O Globo
Países que são referência por seu desempenho têm sistemas de educação básica majoritariamente (ou exclusivamente) públicos. É importante lembrar disso à luz dos movimentos recentes de São Paulo e Paraná que, independentemente de suas intenções, reavivaram na imprensa o debate sobre uma suposta superioridade da gestão privada na busca pelos meios mais eficazes de melhorar os resultados de escolas públicas. Possíveis riscos à política educacional não decorrem, necessariamente, da concessão ao setor privado de serviços de construção, manutenção predial, limpeza ou vigilância, algo já comum. Um regime de contratação, se bem estruturado, pode resultar em melhores serviços, liberar tempo dos educadores, otimizar a relação com fornecedores e até economizar recursos públicos. Os riscos surgem de outros elementos e, apesar de diferenças de escopo e abrangência entre as duas propostas, existem três aspectos comuns.
Primeiro, a noção de que a gestão privada é
necessariamente melhor que a pública. Além de não ter, na média geral,
resultados plenamente satisfatórios, há heterogeneidade no setor. Algumas
poucas escolas de elite cobram mensalidades superiores ao gasto anual público
por aluno. Já particulares com menores mensalidades atendem uma classe média de
menor poder aquisitivo com desempenho bastante inferior às mais elitizadas e
próximo — e por vezes pior — das públicas, conforme estudo de
Andréa Curi e Naercio Menezes. Mesmo a experiência internacional,
especialmente nos EUA, mostra que o desempenho de particulares financiadas com
recursos públicos é semelhante ao da média de escolas estatais, ao se
considerar o nível socioeconômico dos alunos, como mostra estudo recente de Lara Simielli (FGV) e Martin Carnoy (Stanford).
Segundo, as propostas em debate parecem supor
que a gestão das escolas se restringe aos aspectos administrativos e
pedagógicos, e que eles seriam completamente separados. As competências de uma
direção da escola são, em geral, organizadas em quatro dimensões:
político-institucional; pedagógica; administrativo-financeira; e pessoal e
relacional. A literatura e a experiência empírica rejeitam categoricamente a
segregação entre essas dimensões. Processos administrativos envolvendo
servidores públicos pertencem a qual dimensão? E a realocação de docentes em
caso de enfermidades? Ações de comunicação com as famílias para matrícula e
busca ativa são administrativas ou pedagógicas? A seleção e a aquisição de
materiais paradidáticos para projetos interdisciplinares são financeiras ou
pedagógicas? Além de não ser possível separá-las, é o alinhamento entre as
ações nessas distintas dimensões que gera coerência interna para que as escolas
alcancem seus objetivos político-pedagógicos.
Terceiro, a busca por inovações é necessária,
mas num setor tão crucial requer prudência, conhecimento e estratégia. Inovar
por inovar pode ser pior. Vale recorrer de novo aqui à lição dos sistemas
educacionais de alto desempenho. Eles não são herméticos ou desconectados da
sociedade, pois são capazes de mesclar políticas de longa duração com inovações
pedagógicas, programáticas e gerenciais, avaliando-as antes de lhes dar escala
(ou abandonar). Em suma, são “sistemas que aprendem”. Isso vai da gestão do sistema
até a escolar. Por exemplo, redes públicas como a de Ontário (Canadá) e
Cingapura entendem suas escolas como comunidades de aprendizagem profissional,
estimulando a colaboração entre pares e criando as condições para isso.
Não há espaço na gestão pública para medidas
pouco discutidas com as comunidades escolares, não referendadas pelas
evidências científicas, sem estratégia de implementação correta e monitoramento
estruturado. A busca por inovações que qualifiquem os serviços públicos
oferecidos à população é necessária, mas, neste caso, proponho um caminho
oposto: é através da melhoria das capacidades estatais e do desenvolvimento
profissional dos gestores públicos que conseguiremos dar um salto sustentado de
qualidade educacional. Além disso, por tabela, beneficiará também o setor
particular, ao exigir a melhoria de seus serviços na medida em que uma parte
das famílias passe a reconsiderar a opção pública como viável. Estudo de Tahir Andrabi e coautores, publicado este ano no
Quarterly Journal of Economics, mostra que foi isso que aconteceu no
Paquistão.
Por fim, jamais podemos ignorar que é o setor
público, por sua natureza, o mais apropriado para acolher a todos, sem
distinção e com equidade. O desafio é fazer isso com qualidade universal,
tornando o Estado mais eficaz antes de recorrer à decisão simplista de
substituí-lo pelo setor privado. É um caminho, sem dúvida, trabalhoso, mas
muito mais promissor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário