terça-feira, 18 de julho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Descobertas do Censo trazem novos desafios para a sociedade

Valor Econômico

Revelação mais impactante é que a população aumentou menos do que se esperava

À medida que as descobertas do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022 são analisadas, novos desafios emergem e demandam respostas da sociedade. A primeira delas e mais impactante é que a população aumentou menos do que se esperava. O IBGE constatou que a população cresceu 0,52% em média, ao ano, entre 2010 e 2022, praticamente a metade das décadas anteriores. Foi a menor taxa em 150 anos, desde o primeiro Censo, em 1872. Assim, o Brasil chegou a 2022 com 203 milhões de habitantes, apenas 6,5% a mais do que os 190,8 milhões do censo anterior, feito em 2010.

A população cresceu 12 milhões de pessoas, 5 milhões a menos do que os 17 milhões esperados, e não se sabe exatamente o motivo. Há algumas hipóteses, entre elas as mortes causadas pela pandemia de covid-19, certamente subestimada em 700 mil pessoas, as mortes causadas por uma epidemia de zika alguns anos antes, a emigração dos mais jovens diante do enfraquecimento da economia e a queda da natalidade. Todas elas juntas talvez ajudem a explicar o que aconteceu.

Embora os achados etários do Censo 2022 ainda não tenham sido divulgados, é possível inferir que a população envelheceu, com consequências no mercado de trabalho, nas políticas públicas de educação, de saúde e de previdência. Um dos principais focos atuais da educação é a pré-escola, o período de alfabetização e o primeiro ciclo do ensino fundamental. Com menos crianças nascendo, seria possível direcionar os esforços para faixas etárias mais altas e aproveitar a infraestrutura para expandir o ensino integral e o técnico, segmento em que o Brasil está bastante atrasado na comparação com os países da OCDE, e reduzir o gap de produtividade, outro grave problema do país. No entanto, a pandemia afetou seriamente a aprendizagem e será necessário correr atrás das deficiências, inclusive dos mais jovens, que foram os mais afetados pela dificuldade de acompanhar as aulas à distância.

Em relação à distribuição da população no espaço, o novo Censo mostrou crescimento menor e até redução do número de habitantes nos municípios mais populosos. Regiões de maior dinamismo econômico, como o Centro-Oeste, atraíram as pessoas. A expansão do home office durante a pandemia estimulou a busca de moradias em locais mais tranquilos. Mas a maior parte da população - 61,1%, o equivalente a 124,1 milhões de pessoas - ainda vive em grandes concentrações.

Em consequência, houve a multiplicação do número de domicílios. A quantidade de casas aumentou 34%, de 67,5 milhões em 2010 para 90,7 milhões em 2022. Em paralelo, houve uma importante redução da média de moradores por domicílio, que passou de 3,31 em 2010 para 2,79 pessoas em 2022.

A expansão dos domicílios traz desafios ao saneamento básico e dificulta o cumprimento das metas de universalização do serviço. O marco legal do setor estabelece que, até 2033, 99% das casas devem receber água potável e 90%, coleta e tratamento de esgoto. Hoje, ao menos 35 milhões de pessoas não têm acesso a água tratada, e cerca de metade da população não é atendida por rede de esgoto, segundo o Instituto Trata Brasil. O Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do governo federal, já registra o aumento dos pedidos de ligação em rede de água e esgoto, que dobraram entre 2002 e 2021. Mas o número de pessoas atendidas cresceu menos, 37%. Tecnicamente, se a população está mais concentrada, o cumprimento da meta é mais viável economicamente.

O Censo 2022 descobriu ainda que a quantidade de domicílios vagos particulares no país é de 11,4 milhões, 87% a mais do que em 2010, e nada menos do que o dobro do déficit habitacional mais recente calculado para o Brasil, pela Fundação João Pinheiro. Pela metodologia do IBGE, não estão incluídos nesta conta os domicílios de uso ocasional, destinados ao aluguel por temporada por aplicativos, por exemplo. Ajudam a explicar esses números a queda de renda observada durante a pandemia e a estagnação econômica no período, que obrigaram a devolução de imóveis e dificultaram a obtenção de crédito.

