com 203 milhões
de habitantes, apenas 6,5% a mais do que os 190,8 milhões do censo anterior,
feito em 2010.
A população cresceu 12 milhões de pessoas, 5 milhões a menos do que os 17 milhões esperados, e não se sabe exatamente o motivo. Há algumas hipóteses, entre elas as mortes causadas pela pandemia de covid-19, certamente subestimada em 700 mil pessoas, as mortes causadas por uma epidemia de zika alguns anos antes, a emigração dos mais jovens diante do enfraquecimento da economia e a queda da natalidade. Todas elas juntas talvez ajudem a explicar o que aconteceu.
Embora os achados etários do Censo 2022 ainda
não tenham sido divulgados, é possível inferir que a população envelheceu, com
consequências no mercado de trabalho, nas políticas públicas de educação, de
saúde e de previdência. Um dos principais focos atuais da educação é a
pré-escola, o período de alfabetização e o primeiro ciclo do ensino
fundamental. Com menos crianças nascendo, seria possível direcionar os esforços
para faixas etárias mais altas e aproveitar a infraestrutura para expandir o
ensino integral e o técnico, segmento em que o Brasil está bastante atrasado na
comparação com os países da OCDE, e reduzir o gap de produtividade, outro grave
problema do país. No entanto, a pandemia afetou seriamente a aprendizagem e
será necessário correr atrás das deficiências, inclusive dos mais jovens, que
foram os mais afetados pela dificuldade de acompanhar as aulas à distância.
Em relação à distribuição da população no
espaço, o novo Censo mostrou crescimento menor e até redução do número de
habitantes nos municípios mais populosos. Regiões de maior dinamismo econômico,
como o Centro-Oeste, atraíram as pessoas. A expansão do home office durante a
pandemia estimulou a busca de moradias em locais mais tranquilos. Mas a maior
parte da população - 61,1%, o equivalente a 124,1 milhões de pessoas - ainda vive
em grandes concentrações.
Em consequência, houve a multiplicação do
número de domicílios. A quantidade de casas aumentou 34%, de 67,5 milhões em
2010 para 90,7 milhões em 2022. Em paralelo, houve uma importante redução da
média de moradores por domicílio, que passou de 3,31 em 2010 para 2,79 pessoas
em 2022.
A expansão dos domicílios traz desafios ao
saneamento básico e dificulta o cumprimento das metas de universalização do
serviço. O marco legal do setor estabelece que, até 2033, 99% das casas devem
receber água potável e 90%, coleta e tratamento de esgoto. Hoje, ao menos 35
milhões de pessoas não têm acesso a água tratada, e cerca de metade da
população não é atendida por rede de esgoto, segundo o Instituto Trata Brasil.
O Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do governo federal,
já registra o aumento dos pedidos de ligação em rede de água e esgoto, que
dobraram entre 2002 e 2021. Mas o número de pessoas atendidas cresceu menos,
37%. Tecnicamente, se a população está mais concentrada, o cumprimento da meta
é mais viável economicamente.
O Censo 2022 descobriu ainda que a
quantidade de domicílios vagos particulares no país é de 11,4 milhões, 87% a
mais do que em 2010, e nada menos do que o dobro do déficit habitacional mais
recente calculado para o Brasil, pela Fundação João Pinheiro. Pela metodologia
do IBGE, não estão incluídos nesta conta os domicílios de uso ocasional,
destinados ao aluguel por temporada por aplicativos, por exemplo. Ajudam a
explicar esses números a queda de renda observada durante a pandemia e a
estagnação econômica no período, que obrigaram a devolução de imóveis e
dificultaram a obtenção de crédito.
Os números mostram que o problema do
déficit habitacional pode ser enfrentado não só com a construção de novas
moradias, mas também com o estímulo ao uso das existentes e vazias. A tendência
ocorre em praticamente todo o país, tanto em regiões mais ricas como na
periferia, não se limitando ao mero fenômeno de esvaziamento dos centros
urbanos. De acordo com o Censo, 78% dos 5.570 municípios brasileiros têm mais
de 10% dos domicílios vagos.
É grande a expectativa com a divulgação de dados mais detalhados do Censo de 2022, os microdados, especialmente os referentes às faixas etárias, que vão dimensionar o quão distante estamos do bônus demográfico e a velocidade da mudança do perfil etário dos brasileiros. O detalhamento pode confirmar ou não os piores temores a respeito do envelhecimento da população, e suas repercussões na educação, políticas de saúde, previdência e mercado de trabalho.
