segunda-feira, 1 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Abuso de emendas de relator se repete nas de comissão

O Globo

Opacidade do orçamento secreto volta a vigorar, apesar de o STF ter declarado a prática inconstitucional

No final de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que as emendas ao Orçamento conhecidas pela sigla RP9 — ou “emendas do relator” — eram inconstitucionais. Sustentáculos do orçamento secreto, elas pecavam pela falta de transparência ao omitir o parlamentar responsável por destinar a verba. Os ministros da Corte entenderam que isso feria a Constituição. Na época, a então presidente do STF, Rosa Weber, declarou que o pagamento das emendas de relator era “recoberto por um manto de névoas”. De lá para cá, as RP9s acabaram, mas o nevoeiro não se dissipou. Só mudou de lugar.

Há dois anos, as emendas de comissão, indicadas por colegiados temáticos do Congresso e identificadas pela sigla RP8, somavam R$ 474 milhões. No Orçamento deste ano, são R$ 15 bilhões. Repetindo a prática anterior, não revelam quem destina as verbas. Em decisão recente, o ministro do STF Flávio Dino impôs uma audiência de conciliação entre Executivo e Legislativo para esclarecer a prática. “Não importa a embalagem ou o rótulo (RP2, RP8, ‘emendas Pix’ etc.). A mera mudança de nomenclatura não constitucionaliza uma prática classificada como inconstitucional pelo STF”, disse.

A fatia do Orçamento nas mãos dos congressistas brasileiros — da ordem de R$ 50 bilhões — é uma anomalia. Parlamento de nenhum país chega perto, por boas razões. Destinar verbas é tarefa do Executivo. Quando interesses paroquiais são usados como bússola, invariavelmente há desperdício. Regiões com padrinhos poderosos acabam com um pedaço desproporcional do dinheiro, enquanto outras mais necessitadas ficam à míngua.

Os exemplos são eloquentes. O Ministério da Saúde, revelou reportagem do GLOBO, reservou neste ano R$ 5,7 bilhões em emendas de comissão. Desse total, R$ 444 milhões irão para Alagoas, valor semelhante ao destinado a Minas Gerais, com sete vezes mais habitantes. Os alagoanos estão no topo do ranking per capita de emendas na Saúde, com R$ 142. Num distante segundo lugar, aparece o Piauí, com R$ 78.

Os defensores dessa distorção gostam de lembrar que o estado é o segundo pior colocado em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Curioso que o Maranhão, último no ranking, receberá menos da metade do valor per capita destinado a Alagoas (R$ 66). O argumento do IDH é falacioso, por não destacar o nível de cobertura médica. Em leitos do SUS por 100 mil habitantes, Alagoas está em melhor situação que Sergipe, Amazonas, Pará, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo, revelam dados do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde. Em médicos por 100 mil habitantes, fica à frente de Bahia, Ceará, Piauí, Amapá, Roraima, Acre, Amazonas, Pará e Maranhão.

“Temos acompanhado uma série de levantamentos em que o gasto parece atrelado ao interesse eleitoreiro”, diz Juliana Sakai, diretora executiva da Transparência Brasil. “Trata-se mais de conseguir um quinhão para ajudar algum grupo e se promover eleitoralmente que de atender às necessidades do cidadão.” Com recursos escassos, as emendas de comissão são um descalabro orçamentário comparável às do relator. Pelos mesmos motivos: valores altos, falta de transparência e de critérios técnicos. Cidades com conexões políticas recebem acima do razoável, enquanto milhões seguem na penúria.

Resultado do Pisa expõe mais uma vez gestão deficiente na educação

O Globo

Brasil ficou entre os 15 piores, entre 64 países, num campo crítico para a economia moderna: a criatividade

O Brasil continua a colher maus resultados em testes internacionais que avaliam a educação. Na última edição do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), exame promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o resultado dos alunos brasileiros na faixa dos 15 anos de idade ficou entre os 15 piores de 64 países num campo crítico para a economia moderna: a criatividade. Com 23 pontos, 10 abaixo da média da OCDE, o Brasil está no mesmo patamar de Peru, Panamá e El Salvador.

Apenas um em cada dez estudantes brasileiros foi capaz de pensar em ideias originais ou abstratas para resolver problemas do dia a dia, diz Gisele Alves, gerente executiva do Edulab21, laboratório de ciências para a educação do Instituto Ayrton Senna. A criatividade está associada ao desempenho nas demais competências. De acordo com o relatório do exame, 30% da capacidade criativa tem relação com o rendimento acadêmico em matemática, disciplina em que 73% dos estudantes brasileiros estão no nível 2 em uma escala de 1 a 6. Outros 10% estão vinculados ao nível socioeconômico. Um terceiro fato considerado inibidor da criatividade é o uso exagerado de dispositivos eletrônicos — ainda que possam ser instrumentos de ensino eficazes quando usados em sala de aula.

O resultado do Pisa é mais um indicativo de que algo vai mal no sistema educacional brasileiro e deveria aprofundar a reflexão sobre a qualidade do ensino básico. A educação tem sido tratada como prioridade nas políticas públicas e recebido recursos orçamentários crescentes. Ainda assim, cada nova avaliação tem demonstrado que nada disso tem sido suficiente para melhorar o nível dos alunos.

Apenas na semana passada, depois de longo atraso, o governo apresentou as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) para os próximos dez anos, sem ter cumprido integralmente nenhuma das 20 metas da versão anterior, de 2014. O novo ensino médio, aprovado em 2017, ainda nem começou a ser implementado. A depender da agilidade do Congresso, as mudanças só começarão a entrar em vigor no ano que vem.

O resultado do Pisa expõe mais uma vez a dificuldade brasileira de implementar políticas eficazes na educação e de executá-las com competência. O país vive um paradoxo. Isoladamente, diversas escolas, públicas e privadas, apresentam rendimento compatível com a OCDE. Mas tem sido um desafio reproduzir esse modelo por toda a rede de ensino. Constata-se que falta gestão e mão de obra competente. Dentro e fora das salas de aula.

Eleição está indefinida, apesar de vitória de Trump no debate

Valor Econômico

Estrategistas democratas vivem o dilema terrível: continuar apostando em Biden ou trocar o candidato

Até a noite de quinta-feira, as chances de Joe Biden manter-se na Presidência dos Estados Unidos ou de ter de entregá-la a Donald Trump estavam praticamente iguais, com ligeira vantagem para o republicano. O debate entre os dois candidatos na TV, porém, parece ter desequilibrado a disputa, depois da performance muito fraca de Biden, que lançou o pânico entre os democratas e um dilema para os estrategistas do partido - apostar em Biden ou trocar o candidato. São duas opções terrivelmente problemáticas. Um debate na TV pode ter influência nos rumos de uma eleição, mesmo em uma muito radicalizada, com o eleitorado praticamente dividido ao meio entre os dois candidatos - e ambos com alto índice de rejeição. E sobretudo em um sistema eleitoral em que é preciso convencer o eleitor a sair de casa para votar. A conduta frágil e sem vigor de Biden deu fôlego a Trump e pode ampliar sua dianteira nas próximas semanas, o que só as pesquisas podem indicar.

Pesquisa da CNN após o debate revelou que a impressão entre quem o assistiu só foi taxativa sobre quem saiu vencedor: Trump, com 67%. Ainda assim, 8 em cada 10 pessoas que viram o debate não mudaram a opinião que tinham antes dele. Mas o que importa, em uma eleição que será decidida no olho mecânico, são os votos não alinhados, cuja direção só se conhecerá quando as urnas forem abertas, em 5 de novembro.