Os números mostram que o problema do déficit habitacional pode ser enfrentado não só com a construção de novas moradias, mas também com o estímulo ao uso das existentes e vazias. A tendência ocorre em praticamente todo o país, tanto em regiões mais ricas como na periferia, não se limitando ao mero fenômeno de esvaziamento dos centros urbanos. De acordo com o Censo, 78% dos 5.570 municípios brasileiros têm mais de 10% dos domicílios vagos.

É grande a expectativa com a divulgação de dados mais detalhados do Censo de 2022, os microdados, especialmente os referentes às faixas etárias, que vão dimensionar o quão distante estamos do bônus demográfico e a velocidade da mudança do perfil etário dos brasileiros. O detalhamento pode confirmar ou não os piores temores a respeito do envelhecimento da população, e suas repercussões na educação, políticas de saúde, previdência e mercado de trabalho.

Congresso deveria aprovar projeto que limita supersalários

O Globo

Estudo mostra que país economizaria R$ 3,9 bilhões se fosse cumprido teto constitucional para o funcionalismo

Mexer na remuneração de servidores beneficiados com supersalários é sempre um tabu para a classe política, devido às pressões exercidas pelas poderosas corporações do funcionalismo. Mas precisa ser enfrentado, especialmente num momento em que o país busca espaço fiscal para atender a população carente em suas necessidades mais básicas. Um estudo do Centro de Liderança Pública (CLP) mostra que seria possível economizar R$ 3,9 bilhões por ano se fosse respeitado o teto, hoje em R$ 41.650, valor pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo o levantamento, 25.300 servidores dos três níveis de governo recebem em média R$ 12.685 acima do teto. A maioria (15.300) está lotada nas repartições estaduais, gerando um gasto de R$ 2,54 bilhões além-teto; outros 7.700 são funcionários públicos federais (R$ 900 milhões); e 2.275 ocupam cargos nos municípios (R$ 440 milhões). Os cálculos foram feitos com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE em 2022.

Mesmo ponderando que parte das remunerações acima do teto seja legítima, como indenizações devidas, o impacto ainda é considerável. É verdade que servidores com supersalários correspondem a apenas 0,23% dos 11 milhões de estatutários no país, mas o percentual não torna a distorção menos absurda. Não só por uma questão de moralidade pública, mas também porque o respeito ao teto liberaria recursos para áreas essenciais como educação, saúde, segurança etc.

Como aponta o estudo, uma forma de corrigir essas distorções seria a aprovação no Congresso do Projeto dos Supersalários, que regulamenta o teto do funcionalismo, disciplinando o pagamento de auxílios que driblam os limites constitucionais. O PL hoje está parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

Infelizmente, a classe política segue em sentido contrário. Em vez de priorizar a aprovação de um projeto que reduziria injustiças no setor público e daria destinação melhor aos recursos, trabalha para aumentar regalias — e, consequentemente, os gastos. Um exemplo é a PEC que tenta ressuscitar o adicional por tempo de serviço para juízes. Extinto em 2006, garantia promoções automáticas num valor que chega a R$ 10 mil mensais. Não bastassem os auxílios de todo tipo, uma ação da Associação dos Juízes Federais (Ajufe) no STF reivindica a volta dos pagamentos suspensos — com efeito retroativo. Poderia representar despesa extra de R$ 1 bilhão para o Tesouro.

Parece óbvio que, se existe um teto constitucional para os salários dos servidores, ele deve ser cumprido, caso contrário não precisaria haver um teto. Mas nada é óbvio no país em que as exceções viram regra. Não faz sentido permitir que penduricalhos engrossem os salários de castas do funcionalismo que já ganham muito bem enquanto existem tantas demandas por todos os cantos do país. Não faltam áreas carentes de investimentos nos três níveis de governo. Essa situação desalentadora deveria instar o Congresso a aprovar logo o projeto que disciplina os supersalários. Os R$ 3,9 bilhões gastos hoje para pagar excessos à elite do funcionalismo poderiam melhorar a vida de muita gente em todos os estados da Federação.

Plano de Lula de finalizar acordo com UE neste ano é positivo

O Globo

Em Bruxelas, presidente declarou intenção de aparar arestas ainda existentes com europeus

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que o Brasil pretende concluir “ainda neste ano” um acordo de livre-comércio “equilibrado” entre o Mercosul e a União Europeia (UE). Em Bruxelas para a III Reunião de Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da UE, Lula encontrou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que afirmou querer finalizar o acordo “o mais rápido possível”. Será positivo se as declarações se traduzirem em avanços entre os negociadores sul-americanos e europeus. Para o acordo tornar-se uma realidade, os dois lados terão de ceder.