Congresso deveria aprovar projeto que
limita supersalários
O Globo
Estudo mostra que país economizaria R$ 3,9
bilhões se fosse cumprido teto constitucional para o funcionalismo
Mexer na remuneração de servidores
beneficiados com supersalários é sempre um tabu para a classe política, devido
às pressões exercidas pelas poderosas corporações do funcionalismo. Mas precisa
ser enfrentado, especialmente num momento em que o país busca espaço fiscal
para atender a população carente em suas necessidades mais básicas. Um estudo
do Centro de Liderança Pública (CLP) mostra que seria possível economizar R$
3,9 bilhões por ano se fosse respeitado o teto, hoje em R$ 41.650, valor pago
aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo o levantamento, 25.300 servidores
dos três níveis de governo recebem em média R$ 12.685 acima do teto. A maioria
(15.300) está lotada nas repartições estaduais, gerando um gasto de R$ 2,54
bilhões além-teto; outros 7.700 são funcionários públicos federais (R$ 900
milhões); e 2.275 ocupam cargos nos municípios (R$ 440 milhões). Os cálculos
foram feitos com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do
IBGE em 2022.
Mesmo ponderando que parte das remunerações
acima do teto seja legítima, como indenizações devidas, o impacto ainda é
considerável. É verdade que servidores com supersalários correspondem a apenas
0,23% dos 11 milhões de estatutários no país, mas o percentual não torna a
distorção menos absurda. Não só por uma questão de moralidade pública, mas
também porque o respeito ao teto liberaria recursos para áreas essenciais como
educação, saúde, segurança etc.
Como aponta o estudo, uma forma de corrigir
essas distorções seria a aprovação no Congresso do Projeto dos Supersalários,
que regulamenta o teto do funcionalismo, disciplinando o pagamento de auxílios
que driblam os limites constitucionais. O PL hoje está parado na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Infelizmente, a classe política segue em
sentido contrário. Em vez de priorizar a aprovação de um projeto que reduziria
injustiças no setor público e daria destinação melhor aos recursos, trabalha
para aumentar regalias — e, consequentemente, os gastos. Um exemplo é a PEC que
tenta ressuscitar o adicional por tempo de serviço para juízes. Extinto em
2006, garantia promoções automáticas num valor que chega a R$ 10 mil mensais.
Não bastassem os auxílios de todo tipo, uma ação da Associação dos Juízes
Federais (Ajufe) no STF reivindica a volta dos pagamentos suspensos — com
efeito retroativo. Poderia representar despesa extra de R$ 1 bilhão para o
Tesouro.
Parece óbvio que, se existe um teto
constitucional para os salários dos servidores, ele deve ser cumprido, caso
contrário não precisaria haver um teto. Mas nada é óbvio no país em que as
exceções viram regra. Não faz sentido permitir que penduricalhos engrossem os
salários de castas do funcionalismo que já ganham muito bem enquanto existem
tantas demandas por todos os cantos do país. Não faltam áreas carentes de
investimentos nos três níveis de governo. Essa situação desalentadora deveria
instar o Congresso a aprovar logo o projeto que disciplina os supersalários. Os
R$ 3,9 bilhões gastos hoje para pagar excessos à elite do funcionalismo
poderiam melhorar a vida de muita gente em todos os estados da Federação.
Plano de Lula de finalizar acordo com UE
neste ano é positivo
O Globo
Em Bruxelas, presidente declarou intenção
de aparar arestas ainda existentes com europeus
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva disse ontem que o Brasil pretende concluir “ainda neste ano” um acordo de
livre-comércio “equilibrado” entre o Mercosul e
a União
Europeia (UE). Em Bruxelas para a III Reunião de Cúpula da
Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da UE, Lula
encontrou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que afirmou
querer finalizar o acordo “o mais rápido possível”. Será positivo se as
declarações se traduzirem em avanços entre os negociadores sul-americanos e
europeus. Para o acordo tornar-se uma realidade, os dois lados terão de ceder.
As negociações foram iniciadas em 1999 e
concluídas em 2019, prevendo a eliminação de impostos de importação para mais
de 90% dos bens comercializados entre os dois blocos após 15 anos. Porém, no
começo do ano, os europeus apresentaram um adendo exigindo uma meta impraticável
para o fim do desmatamento e sanções em caso de descumprimento. Desde que
assumiu, Lula passou a martelar o desejo de rever uma parte do texto já
acordado sobre a participação de empresas europeias em licitações do governo
brasileiro.