O site FiveThirtyEight realizou pesquisa antes e depois do debate, e as conclusões foram na mesma direção das da CNN. A percepção sobre candidatos não mudou muito com o confronto. Biden teve menor nota do que se esperava em aptidão física e mental para o cargo - especialmente entre democratas, o que é revelador -, e Trump melhorou suas notas. Mas, o que é relevante, 48,2% dos que se mostraram dispostos a votar em Biden antes do debate reduziram-se a 46,7%, e os 43,5% que pretendem votar em Trump aumentaram para 43,9%.

Os entrevistados listaram os principais temas que influenciarão seu voto. A inflação recebeu metade das respostas, e Trump é visto como mais eficiente para lidar com a questão, por 55% a 45% ante Biden. O segundo tema foi a imigração (37%), e Trump venceu pela mesma margem. Na sequência, por ordem de prioridades, estavam o extremismo político e o aborto, questões nas quais Biden venceu Trump por 56%-57% a 44%-43%, respectivamente.

Foi unanimidade entre os especialistas que um dos quesitos mais importantes para a avaliação do debate era dissolver a impressão, bastante difundida entre republicanos e também democratas, de que Biden, com 81 anos, não estava mais em condições de exercer o cargo mais importante do mundo. Pois suas hesitações, gaguejos e balbucios quase inaudíveis reforçaram bastante essa percepção. Foi o pior que poderia ocorrer para os democratas. Trump, com 78 anos, precisou apenas ser Trump e exibir seu estilo de valentão do bairro, cheio de energia, despejando com ênfase provocações e mentiras sobre um adversário que parecia apático.

Se na aparência Trump foi melhor, na substância foi mal. Biden deixou de ser incisivo e eficiente nos temas em que tinha vantagem, como o aborto e a condenação e processos judiciais de Trump. Mas Trump não foi melhor. Não respondeu diretamente sobre o que faria em relação à guerra da Rússia com a Ucrânia e, quando respondeu, disse que acabaria com o conflito antes mesmo de tomar posse, em mais um de seus delírios megalômanos, que o fazem se autointitular o “melhor presidente da história dos EUA”. O republicano distribuiu preconceitos contra imigrantes, para contrapor-se à forma com que o governo democrata tratou a questão da fronteira com o México. Trump disse que os imigrantes estavam matando e estuprando à vontade nas grandes cidades americanas - maré de crimes permitida por Biden. Biden perdeu o debate, Trump não o ganhou.

Os democratas temem a volta de Trump e ele lhes deu novo motivos para isso. Após três vezes inquirido a dizer se aceitaria o resultado das eleições, ele respondeu que sim, desde que fossem livres e justas. Essas duas palavras frequentaram seus discursos quando ocupou a Presidência, preparando o ambiente para a histórica e ultrajante invasão do Capitólio em 6 de janeiro para impedir a posse do inequívoco vencedor do pleito, Joe Biden.

Trump colocou o Partido Republicano a seus pés, está recebendo doações bilionárias, que se aceleraram depois que foi condenado pela Justiça de Nova York por maquiar pagamento por serviços da atriz pornô Stormy Daniels. Mas tem pontos vulneráveis, como seu extremismo político, sua conduta de fora-da-lei sob escrutínio da Justiça e um programa de governo voluntarista e lunático, que inclui a perseguição a seus rivais políticos.

O momento é favorável a Trump. Manter Biden na disputa significa mais do mesmo, com a torcida democrata para que ele não repita sua péssima atuação e para que Trump perca pontos com sua retórica incendiária. A desistência de Biden levaria a disputa democrata para uma rara convenção aberta, em que os delegados poderiam votar em quem quisessem, acentuando dissensões no partido. A decisão de abandonar a corrida presidencial cabe a Biden e por enquanto nada indica que ele está propenso a ela.

Inflação inspira mais cuidado, indica o BC

Folha de S. Paulo

Gasto público e fim da ociosidade na economia dificultam queda de juros, o que o órgão indica e Lula se recusa a aceitar

Banco Central e a política monetária continuaram a ser alvo de ataques insensatos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em entrevistas concedidas na semana passada.