As negociações foram iniciadas em 1999 e concluídas em 2019, prevendo a eliminação de impostos de importação para mais de 90% dos bens comercializados entre os dois blocos após 15 anos. Porém, no começo do ano, os europeus apresentaram um adendo exigindo uma meta impraticável para o fim do desmatamento e sanções em caso de descumprimento. Desde que assumiu, Lula passou a martelar o desejo de rever uma parte do texto já acordado sobre a participação de empresas europeias em licitações do governo brasileiro.

A discussão dos pontos de discórdia não pode perder de vista o principal: é do interesse do Brasil, dos demais países do Mercosul e também da UE finalizar o acordo. Para os sul-americanos, a implementação representará o aumento de cotas para a exportação de produtos agrícolas, a elevação dos investimentos e uma posição mais favorável para se integrar às cadeias globais de valor. Do ponto de vista da UE, a aproximação com o Mercosul torna mais fácil a tarefa de diversificar os mercados externos. Na quinta-feira, a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, avisou líderes empresariais locais sobre a necessidade de reduzir a dependência da China. A Alemanha tenta aprender com o erro de ter mantido um relacionamento estreito com a Rússia até a invasão da Ucrânia.

As principais barreiras para a implantação do acordo Mercosul-UE podem ser transpostas. Lula deveria abandonar a posição intransigente de querer tirar os europeus das compras governamentais, com o pretexto de proteger a política industrial. O acesso exclusivo a licitações não tem impedido a perda de peso da indústria brasileira ao longo de décadas. A obsessão por essa questão já ajudou a inviabilizar outros acordos, como o da Área de Livre-Comércio das Américas (Alca). A repetição do erro seria inaceitável.

No lado europeu, a exigência de determinar o que constitui desmatamento é um exagero. O Brasil possui metodologia para definir a destruição de florestas. Conta ainda com instituições capazes de identificar ações ilegais. Os prazos exíguos para se adequar também precisam ser revistos. Os próximos meses revelarão quanto Lula e Ursula realmente querem viabilizar o acordo.

O poder do agro

Folha de S. Paulo

Setor firma-se como um dos mais dinâmicos, mas desmatamento segue como problema

O agronegócio brasileiro consolidou-se como uma história de sucesso em meio à ciranda de crises que o país vivenciou nos últimos anos.

Principal motor do PIB no primeiro trimestre, com crescimento de 21,6% sobre os últimos três meses de 2022, o setor tem se revelado fundamental para o desenvolvimento de algumas regiões, com queda importante em indicadores de desigualdade social.

No novo censo do IBGE, Centro-Oeste e Norte do Brasil, fronteiras agrícolas mais recentes, foram as únicas regiões com aumento populacional superior à média. Cresceram 1,23% e 0,75%, respectivamente, acima do 0,52% no país.

Atraindo levas de trabalhadores de locais menos dinâmicos, os PIBs de Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Rondônia evoluíram nos últimos 16 anos em ritmo muito superior ao de vários estados —e mais que o dobro em relação ao paulista.

Uma série de reportagens publicadas por esta Folha mostrou que 25% da economia é baseada atualmente no agronegócio, contando agropecuária, agroindústria, insumos, distribuição e outros serviços.

Há vários motivos para esse desempenho. Entre eles, a criação da estatal Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) há 50 anos, que disseminou a tecnologia no campo; o empreendedorismo de pioneiros do Sul no Centro-Oeste e no Norte; e a ascensão da renda chinesa, que disparou o consumo de alimentos naquele país.

Entre outros, esses fatores fizeram com que a produção brasileira de grãos saltasse de 58,3 milhões de toneladas, no início dos anos 1990, para 316 milhões (+445%) na safra atual. No período, a área plantada avançou bem menos: de 39 milhões de hectares para 78 milhões (+100%), evidenciando a elevada produtividade do setor.

O Brasil ocupa 9% de seu território com lavouras e tem outros 26% em pastos e terras degradadas.

Segundo especialistas, essas áreas são mais do que suficientes para novos saltos na produção, sem a necessidade de desmate adicional.