A discussão dos pontos de discórdia não
pode perder de vista o principal: é do interesse do Brasil, dos demais países
do Mercosul e também da UE finalizar o acordo. Para os sul-americanos, a
implementação representará o aumento de cotas para a exportação de produtos
agrícolas, a elevação dos investimentos e uma posição mais favorável para se
integrar às cadeias globais de valor. Do ponto de vista da UE, a aproximação
com o Mercosul torna mais fácil a tarefa de diversificar os mercados externos.
Na quinta-feira, a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena
Baerbock, avisou líderes empresariais locais sobre a necessidade de reduzir a
dependência da China. A Alemanha tenta aprender com o erro de ter mantido um
relacionamento estreito com a Rússia até a invasão da Ucrânia.
As principais barreiras para a implantação
do acordo Mercosul-UE podem ser transpostas. Lula deveria abandonar a posição
intransigente de querer tirar os europeus das compras governamentais, com o
pretexto de proteger a política industrial. O acesso exclusivo a licitações não
tem impedido a perda de peso da indústria brasileira ao longo de décadas. A
obsessão por essa questão já ajudou a inviabilizar outros acordos, como o da
Área de Livre-Comércio das Américas (Alca). A repetição do erro seria
inaceitável.
No lado europeu, a exigência de determinar
o que constitui desmatamento é um exagero. O Brasil possui metodologia para
definir a destruição de florestas. Conta ainda com instituições capazes de
identificar ações ilegais. Os prazos exíguos para se adequar também precisam
ser revistos. Os próximos meses revelarão quanto Lula e Ursula realmente querem
viabilizar o acordo.
O poder do agro
Folha de S. Paulo
Setor firma-se como um dos mais dinâmicos,
mas desmatamento segue como problema
O agronegócio brasileiro consolidou-se como
uma história de sucesso em meio à ciranda de crises que o país vivenciou nos
últimos anos.
Principal motor do PIB no primeiro
trimestre, com crescimento de 21,6% sobre os últimos três meses de 2022, o
setor tem se revelado fundamental
para o desenvolvimento de algumas regiões, com queda importante em indicadores
de desigualdade social.
No novo censo do IBGE, Centro-Oeste e Norte
do Brasil, fronteiras agrícolas mais recentes, foram as únicas regiões com
aumento populacional superior à média. Cresceram 1,23% e 0,75%,
respectivamente, acima do 0,52% no país.
Atraindo levas de trabalhadores de locais
menos dinâmicos, os PIBs de Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Rondônia evoluíram
nos últimos 16 anos em ritmo muito superior ao de vários estados —e mais que o
dobro em relação ao paulista.
Uma série de reportagens publicadas por
esta Folha mostrou que 25% da economia é baseada atualmente no agronegócio,
contando agropecuária, agroindústria, insumos, distribuição e outros serviços.
Há vários motivos para esse desempenho.
Entre eles, a criação da estatal Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa) há 50 anos, que disseminou a tecnologia no campo; o empreendedorismo
de pioneiros do Sul no Centro-Oeste e no Norte; e a ascensão da renda chinesa,
que disparou o consumo de alimentos naquele país.
Entre outros, esses fatores fizeram com que
a produção brasileira de grãos saltasse de 58,3 milhões de toneladas, no início
dos anos 1990, para 316 milhões (+445%) na safra atual. No período, a área
plantada avançou bem menos: de 39 milhões de hectares para 78 milhões (+100%),
evidenciando a elevada produtividade do setor.
O Brasil ocupa 9% de seu território com
lavouras e tem outros 26% em pastos e terras degradadas.
Segundo especialistas, essas áreas são mais
do que suficientes para novos saltos na produção, sem a necessidade de desmate
adicional.
Apesar de o Ministério do Meio Ambiente
avaliar que os desmatadores compõem uma minoria, boa parte das terras
devastadas acaba sendo adquirida por fazendeiros.
Sanções
internacionais contra a prática estão a caminho, sobretudo da União Europeia.
Deveria ser do interesse dos próprios ruralistas, e de sua grande bancada no
Congresso, ajudar a identificar e reprimir os que ainda colocam em risco o
grande sucesso de sua atividade.