O presidente da República disse não entender por que a taxa de juros está em 10,5% ao ano, entre outras diatribes, e sugeriu que tudo será diferente quando seu indicado assumir o comando da instituição.

Caso se disponha a ler o mais recente Relatório Trimestral de Inflação, divulgado na quinta (27), encontrará as razões para o arrocho persistente. Também descobrirá que as projeções de inflação para este ano e 2025 subiram desde a edição anterior, de março.

Poderá verificar, ainda, que os riscos para a gestão dos preços estão em alta, fato agravado por suas desastradas intervenções, que só dificultam o trabalho da instituição e nenhum ganho trazem —nem a seu governo nem ao país.

O documento traz duas atualizações em variáveis que influenciam a projeção do IPCA e, por extensão, a taxa básica de juros.

A primeira é a estimativa da chamada taxa Selic neutra, aquela que permite o alinhamento do crescimento da economia ao seu potencial e, ao mesmo tempo, da inflação à sua meta, hoje em 3% anuais.

Segundo o BC, esse indicador subiu de 4,5% para 4,75% —as várias metodologias e a coleta de projeções do setor privado sugerem patamar ainda maior, perto de 5%. Boa parte dessa alta advém dos gastos públicos, que impulsionam a demanda e a alta dos preços.

A consequência prática da conduta perdulária do Executivo é a necessidade de uma política monetária mais restritiva do que se previa para controlar a inflação.

A outra novidade do relatório é a avaliação de que não há mais ociosidade na economia. Antes, de acordo com as contas do BC, havia recursos não utilizados, e portanto espaço para expansão da atividade sem pressionar a inflação.

Juntando todas as influências, ficou mais difícil levar a inflação para a meta, ainda mais num contexto de juros internacionais mais altos do que se esperava antes. Até agora, o governo só fez atrapalhar e não há indicação de que Lula esteja disposto a mudar de rumo.

A boa notícia foi a formalização do novo padrão de cumprimento da meta de inflação, que segue em 3% com tolerância de 1,5 ponto percentual, mas de forma contínua e desvinculada do ano-calendário.

Se o IPCA acumulado em 12 meses ficar acima do limite superior por mais de 6 meses, haverá descumprimento e, com isso, a necessidade de explicações pelo BC. Alterações só serão efetivadas com prazo mínimo de 36 meses.

Promove-se assim um aperfeiçoamento de natureza técnica. Resta eliminar o ruído político.

40 gramas

Folha de S. Paulo

Decisão do STF pode desafogar prisões; Congresso precisa rever lei insensata

Ao fixar o montante de até 40 gramas de maconha para distinguir usuários de traficantes, o Supremo Tribunal Federal (STF) torna mais objetivo o tratamento dado aos casos de porte da substância.

Embora o ajuste gradual na lei devesse partir do Legislativo, a Corte foi acionada para apreciar a questão e decidiu a partir do mérito das liberdades individuais.

Segundo projeções do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 1% a 2,4% dos presos podem vir a ser beneficiados pela medida, o que corresponde a cerca de 8.000 a 19 mil pessoas atualmente encarceradas.

Mas o impacto não será imediato, o que afasta alarmismos. O Judiciário analisará os casos individualmente. Condenados pelo porte de uma quantidade menor do que 40g têm direito a pedir revisão. Ademais, há mais de 6.000 processos suspensos que aguardavam a definição do STF, conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Iniciativas como mutirões em presídios por parte do CNJ e da Defensoria Pública são necessárias para evitar que pessoas permaneçam presas ilegalmente.

O impacto da Lei de Drogas de 2006 foi nefasto. A falta de parâmetros para diferenciar usuários de traficantes gerou enorme salto na população carcerária, de 257% entre 2000 e 2022, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Em 2005, 14% dos presos no país eram acusados ou condenados por tráfico de drogas; em 2014, 28%. No caso de mulheres, a taxa aumentou oito vezes entre 2002 e 2018, chegando a 64%.

