Valor Econômico
Mercado ainda não tem plena confiança do comprometimento com o controle da inflação do novo BC que será comandado por diretores indicados por Lula
O Banco Central nada pode fazer para impedir
a tendência de alta da cotação do dólar. Se a autoridade monetária se arriscar
a intervir com vendas de dólares, vai queimar reservas internacionais à toa e
perder um pedaço de sua credibilidade na luta contra a inflação.
Na sexta-feira, quando o câmbio rumou para um novo patamar, encostando em R$ 5,60, havia alguma expectativa de que o Banco Central pudesse vender moeda estrangeira, seja à vista, seja por swaps cambiais.
Fontes ouvidas pelo Valor, algumas das
quais já pilotaram a mesa de câmbio do BC, de forma unânime recomendam que não
sejam feitas intervenções. Elas dizem que a pernada da cotação do dólar reflete
o ambiente internacional mais difícil e sinais negativos do governo na política
econômica, em particular no fiscal.
O Brasil não é o único país emergente sob
pressão: México, Chile e Colômbia estão em situação bem parecida, alguns deles
observando desvalorizações ainda mais agudas de suas moedas. Nenhum deles
arriscou, até agora, a fazer novas vendas de dólares para segurar o avanço
recente de suas moedas.
Só faria algum sentido intervir se
acompanhado do anúncio de medidas firmes na área fiscal para lidar com a raiz
do problema, pelo menos na parte no nosso controle.
Existem alguns participantes do mercado que
incluem a política monetária na lista de culpados pela depreciação. Essa ala
diz que o Banco Central mudou o seu discurso, mostrou total coesão na última
decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), mas no fim das contas a dose
de juros não seria suficiente para colocar a inflação na meta.
Essa, é claro, não é a visão do Copom. Em
reunião feita há dez dias, o colegiado divulgou projeções de inflação que
mostram que, com juros estáveis em 10,5%, é possível baixar a inflação para
3,1% ao fim de 2025, percentual bem perto da meta, de 3%.
Alguns especialistas tomaram com ceticismo
essa projeção de inflação. O Copom divulgou dois exercícios. Um pressupõe que a
Selic cairia para 9,5% ao fim de 2025, o que levaria a inflação para 3,4%. E
outro, como foi dito, manteria o juro em 10,5% e levaria a inflação a 3,1%. O
argumento desses especialistas é que, com uma diferença tão pequena de juro,
seria difícil baixar a projeção de inflação de 3,4% para 3,1% em 2025.
O Valor levou esse questionamento
ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em entrevista na semana
passada. Ele explicou que há diferentes formas de fazer o cálculo. Uma é
considerar que o mercado antecipa a manutenção dos juros, outra leva em consideração
que é surpreendido por juros maiores em cada reunião do Copom. Dependendo dos
critérios adotados, o juro pode ter um efeito adicional de 0,15 ponto
percentual na inflação.
Isso ajuda a entender como o Copom chegou à
conclusão de que a dose de juros de 10,5% ao ano era suficiente naquele
momento, mas a discussão parece ter envelhecido, porque não resolve o problema
atual, que fica mais grave. O Copom trabalhou com dólar de R$ 5,30 na sua
reunião de junho, hoje já está em outro patamar.
O fato é que ninguém está amarrado na
projeção de inflação da reunião de junho, sobretudo o BC. A comunicação diz
que, naquela data, o juro estável era suficiente para levar a inflação na meta,
mas esse não é um “forward guidance”. O juro suficiente, no fim das contas, vai
ser aquele que as projeções e todo o resto determinarem que é o necessário. O
BC diz que está vigilante, o que também não é um “guidance”, mas uma lembrança
de que o comitê vai fazer o que a evolução dos dados disser que é necessário.
Por essas e por outras - incluindo a forte
coesão do colegiado na última reunião, que vai seguir adiante -, o fator
monetário, se for de fato problema, tende a deixar de ser. O que nos traz de
volta à origem dos males: a incerteza fiscal.
Uma ala dos participantes de mercado levanta
a tese de que a economia política leva o Banco Central a não intervir. Se fizer
intervenções, seguraria a cotação do dólar e tiraria a fonte de pressão que
forçaria o mundo político a reagir.
Esse é um argumento interessante, mas nem
todos acham que tem premissas corretas. O primeiro problema, apontado por
alguns, é que na verdade o Banco Central não teria o poder para tirar o câmbio
do lugar, se o fundamento vai contra. O mercado não está desfuncional. Os
ganhos teriam vida curta, e seria como enxugar gelo.
O segundo ponto é que, mesmo que o BC tivesse
esse poder de intervir, não seria prudente fazê-lo. A intervenção pura e
simples no câmbio seria vista como um fraquejo da política monetária. Ou seja,
um expediente para deixar de fazer o ajuste necessário na Selic. Assim, para
alguns, só faz sentido intervir na taxa de câmbio se vier com uma alta de juro.
Tem uma outra questão que é um desdobramento
da anterior. O mercado ainda não tem plena confiança do comprometimento com o
controle da inflação do novo BC que será comandado por diretores indicados por
Lula, apesar de aqueles que já estão no cargo terem ganhado muitos pontos com a
decisão do Copom de junho. Intervenções seriam vistas como uma tentativa de
ajudar o mundo político, num novo revés à sua reputação.
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