Escola integral
Folha de S. Paulo
Fim de programa federal é bem-vindo, mas
estimula estados a expandirem modelo
O Ministério da Educação deu início
ao processo de
extinção do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares, uma
bandeira do governo Jair Bolsonaro (PL).
A pasta enviou ofícios às secretarias de
educação para que comecem a transição para o formato regular, até a retirada de
militares das escolas ao final do ano letivo.
Não haverá fechamento de unidades, só
encerramento do modelo bancado com verba federal —já que governos regionais
podem mantê-lo se assim optarem.
Criado em 2019, o programa direciona
recursos para que militares da reserva, policiais e bombeiros atuem na
administração escolar e implementem regras disciplinares. A parte pedagógica e
curricular continua a cargo das secretarias de educação —diferentemente das
instituições de ensino apenas militares, que são totalmente geridas pelas
Forças Armadas.
Tal modelo não é novidade e já vinha
seguindo uma tendência de alta em adesão. Em 2015, havia 93 escolas do tipo no
país. Três anos depois, o número saltou para 120. O que Bolsonaro inaugurou foi
o respaldo ideológico e o fomento federal para a iniciativa, que enfrenta
críticas de especialistas.
Pesquisas mostram que o bom desempenho das
escolas militares, das Forças Armadas ou estaduais com presença militar, se
deve mais ao nível socioeconômico dos alunos, a processos seletivos e ao
dinheiro investido, do que apenas à rígida disciplina militar.
Quando o Estado gasta com infraestrutura,
material didático, e capacitação de professores, sobem os indicadores de
aprendizado.
Segundo o MEC, há 215 escolas
cívico-militares no país. A pasta analisou 202 e concluiu que, de 2020 a 2022,
foram gastos R$ 98 milhões só com pagamento de militares em 120 delas. Desde
2019, o governo empenhou R$ 104 milhões no programa, que alcança apenas cerca
de 0,1% das unidades de ensino.
Políticas públicas devem se basear em
evidências, não em ideologia. Neste sentido, é bem-vinda a interrupção do
programa. Contudo, políticas públicas também geram consequências inesperadas.
No caso, diversos estados, como Paraná e
São Paulo, além do Distrito Federal, já anunciaram
que não apenas manterão o modelo como pretendem expandi-lo.
A medida do MEC, portanto, acaba sendo
pontual e inócua no sentido da demilitarização, apesar de sensata ao cortar
fomento a uma política pública que carece de respaldo pedagógico e científico.
Já há experiências em educação que oferecem
resultados robustos. Escola de tempo integral, valorização e capacitação de
professores, e alocação racional de recursos são algumas das medidas que
merecem atenção e recursos federais.
Alcance da reforma depende do Senado
O Estado de S. Paulo
Imposto dependerá da disposição dos
senadores de reduzir a lista de exceções.
Com a reforma tributária aprovada pela
Câmara dos Deputados, todas as atenções se voltam agora para o Senado, que terá
de dar aval ao texto para que ele finalmente possa entrar em vigor. O Senado,
como esperado, quer deixar sua marca em um projeto que pode tirar o País de uma
longa trajetória de crescimento econômico pífio.
Diferentemente do que ocorreu quando o
texto estava na Câmara, que se concentrou mais nas questões teóricas envolvendo
a proposta, o relator no Senado, Eduardo Braga (MDBAM), tem manifestado que
exigirá do Ministério da Fazenda a apresentação de estudos e parâmetros sobre a
alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) que incidirá sobre cada atividade
e setor.
A pergunta do senador é bastante
pertinente. Embora a reforma tenha deixado essa definição para uma lei
complementar, etapa posterior à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição
(PEC), todos – e não apenas Braga – querem saber qual será a alíquota que
resultará da reforma tributária.
Com a premissa de manter o mesmo nível de
arrecadação, as estimativas iniciais do Executivo apontavam para uma alíquota
básica de 25%, já considerando que alguns setores teriam tratamento
diferenciado. O texto que saiu da Câmara, no entanto, foi mais “generoso” do
que o governo defendia.
A alíquota reduzida a que alguns setores
teriam direito passou de 50% para 40% da alíquota cheia. A quantidade de
setores beneficiados, originalmente restritos ao agronegócio, transporte, saúde
e educação, acabou por incluir hotéis, restaurantes e parques temáticos. As
isenções também foram elevadas e ampliaram o alcance da imunidade tributária de
templos religiosos.