Apesar de o Ministério do Meio Ambiente avaliar que os desmatadores compõem uma minoria, boa parte das terras devastadas acaba sendo adquirida por fazendeiros.

Sanções internacionais contra a prática estão a caminho, sobretudo da União Europeia. Deveria ser do interesse dos próprios ruralistas, e de sua grande bancada no Congresso, ajudar a identificar e reprimir os que ainda colocam em risco o grande sucesso de sua atividade.

Escola integral

Folha de S. Paulo

Fim de programa federal é bem-vindo, mas estimula estados a expandirem modelo

O Ministério da Educação deu início ao processo de extinção do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares, uma bandeira do governo Jair Bolsonaro (PL).

A pasta enviou ofícios às secretarias de educação para que comecem a transição para o formato regular, até a retirada de militares das escolas ao final do ano letivo.

Não haverá fechamento de unidades, só encerramento do modelo bancado com verba federal —já que governos regionais podem mantê-lo se assim optarem.

Criado em 2019, o programa direciona recursos para que militares da reserva, policiais e bombeiros atuem na administração escolar e implementem regras disciplinares. A parte pedagógica e curricular continua a cargo das secretarias de educação —diferentemente das instituições de ensino apenas militares, que são totalmente geridas pelas Forças Armadas.

Tal modelo não é novidade e já vinha seguindo uma tendência de alta em adesão. Em 2015, havia 93 escolas do tipo no país. Três anos depois, o número saltou para 120. O que Bolsonaro inaugurou foi o respaldo ideológico e o fomento federal para a iniciativa, que enfrenta críticas de especialistas.

Pesquisas mostram que o bom desempenho das escolas militares, das Forças Armadas ou estaduais com presença militar, se deve mais ao nível socioeconômico dos alunos, a processos seletivos e ao dinheiro investido, do que apenas à rígida disciplina militar.

Quando o Estado gasta com infraestrutura, material didático, e capacitação de professores, sobem os indicadores de aprendizado.

Segundo o MEC, há 215 escolas cívico-militares no país. A pasta analisou 202 e concluiu que, de 2020 a 2022, foram gastos R$ 98 milhões só com pagamento de militares em 120 delas. Desde 2019, o governo empenhou R$ 104 milhões no programa, que alcança apenas cerca de 0,1% das unidades de ensino.

Políticas públicas devem se basear em evidências, não em ideologia. Neste sentido, é bem-vinda a interrupção do programa. Contudo, políticas públicas também geram consequências inesperadas.

No caso, diversos estados, como Paraná e São Paulo, além do Distrito Federal, já anunciaram que não apenas manterão o modelo como pretendem expandi-lo.

A medida do MEC, portanto, acaba sendo pontual e inócua no sentido da demilitarização, apesar de sensata ao cortar fomento a uma política pública que carece de respaldo pedagógico e científico.

Já há experiências em educação que oferecem resultados robustos. Escola de tempo integral, valorização e capacitação de professores, e alocação racional de recursos são algumas das medidas que merecem atenção e recursos federais.

Alcance da reforma depende do Senado

O Estado de S. Paulo

Imposto dependerá da disposição dos senadores de reduzir a lista de exceções.

Com a reforma tributária aprovada pela Câmara dos Deputados, todas as atenções se voltam agora para o Senado, que terá de dar aval ao texto para que ele finalmente possa entrar em vigor. O Senado, como esperado, quer deixar sua marca em um projeto que pode tirar o País de uma longa trajetória de crescimento econômico pífio.

Diferentemente do que ocorreu quando o texto estava na Câmara, que se concentrou mais nas questões teóricas envolvendo a proposta, o relator no Senado, Eduardo Braga (MDBAM), tem manifestado que exigirá do Ministério da Fazenda a apresentação de estudos e parâmetros sobre a alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) que incidirá sobre cada atividade e setor.

A pergunta do senador é bastante pertinente. Embora a reforma tenha deixado essa definição para uma lei complementar, etapa posterior à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), todos – e não apenas Braga – querem saber qual será a alíquota que resultará da reforma tributária.

Com a premissa de manter o mesmo nível de arrecadação, as estimativas iniciais do Executivo apontavam para uma alíquota básica de 25%, já considerando que alguns setores teriam tratamento diferenciado. O texto que saiu da Câmara, no entanto, foi mais “generoso” do que o governo defendia.