A política de drogas brasileira, além de irracional, é custosa. O Ipea aponta um gasto de cerca de R$ 2 bilhões por ano com encarceramento de pessoas que poderiam ser enquadradas como usuárias.

A ausência de critério objetivo na lei também incentiva o preconceito racial e social. Em 41 mil processos de tráfico decididos no primeiro semestre de 2019, 67% dos acusados eram negros e 75% tinham baixa escolaridade.

Já passa da hora de o Congresso Nacional rever uma lei ineficiente e perdulária. Os parlamentares, no entanto, ameaçam promovê-la a emenda constitucional.

Real não é só moeda, é projeto de país

O Estado de S. Paulo

Aos 30 anos, a moeda simboliza uma economia organizada. Mas o real é só ponto de partida, e Brasil foi incapaz de aproveitar a chance que a estabilidade deu para o pleno desenvolvimento

Ao completar 30 anos, hoje, o real resiste como o símbolo de uma visão moderna de país. Em maior ou menor grau, todos os que colaboraram para que a moeda cumprisse seu papel – representar uma economia estável e minimamente organizada, absolutamente necessária para que o Brasil desse o sonhado salto rumo ao pleno desenvolvimento – pareciam entender que o real era o ponto de partida, não de chegada. Conseguiram o milagre de fazer o País finalmente compreender que não se controla a inflação por mágica, e sim por meio de sacrifícios e de ampla concertação política. Não se muda um país só na base da vontade de um presidente. Todos precisam querer, e é por isso que o real funcionou e perdura: porque foi fruto de um consenso costurado pelas lideranças da época – com as exceções de praxe, especialmente o PT de Lula da Silva, que ainda hoje é o maior empecilho à estabilidade.

E recorde-se que, quando o real foi lançado, o Brasil era bem outro. Seu maior problema era a inflação, não apenas elevada, como incontrolável. De 1979 a 1994, o País havia adotado nada menos que 13 planos de estabilização, e a inflação média no período havia sido de 16% ao mês. Do congelamento de preços e tarifas até o traumático confisco da poupança, tudo já havia sido tentado para domar o dragão, sem sucesso.

Farta de tantas experiências malsucedidas, a sociedade estava habituada a remarcações diárias de preços nos supermercados e a pagar ágio sobre os produtos e serviços de que necessitava. Em junho de 1994, a inflação acumulada em 12 meses era de impressionantes 9.785%.

A conjuntura política não era melhor. O presidente Itamar Franco era considerado fraco, instável e incapaz de lidar com o Legislativo. Lançar um plano econômico nessas condições parecia uma sandice, ainda mais em um ano eleitoral. Não havia motivos para acreditar que, daquela vez, seria diferente.

Mas o Plano Real inovou ao mirar nas causas, e não nos sintomas da inflação. Houve, à época, um raro alinhamento das políticas fiscal, monetária e cambial. Foram medidas duras, custosas e que exigiram sacrifícios da sociedade, entre eles uma taxa de juros muito elevada, que atraiu o capital externo necessário para criar a âncora cambial.

A liderança do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso – o quarto no cargo desde que Itamar havia assumido o cargo –, foi essencial para convencer o presidente a não voltar atrás. O plano, de fato, era de difícil compreensão, e a articulação política do governo teve de atuar muito para persuadir o Congresso a não faltar com o seu dever.

As comemorações dos 30 anos do real relembraram esse contexto político e econômico no qual o sucesso era improvável. Mas a nostalgia daquele momento traz consigo um clima agridoce. O País ainda tem um enorme desafio a enfrentar na área fiscal, mas não se vê no horizonte algo remotamente semelhante ao que ocorreu naquele período.