Sem muitas exceções na proposta, a alíquota
poderia até ser inferior a 25%, segundo o secretário extraordinário da Reforma
Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. Mas, como já dissemos neste
espaço, aprovou-se a reforma possível, não a ideal. E, a despeito de todas as
exceções que foram aprovadas pela Câmara, Appy assegurou que a alíquota não
ultrapassaria o patamar de 30%.
Não é improvável que o governo não saiba,
exatamente, qual será a alíquota padrão necessária para manter a arrecadação
dos tributos federais, estaduais e municipais que serão unificados e
substituídos pelo IVA dual. Mas, ao contrário do que sugerem os críticos da
reforma, para quem o governo estaria escondendo os números finais para
ludibriar a sociedade, a resposta está nas mãos do Legislativo – e,
especialmente, nas mãos dos senadores.
Negociadas de última hora, as concessões
atenderam a acordos políticos que garantiram a ampla maioria que a reforma
conquistou na Câmara. Mas é importante lembrar que a lógica do IVA é bastante semelhante
à que rege a meia-entrada em atividades culturais. O custo de produção de uma
peça de teatro não cai quando uma parte do público tem direito a pagar metade
do valor do ingresso; consequentemente, para não haver prejuízo financeiro, é
necessário elevar o valor do ingresso daqueles que não têm direito à
meia-entrada. É o mesmo com os impostos, sobretudo com um governo resistente à
ideia de rever gastos.
É relevante destacar que o manicômio
tributário em que o País se transformou não permite dizer, exatamente, qual a
carga real de imposto embutida em cada produto ou serviço. Além do nefasto
efeito da cumulatividade, a quantidade de leis e regimes especiais paralelos
criou um campo de atuação vasto para quem se beneficia da exploração de
litígios tributários.
Eis, portanto, uma das maiores virtudes da
reforma tributária: a transparência. Mesmo as exceções, até então escamoteadas
pela barafunda de instruções normativas, portarias e resoluções, estão visíveis
a todos, e não apenas para aqueles que se beneficiam da complexidade do modelo
atual.
A melhor marca que o Senado pode deixar na
reforma, portanto, é trabalhar para que o País possa ter a menor alíquota geral
possível. Para isso, a lista de exceções precisa parar de crescer – e,
eventualmente, até diminuir, se isso não comprometer o consenso político que
permitiu o avanço da reforma.
Verdadeira autonomia das universidades
O Estado de S. Paulo
Reforma tributária é oportunidade para
assegurar que os impostos sejam usados na efetiva produção de conhecimento e na
formação de professores e de profissionais essenciais ao País
Entre os efeitos da aprovação pelo
Congresso Nacional da reforma tributária estará a necessidade de rever o modelo
de financiamento das universidades públicas de São Paulo. Definido inicialmente
pelo Decreto Estadual 29.598, de 1989, ele prevê que as instituições de ensino
superior recebam uma parcela da cota-parte do Estado da arrecadação do Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – 75% por cento do imposto
fica com o governo estadual e 25% são distribuídos aos municípios. O mecanismo
entrega à Universidade de São Paulo (USP) cerca de R$ 7,5 bilhões, enquanto
Unicamp e Unesp recebem, cada uma, cerca de R$ 3,7 bilhões.
Os integrantes do Conselho dos Reitores das
Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) estiveram recentemente com o
governador Tarcísio de Freitas e ouviram dele a renovação do compromisso de que
o sistema deve ser mantido após a substituição do ICMS pelo Imposto sobre Valor
Agregado (IVA), o que deve ocorrer gradualmente.
Age bem o governador ao tranquilizar não só
os reitores, bem como a sociedade paulista, que desde a fundação da
Universidade de São Paulo, em 1934, viu o desenvolvimento econômico, científico
e cultural de seu povo se confundir com o destino do ensino público no Estado.
A autonomia econômica das universidades é,
para os reitores, um instrumento fundamental para que o artigo 207 da
Constituição seja uma realidade. Ela garante a essas instituições a “autonomia
didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”.
Devem, no entanto, obedecer ao princípio de indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão. Ou seja, a autonomia acadêmica se realiza somente na
presença da financeira, que garantiria a segurança de fluxo de recursos e a
capacidade de planejamento. Em outras palavras, não há autonomia quando, por
exemplo, os gastos com folha de pagamento de professores e funcionários excedem
a receita da universidade, como aconteceu recentemente na USP.
