segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Alex Ribeiro - Copom deve evitar ligação direta entre juro e câmbio

Valor Econômico

Política monetária deve ser conduzida dentro dos preceitos do regime de metas de inflação

A ata da reunião da semana passada do Comitê de Política Monetária (Copom), que será divulgada amanhã, será uma primeira oportunidade para o Banco Central passar a mensagem de que vai se ater aos princípios do regime de metas de inflação - apagando a impressão de que poderia reagir de forma mecânica à piora do cenário externo e ao aumento das incertezas fiscais.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, passou as semanas que antecederam a reunião do Copom chamando a atenção para a alta dos juros dos títulos do Tesouro americano. Uma parte do mercado financeiro, que tem o hábito de simplificar as coisas, entendeu que o Copom está vendo uma espécie de piso para a baixa de juros.

O Copom também tem dito que é importante o governo e o Congresso Nacional cumprirem as metas de superávit primário. O Banco Central não colocou explicitamente o fiscal na sua função de reação. O tema entra nas projeções de inflação e no balanço de riscos. Mas se criou uma certa expectativa de que poderá reagir se o objetivo fiscal for abandonado.

Evidentemente, as coisas não funcionam bem assim. O cenário externo e a política fiscal podem, de fato, chegar à inflação pela taxa de câmbio. A alta da remuneração dos títulos americanos significa que os juros dos papéis brasileiros ficam menos atrativos para os investidores estrangeiros. Com a alta do risco fiscal, eles também tendem a exigir um prêmio maior para fazer aplicações no Brasil.

Uma parcela do mercado, porém, segue trabalhando com a cabeça no regime de câmbio fixo, em que a taxa Selic era fixada para segurar a cotação do dólar. Não funciona mais assim desde 1999, com a adoção do regime de metas de inflação. A taxa de juros deve fazer o equilíbrio interno da economia - ou seja, manter a inflação sob controle e nas metas, procurando minimizar a flutuação da atividade econômica. A taxa de câmbio é responsável por garantir o equilíbrio externo da economia.

As coisas não são totalmente separadas porque, no fim das contas, a taxa de câmbio é um canal de transmissão da política monetária. As variações da cotação do dólar, por sua vez, influenciam a inflação. Mas essas relações são mais sutis e variáveis do que, à primeira vista, aparentam. Não há nada de mecânico.

Alguns operadores gostam de citar a experiência da baixa de juros durante a pandemia como uma evidência de que os juros internacionais impõem um piso para a nossa taxa Selic. Há certo exagero nessa argumentação. De fato, o dólar subiu de R$ 4,03 a R$ 5,23 em 2020. Uma parte disso pode ser explicada pela baixa da Selic a 2%, mas não tudo. O juro não baixou tanto, pois estava a 4,25% ao ano antes da pandemia, e os Estados Unidos fizeram um enorme programa de expansão quantitativa.

Com toda essa depreciação, a taxa de câmbio teve um efeito altista de 1,98 ponto percentual para o desvio da inflação em relação à meta. Mas note: em 2020, a inflação ficou em 4,52%, não muito distante da meta, de 4%. O problema inflacionário ocorreu, de fato, a partir de 2021, quando o índice de preços atingiu 10,06%, mas a variação cambial teve um efeito de apenas 0,44%. O que pesou foi a disparada nos preços das commodities.

O que o Banco Central deve fazer, neste momento, é precisamente estimular o mercado financeiro a fazer as contas sobre os eventuais impactos na inflação. O efeito do diferencial de juros sobre a taxa de câmbio é apenas o primeiro passo. O repasse da alta do dólar sobre a inflação não é estável, varia de acordo com as circunstâncias. Como manda a boa literatura econômica, o Banco Central deveria se concentrar nos efeitos secundários na inflação, quando a alta do dólar se espalha para outros preços. O trabalho de combater esse efeito secundário é mais difícil agora, com a desancoragem das projeções de inflação do mercado em relação às metas. Mas esse tem que ser o foco da ação do Copom.

Nos seus documentos oficiais, o comitê tem mantido uma certa disciplina no emprego dos princípios do regime de metas de inflação. O seu comunicado da semana passada destaca, entre os fatores mais importantes da função de reação, a “evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”.

Mas há escorregões, aqui e ali, que confundem a mensagem de política monetária. O código de pronunciamentos do Banco da Inglaterra recomenda, por exemplo, que seus membros não falem sobre a política fiscal, a não ser no que diz respeito a perspectivas para a política monetária, evitando comentários sobre medidas fiscais individualmente.

O Chile é um exemplo do que não fazer. Há cerca de dez dias, o BC local baixou o juro menos do que o mercado esperava e, ao mesmo tempo, anunciou a interrupção de um programa de compra de reservas. Com isso, misturou políticas monetária e cambial.

O ambiente externo e fiscal são importantes e inspiram cautela, mas a política monetária deve ser conduzida dentro dos preceitos do regime de metas de inflação.

 

 

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