Valor Econômico
É pouco provável que as surpresas positivas
para o PIB dos últimos dois anos se repitam no ano que vem
Algumas semanas atrás o FMI soltou uma versão atualizada de suas projeções para a economia mundial. No todo, elas sinalizam uma expansão relativamente modesta do PIB mundial em 2024, de 2,9%, abaixo da média observada no período pré-pandemia (3,8% em 2000-19). Em grande medida, seria uma repetição do crescimento pouco brilhante esperado para este ano (3%), com uma pequena desaceleração nas economias avançadas, de 1,5% para 1,4%, e estabilidade nos países emergentes, onde o crescimento ficaria constante em 4%.
Esse resultado seria consequência basicamente
do aperto feito pelos bancos centrais (BCs) no último ano e meio, com o Fundo
projetando que a política monetária permanecerá restritiva até pelo menos 2025,
antes do que a instituição não espera que as taxas de inflação convirjam para
as metas.
De fato, a despeito de projetar uma nova
queda dos preços das commodities em 2024, o FMI espera apenas uma modesta
retração da inflação mundial em 2024, de 6,9% este ano para 5,8%. Nas economias
avançadas, a queda seria mais significativa, de 4,6% para 3%, enquanto nos
emergentes o processo desinflacionário seria mais lento, com os preços subindo
7,8% em 2024, contra alta de 8,5% este ano. Na maioria dos países, os núcleos
de inflação apresentariam uma desaceleração mais modesta que os índices cheios.
Dentro desse quadro de quase repetição do
quadro econômico, há algumas exceções dignas de nota. Entre as economias
avançadas, há um relevante contraste entre a desaceleração esperada para os
EUA, com queda do crescimento de 2,1% para 1,5%, e a retomada esperada para a
Área do Euro, de 0,7% para 1,2%. Nos dois casos, porém, haveria uma queda
significativa da inflação sem que o PIB contraísse e com a taxa de desemprego
subindo só marginalmente em relação ao patamar historicamente baixo registrado
este ano. Seria, no linguajar atual, um pouso suave.
Já entre as economias emergentes, vale
registrar a queda do crescimento na China, de 5% este ano para 4,2% em 2024, e
no Brasil, de 3,1% para 1,5%. Nos dois casos, porém, a taxa de desemprego
também permaneceria estável. A inflação subiria um pouco na China, de 0,7% para
1,7%, e teria uma pequena queda no Brasil, de 4,7% para 4,5%.
No nosso caso, esse cenário não diverge muito
do que mostra a pesquisa Focus, do Banco Central. Também por aqui, a visão é
que a elevada taxa de juros real começará a impactar o crescimento do PIB já na
segunda metade de 2023, período para o qual a projeção mediana de mercado é de
uma contração anualizada de 2%, frente ao primeiro semestre. Isso levaria o
crescimento no ano para 2,9%, mas deixaria um carregamento estatístico nulo ou
mesmo ligeiramente negativo para o próximo ano.
Confirmado esse prognóstico, a projeção
mediana do Focus para 2024, de alta de 1,5% no PIB, soa até um pouco otimista.
É verdade que nos dois últimos anos o PIB surpreendeu, crescendo bem mais que
os analistas projetavam. Há dois anos atrás a previsão era que o PIB de 2022
tivesse expansão de 1,3%, mas na prática acabou sendo mais que o dobro disso
(2,9%). Da mesma forma, há um ano atrás se previa alta de apenas 0,65% do PIB
este ano, menos de um quarto do que se projeta agora.
Em 2022, a surpresa veio de uma mistura de
fortes estímulos fiscais e um desempenho do setor de serviços acima do
esperado, refletindo a demanda reprimida do período da pandemia, de forma
bastante similar ao que se viu em vários outros países. Isso promoveu forte
expansão do emprego e da renda, que ajudou a alavancar o mercado de crédito e a
atividade econômica. Este ano a surpresa maior foi o excelente desempenho da
agropecuária, que por sua vez puxou a demanda por serviços como transporte e
outros associados à comercialização da safra agrícola recorde.
A alta projetada para o PIB da agropecuária,
de quase 15%, fará com que esse setor responda diretamente por 1,2 ponto
percentual do crescimento de 2023. Ele também explica em grande parte a queda
dos preços de produtos alimentícios: de acordo com o último IPCA-15, a
alimentação no domicílio registrou deflação de 1,1% nos 12 meses até outubro,
subtraindo 0,16 ponto percentual da variação do índice cheio. Isso contribuiu
para a elevação do rendimento real do trabalho, de 4,6% nos 12 meses até
setembro, o que ajuda a explicar a expansão do consumo das famílias este ano.
É pouco provável que as surpresas dos dois
últimos anos se repitam em 2024. Em que pese o relativo otimismo com os juros
externos nos últimos dias, com os sinais de algum esfriamento na atividade e no
mercado de trabalho nos EUA e na Europa, o cenário internacional permanecerá
adverso em 2024. A agropecuária muito dificilmente repetirá o excelente
resultado deste ano. E a demanda por serviços já parece ter retornado ao padrão
pré-pandemia. Soma-se isso o aumento da incerteza doméstica, com o virtual abandono
do arcabouço fiscal, o que tem puxado os juros de mercado para cima, tornado
mais preocupante a dinâmica da dívida pública e que tende a puxar o
investimento, que já foi mal este ano, ainda mais para baixo.
*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre
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