Embora os políticos saibam que a população não tolera mais a inflação, a maioria não entendeu – ou finge não entender – a relação de causa e efeito entre a inflação e o gasto público. Como faltava a Jair Bolsonaro e a Dilma Rousseff, falta a Lula da Silva a convicção de que o desequilíbrio fiscal é um problema que precisa ser enfrentado. E como ocorria nos governos anteriores, não há, no atual Executivo, gente capaz de convencer o presidente de que a falta de responsabilidade fiscal prejudica, sobretudo, os mais pobres.

O plano de governo de Lula da Silva não passa de um amontoado de medidas populistas que não conversam umas com as outras e que só ampliam os problemas que supostamente visam a resolver. Seus posicionamentos mudam conforme o barulho das redes sociais e os ventos das pesquisas de popularidade. Falta um projeto de País que promova um crescimento sustentável e duradouro, e não voos de galinha que caracterizam a economia brasileira há tantos anos.

Falta aquilo que existiu no Plano Real: a clareza de que problemas sérios demandam soluções efetivas. Ironia das ironias, isso ocorreu em um contexto dos mais adversos, e o político que teve a coragem de liderar esse processo foi eleito e reeleito, em primeiro turno, para o cargo de presidente da República.

A Arcádia de Lula

O Estado de S. Paulo

A julgar por seu discurso na Petrobras, esse nosso Hesíodo de fancaria quer fazer o País acreditar que os tenebrosos governos lulopetistas foram, na verdade, a época de ouro do Brasil

O Brasil já está tão habituado a ter sua inteligência ofendida pelo sr. Lula da Silva que passou sem causar a devida estupefação o discurso que o presidente da República fez na posse de Magda Chambriard na presidência da Petrobras. Linha após linha, ali está, documentado para a posteridade, até onde a mendacidade de Lula é capaz de ir para adulterar a realidade na ânsia de reescrever a história e adaptá-la a seus devaneios.

Esse nosso Hesíodo de fancaria quer fazer o País acreditar que os tenebrosos governos lulopetistas foram, na verdade, a época de ouro do Brasil e que, se a Lava Jato não tivesse aberto a caixa de Pandora, ainda estaríamos cercados de pastores e ninfas numa Arcádia onde reinaria a felicidade absoluta.

Disse o Guia Genial dos brasileiros que a Petrobras era a ponta de lança de um inebriante desenvolvimento nacional durante o mandarinato lulopetista. Por exemplo, o demiurgo festejou a criação, naquela época, de milhares de empregos com o impulso que deu à indústria naval, tendo a Petrobras como única cliente, “para atender à demanda intensa de um período de ouro”. Se piada fosse, não teria graça. Não sendo, é uma agressão aos fatos: como se sabe, grande parte dos estaleiros está abandonada em razão da evidente incapacidade do setor de concorrer com a indústria estrangeira – de resto um resultado óbvio diante da obtusa exigência de conteúdo nacional e da ausência de mão de obra qualificada, entre outros fatores que Lula e os petistas, na sua megalomania, ignoraram.

E aqui nem se está falando na corrupção desbragada que esse projeto ensejou. Mas Lula tratou de tocar no assunto fazendo questão de violentar a memória coletiva nacional, não só ao negar que tenha havido corrupção, como ao responsabilizar pela destruição da empresa aqueles que denunciaram a corrupção. “Com o falso argumento de combater a corrupção, a Operação Lava Jato mirava, na verdade, o desmonte e a privatização da Petrobras”, disse Lula.

E então, no melhor estilo lulopetista, o presidente atribuiu essa suposta ofensiva contra a Petrobras, capitaneada pela Lava Jato, à “elite política e econômica deste país”, que segundo ele “não tem nenhum compromisso com a soberania do Brasil e a vida do nosso povo”.

Ou seja, na mitologia de Lula, a “era de ouro” do Brasil e da Petrobras foi subitamente encerrada quando uma tal “elite” decidiu destruir o País. Lula foi claríssimo: “Eles querem que o Brasil seja pobre, eles querem que o Brasil seja pequeno, eles querem que o Brasil não possa tratar de seu povo. E nós queremos o Brasil exatamente ao contrário. Um Brasil grande, um Brasil rico e um país capaz de cuidar do seu povo com a dignidade que cada ser humano merece”.

