Valor Econômico
Política monetária deve ser conduzida dentro
dos preceitos do regime de metas de inflação
A ata da reunião da semana passada do Comitê
de Política Monetária (Copom), que será divulgada amanhã, será uma primeira
oportunidade para o Banco Central passar a mensagem de que vai se ater aos
princípios do regime de metas de inflação - apagando a impressão de que poderia
reagir de forma mecânica à piora do cenário externo e ao aumento das incertezas
fiscais.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, passou as semanas que antecederam a reunião do Copom chamando a atenção para a alta dos juros dos títulos do Tesouro americano. Uma parte do mercado financeiro, que tem o hábito de simplificar as coisas, entendeu que o Copom está vendo uma espécie de piso para a baixa de juros.
O Copom também tem dito que é importante o
governo e o Congresso Nacional cumprirem as metas de superávit primário. O
Banco Central não colocou explicitamente o fiscal na sua função de reação. O
tema entra nas projeções de inflação e no balanço de riscos. Mas se criou uma
certa expectativa de que poderá reagir se o objetivo fiscal for abandonado.
Evidentemente, as coisas não funcionam bem
assim. O cenário externo e a política fiscal podem, de fato, chegar à inflação
pela taxa de câmbio. A alta da remuneração dos títulos americanos significa que
os juros dos papéis brasileiros ficam menos atrativos para os investidores
estrangeiros. Com a alta do risco fiscal, eles também tendem a exigir um prêmio
maior para fazer aplicações no Brasil.
Uma parcela do mercado, porém, segue
trabalhando com a cabeça no regime de câmbio fixo, em que a taxa Selic era
fixada para segurar a cotação do dólar. Não funciona mais assim desde 1999, com
a adoção do regime de metas de inflação. A taxa de juros deve fazer o
equilíbrio interno da economia - ou seja, manter a inflação sob controle e nas
metas, procurando minimizar a flutuação da atividade econômica. A taxa de
câmbio é responsável por garantir o equilíbrio externo da economia.
As coisas não são totalmente separadas
porque, no fim das contas, a taxa de câmbio é um canal de transmissão da
política monetária. As variações da cotação do dólar, por sua vez, influenciam
a inflação. Mas essas relações são mais sutis e variáveis do que, à primeira
vista, aparentam. Não há nada de mecânico.
Alguns operadores gostam de citar a
experiência da baixa de juros durante a pandemia como uma evidência de que os
juros internacionais impõem um piso para a nossa taxa Selic. Há certo exagero
nessa argumentação. De fato, o dólar subiu de R$ 4,03 a R$ 5,23 em 2020. Uma
parte disso pode ser explicada pela baixa da Selic a 2%, mas não tudo. O juro
não baixou tanto, pois estava a 4,25% ao ano antes da pandemia, e os Estados
Unidos fizeram um enorme programa de expansão quantitativa.
Com toda essa depreciação, a taxa de câmbio
teve um efeito altista de 1,98 ponto percentual para o desvio da inflação em
relação à meta. Mas note: em 2020, a inflação ficou em 4,52%, não muito
distante da meta, de 4%. O problema inflacionário ocorreu, de fato, a partir de
2021, quando o índice de preços atingiu 10,06%, mas a variação cambial teve um
efeito de apenas 0,44%. O que pesou foi a disparada nos preços das commodities.
O que o Banco Central deve fazer, neste
momento, é precisamente estimular o mercado financeiro a fazer as contas sobre
os eventuais impactos na inflação. O efeito do diferencial de juros sobre a
taxa de câmbio é apenas o primeiro passo. O repasse da alta do dólar sobre a
inflação não é estável, varia de acordo com as circunstâncias. Como manda a boa
literatura econômica, o Banco Central deveria se concentrar nos efeitos
secundários na inflação, quando a alta do dólar se espalha para outros preços.
O trabalho de combater esse efeito secundário é mais difícil agora, com a
desancoragem das projeções de inflação do mercado em relação às metas. Mas esse
tem que ser o foco da ação do Copom.
Nos seus documentos oficiais, o comitê tem
mantido uma certa disciplina no emprego dos princípios do regime de metas de
inflação. O seu comunicado da semana passada destaca, entre os fatores mais
importantes da função de reação, a “evolução da dinâmica inflacionária, em
especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade
econômica, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de
suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”.
Mas há escorregões, aqui e ali, que confundem
a mensagem de política monetária. O código de pronunciamentos do Banco da
Inglaterra recomenda, por exemplo, que seus membros não falem sobre a política
fiscal, a não ser no que diz respeito a perspectivas para a política monetária,
evitando comentários sobre medidas fiscais individualmente.
O Chile é um exemplo do que não fazer. Há
cerca de dez dias, o BC local baixou o juro menos do que o mercado esperava e,
ao mesmo tempo, anunciou a interrupção de um programa de compra de reservas.
Com isso, misturou políticas monetária e cambial.
O ambiente externo e fiscal são importantes e
inspiram cautela, mas a política monetária deve ser conduzida dentro dos
preceitos do regime de metas de inflação.
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