Por esse motivo, Tarcísio de Freitas e os
reitores podem e devem ir além da mera discussão sobre recursos e sobre o novo
porcentual da arrecadação que será destinado às universidades. A defesa da
liberdade de cátedra e das condições para que ela floresça como uma das
liberdades fundamentais de um Estado Democrático de Direito não deve elidir os
princípios da responsabilidade, da economicidade e da transparência na gestão
pública. É necessário, portanto, às universidades recuperar o espírito do
decreto de 1989, que estabeleceu a recomendação de que os gastos com pessoal
não ultrapassassem 75% dos valores liberados a elas pelo Tesouro estadual.
Em maio, a maior das três universidades – a
USP – recebeu R$ 615 milhões do Tesouro, dos quais R$ 587 milhões em repasses
do ICMS. E gastou 84% desse total com pessoal (R$ 517 milhões). Obteve ainda R$
90,6 milhões com receitas próprias. Esses números devem servir de aviso para
que a segurança financeira não seja acompanhada da falta de controle dos gastos
e da acomodação que despreza a luta pela eficiência e pelo controle da produção
de seus pesquisadores. É preciso assegurar que os recursos dos impostos sejam
usados na efetiva produção de conhecimento, na formação de professores e de
profissionais fundamentais ao País. O dinheiro público não pode ser sequestrado
por interesses corporativos nem pelo conforto da improdutividade acadêmica.
É longa a lista de serviços prestados pelas
universidades públicas ao País. A crise financeira da década passada, com suas
obras inacabadas e a expansão mal programada de cursos e salários, não pode
servir para desqualificar as instituições paulistas de ensino superior. Esse
passado apenas reafirma a necessidade de garantir instrumentos administrativos
efetivos de fiscalização e controle da produção e dos gastos a fim de que a
autonomia universitária não seja alvo de desconfiança, mas um motivo de orgulho
para o País.
Os benefícios do ensino técnico
O Estado de S. Paulo
Multiplicar vagas em escolas
profissionalizantes eleva o PIB e gera bem-estar a baixo custo
Estudo realizado pelo instituto Itaú Educação
e Trabalho mensura o quanto a economia brasileira ganha com um maior e mais
consistente investimento público no ensino médio técnico. A pesquisa conclui
que, ao dobrar o total de 800 mil vagas em escolas profissionalizantes do País,
o Produto Interno Bruto (PIB) aumentaria 1,34%. Ao triplicar, o ganho seria de
2,32%. Até o momento, esses cálculos refletem apenas a extraordinária
oportunidade perdida há anos pelo Brasil nesse campo. Nada impede que os
governos federal e estaduais acordem a tempo.
O estudo Potenciais Efeitos Macroeconômicos com Expansão da Oferta Pública de Ensino Médio Técnico no Brasil evidencia o quão vantajoso seria inserir a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) na estratégia de desenvolvimento do País. Descuidado por diferentes governos e suscetível a mudanças em cada troca de gestão, o ensino médio técnico merece ser tratado como política pública de Estado – modificado apenas para o reforço de sua qualidade e para a atualização de recursos requeridos.
Ao fechar os olhos à expansão dessa
vertente do ensino médio, o Brasil impõe os fardos da menor empregabilidade e
da remuneração mais baixa a uma parcela expressiva da população ativa –
sobretudo para os jovens. O estudo informa que o diploma técnico confere ao
trabalhador, em média, 5,5 pontos porcentuais de vantagem na disputa por um
emprego com quem cursou a escola média convencional. A diferença salarial chega
a 12% em favor do primeiro grupo, mas pode crescer a 50% se o posto de trabalho
pretendido estiver em linha com a formação escolar.
Os dados sugerem também que o EPT confere
algum grau de proteção contra o desemprego. Tanto no grupo de jovens
trabalhadores de 15 a 17 anos como no de adultos de 24 a 65 anos, a taxa de
desocupação mostrou-se três pontos porcentuais menor para os formados em
escolas técnicas. A renda do trabalho por hora, maior entre esses
profissionais, pode explicar essa potencial blindagem.