Mas os brasileiros não têm mais com o que se preocupar. “Aqui estamos, de volta, para reconstruir a Petrobras e o Brasil”, anunciou Lula, triunfante, como se sua parolagem bastasse para que o País esquecesse que, na longa e tenebrosa era do lulopetismo no poder, a Petrobras praticamente quebrou e o Brasil empobreceu. Deu muito trabalho para interromper a razia promovida por essa turma, impondo limites de governança à Petrobras e de gastos para o governo. Em outras palavras, são esses limites que Lula quer demolir, em nome, segundo ele, da “realização de um sonho do povo brasileiro”.

Mas, é preciso admitir, há um trecho no discurso em que Lula, ainda que involuntariamente, está coberto de razão. É quando ele diz que “a desgraça da primeira mentira é que você passa o resto da vida mentindo para poder justificar as mentiras”. Ele se referia à “leviandade das denúncias contra a Petrobras”, mas poderia perfeitamente, caso se tornasse subitamente honesto, estar se referindo a si mesmo. E também está corretíssimo quando diz que é inútil esperar que pessoas levianas “tenham a coragem de pedir desculpas pelo engano cometido”, porque “o pedido de desculpa é uma demonstração de grandeza, e os acusadores não têm grandeza para pedir desculpa pelos erros que cometeram”. Exato: se alguém está esperando que Lula afinal reconheça os incontáveis e brutais erros que cometeu, é melhor esperar sentado.

Um divisor de águas

O Estado de S. Paulo

Caso Americanas tem de servir para mudar padrões, como ocorreu com a Enron nos EUA

A prisão, em Madri, do ex-CEO do Grupo Americanas Miguel Gutierrez, acusado de integrar, com outros ex-executivos da empresa, o esquema de fraude contábil que causou rombo estimado em R$ 25,3 bilhões, foi um sinal importante emitido pela Polícia Federal e Ministério Público Federal de que os chamados crimes de colarinho branco podem – e devem – ser investigados com o mesmo rigor de qualquer outra infração penal. Mas a dívida que o caso deixou para a sociedade, em geral, e investidores financeiros, em particular, somente será quitada se servir de parâmetro para mudança de padrões de controle e fiscalização de informações financeiras empresariais.

A autorização judicial para os dois pedidos de prisão preventiva – de Gutierrez e da ex-diretora Anna Christina Saicali – demonstra que os investigadores reuniram evidências suficientes de crime, além dos indícios de autoria. Uma guinada no caso, depois que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o caso, que por cinco meses movimentou o Congresso, foi encerrada em setembro do ano passado sem um pedido de indiciamento sequer.

O mais importante é que há um ano e meio, desde que as suspeitas de fraude foram tornadas públicas – sob o eufemismo de “inconsistências contábeis” dado por Sérgio Rial, sucessor de Gutierrez, para balanços adulterados por cerca de duas décadas –, espera-se por medidas duras o suficiente para coibir casos semelhantes e devolver a credibilidade para investimentos financeiros, em especial em empresas varejistas.

Ao longo de 2001, quando autoridades norte-americanas investigaram as sucessivas maquiagens nos balanços do Grupo Enron, então uma das gigantes de energia do mundo, o caso marcou um período de bem-sucedida austeridade fiscalizadora que fez passar pela peneira empresas de diversos setores, além de bancos de investimentos. A Securities Exchange Commission (SEC, órgão equivalente à CVM nos Estados Unidos), alvo de críticas contundentes de parlamentares por não ter detectado a fraude, mudou procedimentos e desenvolveu novos e sofisticados padrões de fiscalização.

