segunda-feira, 1 de julho de 2024

Miguel de Almeida - Pauta identitária de direita

O Globo

Politizaram a já anêmica educação brasileira sem oferecer qualquer alternativa didática

Não é apenas o bagrinho bolsonarista que é filhote das redes sociais. Sem esquecer o tiozão do zap e o Carluxo, hoje bem murcho (a rima vai de graça), a fauna conta ainda com os pais e mães no papel de censores. Despertados pela mafiosa ideia de escola sem partido, politizaram a já anêmica educação brasileira sem oferecer qualquer alternativa didática. Não valem as escolas cívico-militares. Seu garoto de recados é ambulante da má performance pátria na proficiência de matemática. Dele ouvimos:

— Se é 5% positivo + 4% negativo, crescemos 9%!

Embalado, acrescentou para aplauso dos bagrinhos:

— Isso é milagre, é uma coisa inacreditável!

Imagino como seria esse brasileiro no almoxarifado do Exército desafiado pelas quatro operações, tendo como braço executivo a intelectual da turma, Carla Zambelli, a que ameaçou mudar a política brasileira num giro de 360 graus. Na Câmara, a Comissão de Educação conta com o enciclopedismo da deputada, que ainda ceva enquete com a afamada obsessão: “Seu filho sofre violência ideológica na escola?”. Sim, implicam com ele porque é ponta-direita.

A postura fomenta espécie de milícia paternal sobre as escolas, quase sempre nas fases do fundamental. Desistiram de mirar o ensino superior, dado ser mais movediço e por terem caído diante da pegadinha do ministro Haddad:

— A qual livro de Gramsci você se refere?

A vigilância se debruça sobre páginas de obras infantis ou para young adults, em geral a partir de trechos retirados do contexto da narrativa. O último caso se deu em Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais, quando um grupo de pais pediu a proibição nas escolas de “O Menino Marrom”, de Ziraldo. Publicado no longínquo 1986, incomodaram-se com a passagem onde dois garotos fazem um pacto de sangue para selar a amizade; de início com uma faca, depois com um alfinete, para se decidirem enfim por uma tinta vermelha — calma, meu bagre: o ato é cravado ao final com tinta azul. Se fosse “Meu pé de laranja lima”, eu até entenderia a implicância (choro até hoje pelo gajo).

Os zelosos pais mineiros talvez não desconfiem, por razões que não cabe aqui explicar, mas praticam o identitarismo de direita. É um nicho de atuação diferente da renitente idiossincrasia praticada pela esquerda, mais de olho em cotas, privilégios ou reserva de mercado, mas que iniciou a patologia ao nomear Monteiro Lobato como racista. A ação fez escola (hum...) e ajudou o Brasil a produzir a figura do policial de parágrafos. É um assustador espectro, espécie de capitão de pijama aparelhado pelo teor programático ensinado nas redes pelos formadores de censores de opinião. Ou cancelamentos — também pode chamar assim.

À primeira vista poderiam parecer preocupados com os currículos escolares e com sua desconexão com o vibrante momento de digitalização da sociedade. Ao censurar Lobato ou Ziraldo, reencenam os luditas em defesa da tração animal. Não desconfiam que a baixíssima produtividade do brasileiro é vítima dileta de uma educação precária, tanto civil como militar. O voluntarismo obsequioso não toca no que se avizinha, o desafio de recapacitar milhares de trabalhadores à luz dos novos meios de produção. Ou de formar estudantes capazes de operar máquinas inteligentes. O quase presente são fábricas sem operários e exércitos sem soldados. Atenção: o banco mais valioso da América Latina não tem nenhuma agência física. Não é só no Brasil, infelizmente, mas o tempo político extremista transformou o professor numa profissão de risco. “Não (pela) apatia, mas pela agressividade. Não é a ausência de espírito crítico, mas a crítica ignorante da cultura escolar”, escreve o filósofo francês Alain Finkielkraut. Temos alguns degraus culturais a subir diante da França, mas a censura se manifesta no mesmo diapasão: “‘Madame Bovary’ é considerado perigosamente favorável à liberdade da mulher (...). Os alunos são incitados a desconfiar de tudo o que os professores propõem”. Daí que Rousseau e Molière estão na linha de tiro (ops!) do identitarismo de esquerda e de direita (às vezes pelos mesmos motivos!).

Por aqui se busca transformar a escola numa espécie de prolongamento da família. Portanto, sendo reflexo doméstico, se dá sob um senso absolutamente medíocre ou banal. Concordo com Finkielkraut: “A escola não deve ser a imagem da sociedade”.

Uma observação final: com dois meses de duração, encerrou-se há pouco a greve anual das universidades federais. Em breve, como sói acontecer, entraremos na temporada das paralisações estaduais. Vai, Brasil!

 

4 comentários:

Anônimo disse...

O PT esteve à frente do governo federal por 16 anos tempo suficiente para estruturar e erguer a Educação brasileira, mas ao contrário ela só decaiu, a esquerda não se interessa pela educação do seu povo é tudo conversa é tudo narrativa
O Brasil hoje é um dos piores colocado quando se faz testes internacionais de português e matemática Ficando pra atrás de
Vietnã, Peru , Iêmen e outros países de terceiro mundo, uma vergonha e a esquerda de volta agora tem nas escolas novamente fonte de ideologias e doutrinas, não se preocupa com a formação Técnica acadêmica dos seus alunos
E com um quadro desse caótico educacional, A imprensa esquerda estão preocupados com a escola cívico militar que funciona
Ensina seus alunos Conhecimentos teóricos científicos dos currículos do primeiro e segundo grau

Anônimo disse...

Devemos relembrar a contribuição bolsonarista à Educação brasileira: ministros da Educação criminosos, como Abraham Weitraub, pastor Milton Ribeiro, ex-militar Carlos Alberto Decotelli, que se sucederam ao longo de 4 anos de caos educacional. O último mentia no próprio currículo, dizendo ser pós-doutor quando nem doutor era, e os 2 primeiros sendo ainda hoje processados por seus crimes no cargo.
Sobre as escolas cívico-militares, há brilhante artigo neste blog de 28/6/24, de Fernando Abrucio, que desmente o papagaio bolsonarista que se apresenta anonimamente acima.

Anônimo disse...

Texto brilhante! Parabéns ao colunista, e ao blog que divulga seu trabalho!

ADEMAR AMANCIO disse...

A esquerda quando erra e,erra muito,sempre tem uma boa causa por trás,as pautas defendidas pela direita são...