Simulações do estudo apontam que, além do
aumento da atividade econômica, a ampliação do ensino médio técnico resultaria
na redução dos indicadores de desigualdade social e no aumento do consumo do
País. A propósito desse último item, verificou-se que o consumo deve crescer
0,22% se a oferta de vagas nas escolas técnicas dobrar. Se triplicar, a
expansão será de 0,38%. Isso significa impacto positivo no bem-estar de uma
parcela significativa da sociedade e, especialmente, oportunidades futuras para
jovens trabalhadores.
Os benefícios expostos pela pesquisa contrastam com a atual inércia do ensino médio técnico. Não há como evitar a indignação quando se constata que, diante dos desafios da reindustrialização e do aumento da produtividade, apenas 7% dos estudantes brasileiros do ensino médio têm formação técnica profissionalizante. Na Europa, essa proporção alcança 44%. No México, 34%. Há custo adicional, claro, para dobrar ou triplicar as vagas do ensino técnico, estimado em 0,09% a 0,17% do PIB, mas esse é o típico caso em que vale a pena pagar para ver.
Desenrola tem caráter social e beneficia
empreendedores
Correio Braziliense
Começou o programa do governo Lula para
reduzir o alto índice de inadimplência dos consumidores brasileiros, uma das
consequências da recessão, da pandemia de covid-19 e da elevação da taxa de
juros
Começou o programa do governo Lula para
reduzir o alto índice de inadimplência dos consumidores brasileiros, uma das
consequências da recessão, da pandemia de covid-19 e da elevação da taxa de
juros. A primeira etapa garante a extinção de dívidas de até R$ 100, o que
beneficiará 1,5 milhão de brasileiros, que estão impossibilitados de obter
qualquer crédito no sistema financeiro. A segunda etapa, prevista para
setembro, pode atender 30 milhões de consumidores, com dívidas até R$ 5 mil.
No caso das pessoas físicas que têm dívidas
bancárias de até R$ 100 (faixa 1), não será preciso negociação, desde ontem
elas estão automaticamente com o nome limpo nas instituições bancárias. Com
isso, se não tiverem outras restrições, esses consumidores poderão recorrer ao
crédito novamente e fazer contratos de aluguel, como parte do acordo dos
credores com o governo federal.
Desde já, pessoas físicas com renda até R$
20 mil (faixa 2) e dívidas bancárias sem limite de valor também poderão
renegociá-las em condições especiais, diretamente com os bancos. Em setembro,
serão beneficiados os devedores com renda de até dois salários mínimos ou
inscritos no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais do Governo
Federal), com dívidas financeiras cujos valores não ultrapassem R$ 5 mil, que
também poderão renegociar suas dívidas em condições vantajosas.
O programa emergencial foi elaborado
pela Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda para combater a
crise de inadimplência, que atinge 70 milhões de negativados, com dívidas
contraídas de 2019 até 31/12/2022. A adesão ao programa por credores, beneficiários
e bancos é voluntária. Para cada R$ 1 negociado, o banco terá R$ 1 de crédito
tributário. É bom para quem deve, que poderá acessar condições melhores de
refinanciamento, e para os bancos, que poderão melhorar os balanços e liberar
recursos para novos créditos.
Vários bancos já iniciaram seus feirões de
renegociação on-line ou presenciais. Oferecem descontos de até 90% sobre o
pagamento à vista da dívida ou parcelamento de até 96 meses. O sucesso do
plano, porém, dependerá da taxa de juros, que afeta diretamente a oferta de
crédito e a demanda de produtos e serviços. O maior volume de crédito
disponível tende a impulsionar o crescimento do país por duas variáveis que
compõem o Produto Interno Bruto (PIB): o consumo e os investimentos.
Ao final do governo Bolsonaro, após a
pandemia, a inflação fez com que o Banco Central abandonasse a política de
diminuição dos juros e incentivo ao consumo e elevasse progressivamente a taxa
Selic, que chegou a 13,75%, a taxa real de juros mais alta do mundo. Em
consequência, em abril de 2023, 78,3% dos núcleos familiares do país tinham
dívidas. Em 2022, a média total foi de 77,9%.
A crise de inadimplência atingiu em cheio
os micro e pequenos empreendedores, que perderam tudo na pandemia, inclusive o
crédito, sem o qual não puderam retomar suas atividades. Com o programa
Desenrola, isso será possível. Portanto, não se trata apenas de dinheiro para
consumo pessoal e familiar, é medida de muito alcance social, por viabilizar a
retomada de atividades produtivas e negócios dos pequenos e médios
empreendedores.
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