A alíquota reduzida a que alguns setores teriam direito passou de 50% para 40% da alíquota cheia. A quantidade de setores beneficiados, originalmente restritos ao agronegócio, transporte, saúde e educação, acabou por incluir hotéis, restaurantes e parques temáticos. As isenções também foram elevadas e ampliaram o alcance da imunidade tributária de templos religiosos.

Sem muitas exceções na proposta, a alíquota poderia até ser inferior a 25%, segundo o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. Mas, como já dissemos neste espaço, aprovou-se a reforma possível, não a ideal. E, a despeito de todas as exceções que foram aprovadas pela Câmara, Appy assegurou que a alíquota não ultrapassaria o patamar de 30%.

Não é improvável que o governo não saiba, exatamente, qual será a alíquota padrão necessária para manter a arrecadação dos tributos federais, estaduais e municipais que serão unificados e substituídos pelo IVA dual. Mas, ao contrário do que sugerem os críticos da reforma, para quem o governo estaria escondendo os números finais para ludibriar a sociedade, a resposta está nas mãos do Legislativo – e, especialmente, nas mãos dos senadores.

Negociadas de última hora, as concessões atenderam a acordos políticos que garantiram a ampla maioria que a reforma conquistou na Câmara. Mas é importante lembrar que a lógica do IVA é bastante semelhante à que rege a meia-entrada em atividades culturais. O custo de produção de uma peça de teatro não cai quando uma parte do público tem direito a pagar metade do valor do ingresso; consequentemente, para não haver prejuízo financeiro, é necessário elevar o valor do ingresso daqueles que não têm direito à meia-entrada. É o mesmo com os impostos, sobretudo com um governo resistente à ideia de rever gastos.

É relevante destacar que o manicômio tributário em que o País se transformou não permite dizer, exatamente, qual a carga real de imposto embutida em cada produto ou serviço. Além do nefasto efeito da cumulatividade, a quantidade de leis e regimes especiais paralelos criou um campo de atuação vasto para quem se beneficia da exploração de litígios tributários.

Eis, portanto, uma das maiores virtudes da reforma tributária: a transparência. Mesmo as exceções, até então escamoteadas pela barafunda de instruções normativas, portarias e resoluções, estão visíveis a todos, e não apenas para aqueles que se beneficiam da complexidade do modelo atual.

A melhor marca que o Senado pode deixar na reforma, portanto, é trabalhar para que o País possa ter a menor alíquota geral possível. Para isso, a lista de exceções precisa parar de crescer – e, eventualmente, até diminuir, se isso não comprometer o consenso político que permitiu o avanço da reforma.

Verdadeira autonomia das universidades

O Estado de S. Paulo

Reforma tributária é oportunidade para assegurar que os impostos sejam usados na efetiva produção de conhecimento e na formação de professores e de profissionais essenciais ao País

Entre os efeitos da aprovação pelo Congresso Nacional da reforma tributária estará a necessidade de rever o modelo de financiamento das universidades públicas de São Paulo. Definido inicialmente pelo Decreto Estadual 29.598, de 1989, ele prevê que as instituições de ensino superior recebam uma parcela da cota-parte do Estado da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – 75% por cento do imposto fica com o governo estadual e 25% são distribuídos aos municípios. O mecanismo entrega à Universidade de São Paulo (USP) cerca de R$ 7,5 bilhões, enquanto Unicamp e Unesp recebem, cada uma, cerca de R$ 3,7 bilhões.

Os integrantes do Conselho dos Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) estiveram recentemente com o governador Tarcísio de Freitas e ouviram dele a renovação do compromisso de que o sistema deve ser mantido após a substituição do ICMS pelo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), o que deve ocorrer gradualmente.

Age bem o governador ao tranquilizar não só os reitores, bem como a sociedade paulista, que desde a fundação da Universidade de São Paulo, em 1934, viu o desenvolvimento econômico, científico e cultural de seu povo se confundir com o destino do ensino público no Estado.

A autonomia econômica das universidades é, para os reitores, um instrumento fundamental para que o artigo 207 da Constituição seja uma realidade. Ela garante a essas instituições a “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. Devem, no entanto, obedecer ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Ou seja, a autonomia acadêmica se realiza somente na presença da financeira, que garantiria a segurança de fluxo de recursos e a capacidade de planejamento. Em outras palavras, não há autonomia quando, por exemplo, os gastos com folha de pagamento de professores e funcionários excedem a receita da universidade, como aconteceu recentemente na USP.

