Correio Braziliense
Que tal falar de uma paz que ofereça um
futuro, que não discrimine mulheres e crianças, que leve os professores a
ensinar sem medo de repressão, que deixe todo mundo orar para o Deus que quiser
(e se quiser) e para o profeta que lhe aprouver?
Queremos mesmo? Neste caso, de que paz
falamos? Que tal começarmos a falar de uma paz inclusiva? Que tal falar de uma
paz que ofereça um futuro? Que tal falar de uma paz que não discrimine mulheres
e crianças, uma paz que leve os professores a ensinar sem medo de repressão,
uma paz que deixe todo mundo orar para o Deus que quiser (e se quiser) e para o
profeta que lhe aprouver, sem medo de retaliação, de vingança, de bombas, de
decapitação? Uma paz, enfim, que permita que a história seja contada com liberdade,
pois sem liberdade não há história confiável. Que seja fiel ao acontecido, não
uma versão engendrada para enganar ingênuos e satanizar o adversário.
Antes de tudo, uma informação aos desavisados
ou aos mal-intencionados (aos antissemitas não adianta ensinar, eles são
doentes, como qualquer fanático): Israel não é uma manifestação do imperialismo
ocidental, uma estrutura política destinada a espoliar riquezas de continentes,
povos e nações saqueados por nações industrializadas. Israel não tem nada a ver
com ingleses na África do Sul, belgas no Congo, portugueses em Angola, ingleses
na Índia, holandeses no Pacífico, russos na Ásia Central e no Báltico e assim
por diante.
A origem de Israel é outra. Tem a ver, antes de tudo, com jovens que viviam na Europa, em áreas na periferia do império czarista, onde os judeus eram constantemente vítimas de pogroms (perseguições, massacres). Muitos desses moços, em contato com literatura marxista, inconformados com as perseguições de que eram vítimas, concluíram que esse estado de coisas só mudaria quando os judeus voltassem a trabalhar no campo em atividades produtivas, aceitassem viver em comunidade, a desenvolver atividades produtivas coletivamente. Ou seja, o oposto da dominação imperialista.
Esses jovens instalaram-se em terras
compradas de proprietários árabes, fundaram colônias agrícolas coletivas (o
kibutz, plural kibutzim) ou colônias cooperativas (moshav, plural moshavim).
Estudiosos do tema contam que proprietários de terra árabes, que utilizavam mão
de obra barata também árabe, não viam com bons olhos a presença de jovens
socialistas, que pregavam a propriedade coletiva não só dos meios de produção,
como também das habitações, da comida e até da roupa de trabalho, além da
igualdade entre homens e mulheres.
Os anos 1930 e parte dos anos 1940 foram
terríveis para os judeus. De um lado Stalin, responsável por uma infinidade de
crimes contra o povo russo (e de outras nacionalidades); de outro, Hitler e
seus nazistas, cuja atividade genocida é por demais conhecida. Mesmo depois do
Holocausto, judeus encontraram muitas fronteiras fechadas (entre as quais, as
dos Estados Unidos e do Brasil). A Palestina, que não continha nenhum Estado
nacional na ocasião, tornou-se um dos poucos lugares para onde podiam afluir os
poucos sobreviventes judeus da Europa. Essas pessoas, esses sobreviventes,
terão sido a tal "ponta de lança do imperialismo inglês ou
americano"? É preciso ser idiota, pretensioso e desinformado ou alguém
dotado de extrema má-fé para acreditar nisso.
Quando, em 1947, o presidente da sessão, na
ONU, o diplomata brasileiro Osvaldo Aranha colocou em votação a partilha da
Palestina, não havia na região nenhum Estado organizado, nem inglês, nem árabe,
nem judeu. Mas a comunidade judaica já tinha uma central sindical, diversos
partidos políticos (a maioria de esquerda), uma orquestra sinfônica e uma
excelente universidade.
A partilha, aprovada por larga maioria de
votos — 33 nações votaram a favor, 13 contra e 10 se abstiveram (e a União
Soviética votou a favor) —, criava dois Estados: um judeu e um árabe. Os
judeus, organizados, aceitaram o resultado. O que aconteceu depois, todos
sabemos. Países vizinhos se uniram e, a pretexto de ajudar os palestinos,
invadiram o território destinado aos judeus. Os árabes que moravam na região
acreditaram na vitória da coligação de sete países vizinhos que prometeram,
literalmente, "jogar os judeus no mar" (e ficar com parte do espólio
dos vencidos, como declararam), algo tecnicamente viável caso tivessem vencido.
Mas os judeus resistiram e acabaram derrotando os invasores.
O motivo da vitória foi candidamente
explicado por um habitante judeu na ocasião: "Derrotamos os adversários
porque, se fôssemos derrotados, não teríamos para onde ir". Surpreendidos
e assustados, muitos árabes locais fugiram temendo represálias. Saíram,
imaginando que poderiam voltar. Isso não aconteceu. Até hoje, não se chegou a
um acordo sobre algum tipo de retorno. Também os judeus expulsos do Iêmen, do
Irã e de outros países mulçumanos nunca tiveram oportunidade de retornar. Tudo
isso precisa ser resolvido de forma justa. E tem muita gente em Israel
favorável a negociações, desde que o Estado judeu seja reconhecido pelos
palestinos e pelos vizinhos. Que tal em vez de lançar manifestos demagógicos,
distantes da verdade dos fatos, lutarmos todos juntos por uma paz justa, sem
preconceitos?
* Jaime Pinsky, historiador, professor titular da Unicamp, doutor e livre docente da USP e escritor
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