Valor Econômico
Lenta corrosão do poder de compra evidencia que estabilidade ainda está longe de ser alcançada
Hoje é dia de celebrar o trigésimo
aniversário de um dos maiores feitos da história brasileira em termos de
política econômica: o Plano Real.
Para se ter ideia do que isso significa,
basta recorrer a um número. De janeiro de 1980, quando o atual índice oficial
de inflação foi criado, até junho de 1994, o IPCA subiu
11.256.886.924.720,79914%. Isso mesmo: mais de onze trilhões por cento.
Explicar como era viver naqueles tempos de hiperinflação para os jovens de hoje, além de revelar nossa faixa etária, é também uma oportunidade para reconhecer como o Brasil mudou a partir daquele 1º de julho de 1994.
Cada pessoa tem as suas lembranças. No meu
caso, o Plano Real determinou o fim da necessidade de viagens mensais para Belo
Horizonte. Por anos a fio, sempre que recebia o pagamento, meu pai nos colocava
num fusquinha e rodávamos 150km para chegar no sábado bem cedo a um
hipermercado na capital para fazer toda a compra do mês, evitando assim que o
poder de compra do seu salário fosse corroído pela inflação.
O Plano Real também aposentou vários
utensílios, como as maquininhas de remarcação dos supermercados, os freezers
usados pela classe média para estocar carne e comida congelada e os carimbos
que os bancos usavam para mudar o valor nominal das células, quando a inflação
corroía os três últimos zeros.
A estabilização monetária obtida trinta anos
atrás também foi o fim de uma sequência de outras experiências malsucedidas,
algumas bastante traumáticas. Os congelamentos de preços faziam sumir produtos
no mercado, e lembro quando, criança, passamos semanas comendo proteína de soja
(argh!) porque não havia carne nos açougues da minha cidade.
Nada, porém, foi mais traumático do que ver a
preocupação do meu pai ao saber que a poupança que acumulou por anos para
terminar de construir nossa casa havia sido confiscada pelo ex-presidente
Fernando Collor de Mello.
Hoje é dia de comemorar a fantástica
engenharia econômica imaginada e implementada por um time brilhante de
economistas, comandado por um gênio político que soube contornar as
resistências, comunicando muito bem aquele plano complicadíssimo para a sociedade.
Mas hoje também precisamos lembrar que a
tarefa de controlar a inflação não terminou ali. Quando contemplamos a lenta
corrosão da inflação ao longo dos anos, nos damos conta do tamanho da nossa
perda de poder de compra.
Uma nota de cem reais emitida em julho de
1994 compraria hoje o equivalente a pouco mais de doze reais, em função de uma
inflação acumulada de 708,02% até maio de 2024. Para se ter ideia, com uma
variação nos preços de 112% no mesmo período, cem dólares emitidos em julho de
1994 continuam comprando o mesmo que US$ 47,16 hoje.
Esses 708% de inflação acumulada desde julho
de 1994 também não se fizeram sentir de forma semelhante em todos os segmentos
econômicos. Entre os grupos que compõem o IPCA, bens industrializados, que se
favoreceram da globalização e do avanço tecnológico, subiram menos: artigos de
residência, vestuário e transporte. Já alimentos, bebidas e serviços, de forma
geral, ficaram bem mais caros.
Habitação foi a despesa que mais aumentou
(1.342,4%). Entre os itens de maior destaque, está o aluguel, que subiu
1.566,86%, muito em função de um resquício de nosso passado hiperinflacionário:
os reajustes indexados ao IGP-M, índice que sofre grande influência do valor do
câmbio e nada tem a ver com contratos de locação de imóveis.
Analisando a evolução do IPCA, podemos
correlacionar seu sobe e desce às nossas desventuras econômicas e políticas. O
índice acumulado em doze meses teve três grandes altas neste século. A maior,
de 17,2% em maio de 2003, foi devido aos efeitos cumulativos do apagão de
energia elétrica do final do governo de FHC e à disparada do dólar com os
temores quanto à primeira eleição de Lula.
Outro pico, de 10,71% em janeiro de 2016,
ocorreu em meio às incertezas geradas pela Lava-Jato e o impeachment de Dilma
Rousseff. Mais recentemente, em abril de 2022, a inflação atingiu o seu segundo
maior valor neste século (11,2%), num efeito combinado de excesso de gastos do
governo Bolsonaro e a disparada de preços internacionais no pós-pandemia, tudo
isso potencializado pela subida do dólar, que desde janeiro de 2020 insiste em
se manter acima de cinco reais.
Analisados em conjunto, esses picos
inflacionários devem-se a problemas que não conseguimos resolver nessas três
décadas: instabilidade política, descontrole fiscal e deficiências na regulação
e na infraestrutura.
Trinta anos depois, continuamos esperando um Plano Real parte 2.
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