O Globo
Politizaram a já anêmica educação brasileira
sem oferecer qualquer alternativa didática
Não é apenas o bagrinho bolsonarista que é
filhote das redes sociais. Sem esquecer o tiozão do zap e o Carluxo, hoje bem
murcho (a rima vai de graça), a fauna conta ainda com os pais e mães no papel
de censores. Despertados pela mafiosa ideia de escola sem partido, politizaram
a já anêmica educação brasileira sem oferecer qualquer alternativa didática.
Não valem as escolas cívico-militares. Seu garoto de recados é ambulante da má
performance pátria na proficiência de matemática. Dele ouvimos:
— Se é 5% positivo + 4% negativo, crescemos
9%!
Embalado, acrescentou para aplauso dos
bagrinhos:
— Isso é milagre, é uma coisa inacreditável!
Imagino como seria esse brasileiro no almoxarifado do Exército desafiado pelas quatro operações, tendo como braço executivo a intelectual da turma, Carla Zambelli, a que ameaçou mudar a política brasileira num giro de 360 graus. Na Câmara, a Comissão de Educação conta com o enciclopedismo da deputada, que ainda ceva enquete com a afamada obsessão: “Seu filho sofre violência ideológica na escola?”. Sim, implicam com ele porque é ponta-direita.
A postura fomenta espécie de milícia paternal
sobre as escolas, quase sempre nas fases do fundamental. Desistiram de mirar o
ensino superior, dado ser mais movediço e por terem caído diante da pegadinha
do ministro Haddad:
— A qual livro de Gramsci você se refere?
A vigilância se debruça sobre páginas de
obras infantis ou para young adults, em geral a partir de trechos
retirados do contexto da narrativa. O último caso se deu em Conselheiro
Lafaiete, Minas Gerais, quando um grupo de pais pediu a proibição nas escolas
de “O Menino Marrom”, de Ziraldo.
Publicado no longínquo 1986, incomodaram-se com a passagem onde dois garotos
fazem um pacto de sangue para selar a amizade; de início com uma faca, depois
com um alfinete, para se decidirem enfim por uma tinta vermelha — calma, meu
bagre: o ato é cravado ao final com tinta azul. Se fosse “Meu pé de laranja
lima”, eu até entenderia a implicância (choro até hoje pelo gajo).
Os zelosos pais mineiros talvez não
desconfiem, por razões que não cabe aqui explicar, mas praticam o identitarismo
de direita. É um nicho de atuação diferente da renitente idiossincrasia
praticada pela esquerda, mais de olho em cotas, privilégios ou reserva de
mercado, mas que iniciou a patologia ao nomear Monteiro Lobato como racista. A
ação fez escola (hum...) e ajudou o Brasil a produzir a figura do policial de
parágrafos. É um assustador espectro, espécie de capitão de pijama aparelhado
pelo teor programático ensinado nas redes pelos formadores de censores de
opinião. Ou cancelamentos — também pode chamar assim.
À primeira vista poderiam parecer preocupados
com os currículos escolares e com sua desconexão com o vibrante momento de
digitalização da sociedade. Ao censurar Lobato ou Ziraldo, reencenam os luditas
em defesa da tração animal. Não desconfiam que a baixíssima produtividade do
brasileiro é vítima dileta de uma educação precária, tanto civil como militar.
O voluntarismo obsequioso não toca no que se avizinha, o desafio de recapacitar
milhares de trabalhadores à luz dos novos meios de produção. Ou de formar estudantes
capazes de operar máquinas inteligentes. O quase presente são fábricas sem
operários e exércitos sem soldados. Atenção: o banco mais valioso da América
Latina não tem nenhuma agência física. Não é só no Brasil, infelizmente, mas o
tempo político extremista transformou o professor numa profissão de risco. “Não
(pela) apatia, mas pela agressividade. Não é a ausência de espírito crítico,
mas a crítica ignorante da cultura escolar”, escreve o filósofo francês Alain
Finkielkraut. Temos alguns degraus culturais a subir diante da França, mas a
censura se manifesta no mesmo diapasão: “‘Madame Bovary’ é considerado
perigosamente favorável à liberdade da mulher (...). Os alunos são incitados a
desconfiar de tudo o que os professores propõem”. Daí que Rousseau e Molière
estão na linha de tiro (ops!) do identitarismo de esquerda e de direita (às
vezes pelos mesmos motivos!).
Por aqui se busca transformar a escola numa
espécie de prolongamento da família. Portanto, sendo reflexo doméstico, se dá
sob um senso absolutamente medíocre ou banal. Concordo com Finkielkraut: “A
escola não deve ser a imagem da sociedade”.
Uma observação final: com dois meses de
duração, encerrou-se há pouco a greve anual das universidades federais. Em
breve, como sói acontecer, entraremos na temporada das paralisações estaduais.
Vai, Brasil!
7 comentários:
O PT esteve à frente do governo federal por 16 anos tempo suficiente para estruturar e erguer a Educação brasileira, mas ao contrário ela só decaiu, a esquerda não se interessa pela educação do seu povo é tudo conversa é tudo narrativa
O Brasil hoje é um dos piores colocado quando se faz testes internacionais de português e matemática Ficando pra atrás de
Vietnã, Peru , Iêmen e outros países de terceiro mundo, uma vergonha e a esquerda de volta agora tem nas escolas novamente fonte de ideologias e doutrinas, não se preocupa com a formação Técnica acadêmica dos seus alunos
E com um quadro desse caótico educacional, A imprensa esquerda estão preocupados com a escola cívico militar que funciona
Ensina seus alunos Conhecimentos teóricos científicos dos currículos do primeiro e segundo grau
Devemos relembrar a contribuição bolsonarista à Educação brasileira: ministros da Educação criminosos, como Abraham Weitraub, pastor Milton Ribeiro, ex-militar Carlos Alberto Decotelli, que se sucederam ao longo de 4 anos de caos educacional. O último mentia no próprio currículo, dizendo ser pós-doutor quando nem doutor era, e os 2 primeiros sendo ainda hoje processados por seus crimes no cargo.
Sobre as escolas cívico-militares, há brilhante artigo neste blog de 28/6/24, de Fernando Abrucio, que desmente o papagaio bolsonarista que se apresenta anonimamente acima.
Texto brilhante! Parabéns ao colunista, e ao blog que divulga seu trabalho!
A esquerda quando erra e,erra muito,sempre tem uma boa causa por trás,as pautas defendidas pela direita são...
O comentário do primeiro Anônimo (1/7/24 09:47) ilustra perfeitamente o que é um semianalfabeto culpando o PT pelo país ser "um dos piores colocado quando se faz testes" e afirmando o quanto "a escola militar é que funciona". Deve ter sido aluno de logística com o Pazzuello, de direitos humanos com o Zero Um, de relações internacionais com o Zero Dois e assim por diante. De português, nem isso.
E o fato de postar anonimamente ilustra também a sua coragem e honestidade.
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