Por esse motivo, Tarcísio de Freitas e os reitores podem e devem ir além da mera discussão sobre recursos e sobre o novo porcentual da arrecadação que será destinado às universidades. A defesa da liberdade de cátedra e das condições para que ela floresça como uma das liberdades fundamentais de um Estado Democrático de Direito não deve elidir os princípios da responsabilidade, da economicidade e da transparência na gestão pública. É necessário, portanto, às universidades recuperar o espírito do decreto de 1989, que estabeleceu a recomendação de que os gastos com pessoal não ultrapassassem 75% dos valores liberados a elas pelo Tesouro estadual.

Em maio, a maior das três universidades – a USP – recebeu R$ 615 milhões do Tesouro, dos quais R$ 587 milhões em repasses do ICMS. E gastou 84% desse total com pessoal (R$ 517 milhões). Obteve ainda R$ 90,6 milhões com receitas próprias. Esses números devem servir de aviso para que a segurança financeira não seja acompanhada da falta de controle dos gastos e da acomodação que despreza a luta pela eficiência e pelo controle da produção de seus pesquisadores. É preciso assegurar que os recursos dos impostos sejam usados na efetiva produção de conhecimento, na formação de professores e de profissionais fundamentais ao País. O dinheiro público não pode ser sequestrado por interesses corporativos nem pelo conforto da improdutividade acadêmica.

É longa a lista de serviços prestados pelas universidades públicas ao País. A crise financeira da década passada, com suas obras inacabadas e a expansão mal programada de cursos e salários, não pode servir para desqualificar as instituições paulistas de ensino superior. Esse passado apenas reafirma a necessidade de garantir instrumentos administrativos efetivos de fiscalização e controle da produção e dos gastos a fim de que a autonomia universitária não seja alvo de desconfiança, mas um motivo de orgulho para o País.

Os benefícios do ensino técnico

O Estado de S. Paulo

Multiplicar vagas em escolas profissionalizantes eleva o PIB e gera bem-estar a baixo custo

Estudo realizado pelo instituto Itaú Educação e Trabalho mensura o quanto a economia brasileira ganha com um maior e mais consistente investimento público no ensino médio técnico. A pesquisa conclui que, ao dobrar o total de 800 mil vagas em escolas profissionalizantes do País, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentaria 1,34%. Ao triplicar, o ganho seria de 2,32%. Até o momento, esses cálculos refletem apenas a extraordinária oportunidade perdida há anos pelo Brasil nesse campo. Nada impede que os governos federal e estaduais acordem a tempo.

O estudo Potenciais Efeitos Macroeconômicos com Expansão da Oferta Pública de Ensino Médio Técnico no Brasil evidencia o quão vantajoso seria inserir a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) na estratégia de desenvolvimento do País. Descuidado por diferentes governos e suscetível a mudanças em cada troca de gestão, o ensino médio técnico merece ser tratado como política pública de Estado – modificado apenas para o reforço de sua qualidade e para a atualização de recursos requeridos.

Ao fechar os olhos à expansão dessa vertente do ensino médio, o Brasil impõe os fardos da menor empregabilidade e da remuneração mais baixa a uma parcela expressiva da população ativa – sobretudo para os jovens. O estudo informa que o diploma técnico confere ao trabalhador, em média, 5,5 pontos porcentuais de vantagem na disputa por um emprego com quem cursou a escola média convencional. A diferença salarial chega a 12% em favor do primeiro grupo, mas pode crescer a 50% se o posto de trabalho pretendido estiver em linha com a formação escolar.

Os dados sugerem também que o EPT confere algum grau de proteção contra o desemprego. Tanto no grupo de jovens trabalhadores de 15 a 17 anos como no de adultos de 24 a 65 anos, a taxa de desocupação mostrou-se três pontos porcentuais menor para os formados em escolas técnicas. A renda do trabalho por hora, maior entre esses profissionais, pode explicar essa potencial blindagem.

