O Globo
Governador de São Paulo vem dando demonstrações ostensivas, algumas até arriscadas, como o aplauso a Trump, de que está empenhado em receber a unção de Bolsonaro como candidato
A pressão intensa dos partidos do Centrão, do
empresariado e do mercado financeiro parece ter surtido efeito junto a Tarcísio
de Freitas: o governador de São Paulo vem dando demonstrações cada vez mais
incisivas, por isso mesmo arriscadas, de que está pronto para receber a
indicação de Jair Bolsonaro como seu candidato a presidente no ano que vem.
Parece disposto até a arcar com os ônus dessa exposição prematura.
Ao reproduzir e endossar a fala de Donald Trump segundo a qual Bolsonaro é vítima de perseguição política e a Justiça brasileira não é legítima para julgar o ex-presidente, que deveria ser avaliado pelos eleitores, Tarcísio deixa de lado a cautela com que costumou navegar nos mares turbulentos da relação entre seu padrinho político e o Supremo Tribunal Federal para mergulhar de cabeça no puro suco do bolsonarismo-raiz. O governador do estado mais rico e mais populoso do país toma lado numa disputa que tem muitas camadas: política, diplomática, jurídica e até comercial.
O governo federal percebeu o movimento e
tratou de, ato contínuo, deixar claro que enxerga o ex-ministro da
Infraestrutura de Bolsonaro como candidato mais provável a enfrentar Lula nas
urnas eletrônicas no ano que vem. Veio do titular da Casa Civil, Rui Costa, no
Roda Viva desta segunda-feira, um ataque direto a Tarcísio, diante da
sem-cerimônia com que o político do Republicanos foi um dos primeiros a ecoar o
ataque do presidente dos Estados Unidos ao Judiciário brasileiro.
Costa aproveitou que as bravatas de Trump
nunca vêm sozinhas e associou os arroubos contra o STF à ameaça explícita que o
americano fez aos países do Brics de tarifas comerciais adicionais em punição a
um não alinhamento aos seus desígnios.
— Me parece que o Tarcísio está mais
preocupado em defender o Trump que em defender os empresários paulistas,
defender o emprego dos trabalhadores brasileiros — pespegou o ministro de Lula.
Embora tenha feito aquele seguro-padrão de
dizer que a eleição está distante, por isso não cabe ao PT ou ao governo
escalar o time adversário, Costa trouxe o nome de Tarcísio à baila sem que
tivesse sido questionado a respeito. Deixou bastante patente quem a esquerda
enxerga como candidato mais provável para encarnar o que ele mesmo batizou de
“50 tons de Bolsonaro”.
O problema para Tarcísio são esses tons. Todo
mundo sabe o que o ex-presidente exige daquele a quem entregará o cetro da
candidatura. A lista é pesada. Começa na aparentemente mais simples exigência
de se filiar ao PL e termina no compromisso de, já na largada do mandato, se
comprometer a assinar indulto ou graça, livrando-o de cumprir uma pena cada vez
mais dada como certa pela tentativa de golpe no curso de seu governo.
Se havia alguma dúvida quanto à disposição do
governador paulista de encarar um pedágio assim tão alto, suas ações mais
recentes começam a dissipá-la. Antes mesmo de graciosamente aplaudir a
explícita e indevida intervenção de Trump na soberania da Justiça brasileira
para fazer valer as leis do país, Tarcísio vestiu boné, subiu em palanques ao
lado de Bolsonaro e tem cada vez menos desencorajado aqueles que defendem
publicamente sua candidatura.
Parte dessa mudança de postura em campo,
pedindo a bola em voz alta, advém de que os partidos e o establishment
econômico deixarem claro a Bolsonaro que vão com ele só até parte do caminho e
não aceitam a ideia de ter Michelle ou Eduardo, sua mulher e seu filho Zero
Dois, como adversários de Lula no ano que vem. Lançar um familiar pode até ser
mais confortável a Jair, mas deixa em dúvida o grau de apoio que pode reunir e
põe em risco sua prioridade — livrar-se de uma prisão que insiste em aparecer
em seus pesadelos mais recorrentes.
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