No ano seguinte, a Lei Sarbanes-Oxley foi um divisor de águas, não apenas no mercado dos EUA, mas no mundo, ao responsabilizar executivos, na pessoa física, pela precisão das contas nas empresas administradas. Executivos da Enron, da agência classificadora de crédito e outras empresas foram condenados. No Brasil, a CVM abriu mais de uma dezena de investigações sobre o caso Americanas, inclusive contra Rial, por considerar irregular a live em que o executivo denunciou as “inconsistências” sem antes formalizar um comunicado ao mercado. Rial teve recusada uma proposta de acordo no processo.

Em junho do ano passado, a Americanas admitiu à CVM a existência de fraude nas demonstrações financeiras. O caso continua sob investigação. A resposta da CVM assim como o desenvolvimento de mecanismos que reforcem a fiscalização e a aplicação da lei no controle do mercado são imprescindíveis para garantir a boa governança e a confiabilidade no mercado de ações nacional.

É urgente salvar o Pantanal da ruína

Correio Braziliense

Apesar de as mudanças climáticas, com o aquecimento do planeta, serem uma das causas dos incêndios no Pantanal, não se pode ignorar a ação humana nesses eventos

Em razão do aquecimento global, diversos lugares do mundo vêm atravessando eventos ambientais extremos com frequência. Uma soma de fatores, que incluem a ação humana e a devastação do meio ambiente, estão envolvidos na ocorrência cada vez maior de desastres naturais.

Ondas de calor, incêndios, inundações, furacões, períodos de seca extensos ou chuvas fora de controle são alguns deles. No Brasil, os efeitos das mudanças climáticas também são sentidos de várias formas. E, nos últimos dias, o fogo que atinge o Pantanal mobilizou autoridades, ambientalistas e a população em geral.

Segundo informações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), além dos seus profissionais, o Governo do Distrito Federal e a Força Nacional enviaram bombeiros e agentes para ajudar nos trabalhos na região. Diversos órgãos e agências atuam em conjunto na ação de combate aos incêndios no Pantanal, e essa união é extremamente necessária diante do quadro.

Dados da organização não governamental WWF-Brasil indicam que os biomas nacionais registraram recordes de incêndios nos primeiros seis meses de 2024. Ainda conforme a entidade, Pantanal e o Cerrado totalizaram a maior quantidade de queimadas no período, desde o início das medições, em 1988, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

No Pantanal, de 1º de janeiro a 23 de junho, conforme a ONG, foram detectados 3.262 focos — um aumento de mais de 22 vezes em relação ao mesmo período no ano anterior, representando o maior número da série histórica do Inpe. Neste mês, levantamentos apontam que houve uma ocorrência de queimada a cada 15 minutos.

O Pantanal é a maior área úmida continental do mundo, e também lar de uma imensa biodiversidade. O fogo que devasta sua paisagem provoca prejuízos materiais e compromete seriamente a vida na região, com consequências que se estendem globalmente.

A emissão de gases poluentes na atmosfera, piorando a qualidade do ar e causando o aumento das doenças respiratórias, tem sido outro problema com a realidade crítica no Pantanal. A diminuição da fertilidade do solo, que perde matéria orgânica e umidade, afeta o país economicamente, e o mundo ambientalmente.

Apesar de as mudanças climáticas, com o aquecimento do planeta, serem uma das causas dos incêndios no Pantanal, não se pode ignorar a ação humana nesses eventos. Segundo o Ministério Público do Mato Grosso do Sul e a Polícia Federal, há indícios de que as chamas têm origem em propriedades privadas, com suspeita de crime ambiental.

Muitas vezes, não é possível a muitos colaborar diretamente na luta contra as chamas, mas cada cidadão pode tomar decisões que piorem ou amenizem a degradação dos biomas brasileiros. Atitudes individuais sustentáveis são cada vez mais essenciais. Estado e sociedade civil precisam trabalhar incessantemente. Cabe a cada um escolher qual caminho seguir: da preservação ou da destruição.

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