Simulações do estudo apontam que, além do aumento da atividade econômica, a ampliação do ensino médio técnico resultaria na redução dos indicadores de desigualdade social e no aumento do consumo do País. A propósito desse último item, verificou-se que o consumo deve crescer 0,22% se a oferta de vagas nas escolas técnicas dobrar. Se triplicar, a expansão será de 0,38%. Isso significa impacto positivo no bem-estar de uma parcela significativa da sociedade e, especialmente, oportunidades futuras para jovens trabalhadores.

Os benefícios expostos pela pesquisa contrastam com a atual inércia do ensino médio técnico. Não há como evitar a indignação quando se constata que, diante dos desafios da reindustrialização e do aumento da produtividade, apenas 7% dos estudantes brasileiros do ensino médio têm formação técnica profissionalizante. Na Europa, essa proporção alcança 44%. No México, 34%. Há custo adicional, claro, para dobrar ou triplicar as vagas do ensino técnico, estimado em 0,09% a 0,17% do PIB, mas esse é o típico caso em que vale a pena pagar para ver.

Desenrola tem caráter social e beneficia empreendedores

Correio Braziliense

Começou o programa do governo Lula para reduzir o alto índice de inadimplência dos consumidores brasileiros, uma das consequências da recessão, da pandemia de covid-19 e da elevação da taxa de juros

Começou o programa do governo Lula para reduzir o alto índice de inadimplência dos consumidores brasileiros, uma das consequências da recessão, da pandemia de covid-19 e da elevação da taxa de juros. A primeira etapa garante a extinção de dívidas de até R$ 100, o que beneficiará 1,5 milhão de brasileiros, que estão impossibilitados de obter qualquer crédito no sistema financeiro. A segunda etapa, prevista para setembro, pode atender 30 milhões de consumidores, com dívidas até R$ 5 mil.

No caso das pessoas físicas que têm dívidas bancárias de até R$ 100 (faixa 1), não será preciso negociação, desde ontem elas estão automaticamente com o nome limpo nas instituições bancárias. Com isso, se não tiverem outras restrições, esses consumidores poderão recorrer ao crédito novamente e fazer contratos de aluguel, como parte do acordo dos credores com o governo federal.

Desde já, pessoas físicas com renda até R$ 20 mil (faixa 2) e dívidas bancárias sem limite de valor também poderão renegociá-las em condições especiais, diretamente com os bancos. Em setembro, serão beneficiados os devedores com renda de até dois salários mínimos ou inscritos no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal), com dívidas financeiras cujos valores não ultrapassem R$ 5 mil, que também poderão renegociar suas dívidas em condições vantajosas.

 O programa emergencial foi elaborado pela Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda para combater a crise de inadimplência, que atinge 70 milhões de negativados, com dívidas contraídas de 2019 até 31/12/2022. A adesão ao programa por credores, beneficiários e bancos é voluntária. Para cada R$ 1 negociado, o banco terá R$ 1 de crédito tributário. É bom para quem deve, que poderá acessar condições melhores de refinanciamento, e para os bancos, que poderão melhorar os balanços e liberar recursos para novos créditos.

Vários bancos já iniciaram seus feirões de renegociação on-line ou presenciais. Oferecem descontos de até 90% sobre o pagamento à vista da dívida ou parcelamento de até 96 meses. O sucesso do plano, porém, dependerá da taxa de juros, que afeta diretamente a oferta de crédito e a demanda de produtos e serviços. O maior volume de crédito disponível tende a impulsionar o crescimento do país por duas variáveis que compõem o Produto Interno Bruto (PIB): o consumo e os investimentos.

Ao final do governo Bolsonaro, após a pandemia, a inflação fez com que o Banco Central abandonasse a política de diminuição dos juros e incentivo ao consumo e elevasse progressivamente a taxa Selic, que chegou a 13,75%, a taxa real de juros mais alta do mundo. Em consequência, em abril de 2023, 78,3% dos núcleos familiares do país tinham dívidas. Em 2022, a média total foi de 77,9%.

A crise de inadimplência atingiu em cheio os micro e pequenos empreendedores, que perderam tudo na pandemia, inclusive o crédito, sem o qual não puderam retomar suas atividades. Com o programa Desenrola, isso será possível. Portanto, não se trata apenas de dinheiro para consumo pessoal e familiar, é medida de muito alcance social, por viabilizar a retomada de atividades produtivas e negócios dos pequenos e médios empreendedores.

 

 

 

 

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