quarta-feira, 9 de julho de 2025

Tarcísio pede a bola - Vera Magalhães

O Globo

Governador de São Paulo vem dando demonstrações ostensivas, algumas até arriscadas, como o aplauso a Trump, de que está empenhado em receber a unção de Bolsonaro como candidato

A pressão intensa dos partidos do Centrão, do empresariado e do mercado financeiro parece ter surtido efeito junto a Tarcísio de Freitas: o governador de São Paulo vem dando demonstrações cada vez mais incisivas, por isso mesmo arriscadas, de que está pronto para receber a indicação de Jair Bolsonaro como seu candidato a presidente no ano que vem. Parece disposto até a arcar com os ônus dessa exposição prematura.

Ao reproduzir e endossar a fala de Donald Trump segundo a qual Bolsonaro é vítima de perseguição política e a Justiça brasileira não é legítima para julgar o ex-presidente, que deveria ser avaliado pelos eleitores, Tarcísio deixa de lado a cautela com que costumou navegar nos mares turbulentos da relação entre seu padrinho político e o Supremo Tribunal Federal para mergulhar de cabeça no puro suco do bolsonarismo-raiz. O governador do estado mais rico e mais populoso do país toma lado numa disputa que tem muitas camadas: política, diplomática, jurídica e até comercial.

O governo federal percebeu o movimento e tratou de, ato contínuo, deixar claro que enxerga o ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro como candidato mais provável a enfrentar Lula nas urnas eletrônicas no ano que vem. Veio do titular da Casa Civil, Rui Costa, no Roda Viva desta segunda-feira, um ataque direto a Tarcísio, diante da sem-cerimônia com que o político do Republicanos foi um dos primeiros a ecoar o ataque do presidente dos Estados Unidos ao Judiciário brasileiro.

Costa aproveitou que as bravatas de Trump nunca vêm sozinhas e associou os arroubos contra o STF à ameaça explícita que o americano fez aos países do Brics de tarifas comerciais adicionais em punição a um não alinhamento aos seus desígnios. 

— Me parece que o Tarcísio está mais preocupado em defender o Trump que em defender os empresários paulistas, defender o emprego dos trabalhadores brasileiros — pespegou o ministro de Lula.

Embora tenha feito aquele seguro-padrão de dizer que a eleição está distante, por isso não cabe ao PT ou ao governo escalar o time adversário, Costa trouxe o nome de Tarcísio à baila sem que tivesse sido questionado a respeito. Deixou bastante patente quem a esquerda enxerga como candidato mais provável para encarnar o que ele mesmo batizou de “50 tons de Bolsonaro”.

O problema para Tarcísio são esses tons. Todo mundo sabe o que o ex-presidente exige daquele a quem entregará o cetro da candidatura. A lista é pesada. Começa na aparentemente mais simples exigência de se filiar ao PL e termina no compromisso de, já na largada do mandato, se comprometer a assinar indulto ou graça, livrando-o de cumprir uma pena cada vez mais dada como certa pela tentativa de golpe no curso de seu governo.

Se havia alguma dúvida quanto à disposição do governador paulista de encarar um pedágio assim tão alto, suas ações mais recentes começam a dissipá-la. Antes mesmo de graciosamente aplaudir a explícita e indevida intervenção de Trump na soberania da Justiça brasileira para fazer valer as leis do país, Tarcísio vestiu boné, subiu em palanques ao lado de Bolsonaro e tem cada vez menos desencorajado aqueles que defendem publicamente sua candidatura.

Parte dessa mudança de postura em campo, pedindo a bola em voz alta, advém de que os partidos e o establishment econômico deixarem claro a Bolsonaro que vão com ele só até parte do caminho e não aceitam a ideia de ter Michelle ou Eduardo, sua mulher e seu filho Zero Dois, como adversários de Lula no ano que vem. Lançar um familiar pode até ser mais confortável a Jair, mas deixa em dúvida o grau de apoio que pode reunir e põe em risco sua prioridade — livrar-se de uma prisão que insiste em aparecer em seus pesadelos mais recorrentes.

 

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