Folha de S. Paulo
Principais projeções para a economia trazem
uma realidade melhor do que a inicialmente prevista
Não canso de dizer que o mercado vive de
expectativas. Os números na tela do seu aplicativo de investimentos ou
homebroker movem-se de acordo com o quanto a realidade se aproximou ou se
distanciou do que imaginavam os donos do dinheiro.
Na última semana, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) pareceu jogar com isso, ao despejar água no chope da questão
fiscal para 2024. Lula, de certa forma, desautorizou o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, e
disse que "dificilmente chegaremos à meta zero" no ano que vem.
A "meta zero" do déficit fiscal é o governo gastar exatamente o que arrecadar, sem gerar novas dívidas. E Haddad vinha prometendo a perseguição dela a investidores e empresários, como garantia do controle máximo de gastos. Por mais que não acreditem cegamente na promessa, os interlocutores costumam ver com bons olhos a garantia de empenho.
Agora, Lula age como personagem da velha
anedota e avisa que a meta "subiu no telhado". Notícias já apontam
que o
governo discute déficit de 0,25% para 2024. Com isso, o mercado é obrigado
a recalibrar suas previsões. A receita funciona para um governante que tem o
projeto de dizer, ao fim do mandato, que superou as expectativas.
Veja bem: se o governo não cumprir a promessa
de Haddad no ano que vem, seu chefe pode dizer aos mesmos empresário e
investidores: "Eu bem que avisei que era difícil". Se o déficit
fiscal ficar perto de zero, o que seria um descumprimento da promessa inicial
(ruim para a imagem do governo) transforma-se automaticamente em uma "boa
surpresa".
O próprio ano de 2023 pode servir como
exemplo para entender como essa receita funciona. Nas últimas eleições
presidenciais, quando o PT de Lula derrotou o PL de Jair Bolsonaro nas urnas,
um dos temas preferidos dos agentes do mercado era a
extinção do teto de gastos.
Foi alardeado (e não sem razão) que o novo
governo já tinha como certeza a extinção do teto, cuja função declarada era
garantir a racionalidade nos gastos públicos. Com Lula eleito, os agentes do
mercado jogaram as previsões lá para baixo.
O novo governo tomou posse, o
arcabouço fiscal foi aprovado, houve alívio internacional do choque de
inflação sofrido como reflexo da pandemia e da Guerra da Ucrânia, e os
"big numbers" do ano soam como uma "boa surpresa".
O relatório Focus, boletim semanal no qual o
Banco Central reúne as previsões dos analistas do mercado, é a testemunha e a
prova do que digo.
Entre janeiro, na primeira publicação de
previsões do ano, e o fim de outubro, as principais projeções para a economia
trazem uma realidade melhor (às vezes bem melhor) do que a inicialmente
prevista. Falo de inflação (medida pelo IPCA); crescimento do PIB (Produto
Interno Bruto); preço do dólar; e taxa básica de juros (Selic).
Existem dois jeitos de superar as
expectativas: aumentando as entregas ou diminuindo as previsões. Infelizmente,
a segunda maneira parece ter a preferência.
Ob.: Um dos números do Focus para o qual a
previsão hoje é pior do que em janeiro é o de "investimento direto no
país", ou seja, dinheiro injetado por empresas ou pessoas estrangeiras em
empreendimentos brasileiros. Esse é o tipo de negócio inviável quando as
opiniões dos governantes sobre a questão fiscal mudam ao sabor do noticiário.
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