Ataque a Hezbollah era necessário para conter ameaça
O Globo
Agora, para conter danos aos civis e obter
reféns de volta, as partes devem buscar um cessar-fogo
Horas depois do monstruoso ataque terrorista
do grupo palestino Hamas em 7 de outubro do ano passado, quando nem se sabia ao
certo quantas centenas de pessoas haviam sido massacradas, sequestradas ou
abusadas sexualmente, o grupo xiita libanês Hezbollah — responsável por dezenas
de atentados terroristas em vários continentes, inclusive na América Latina –
começou a bombardear o norte de Israel de suas bases no sul do Líbano. Foram
lançados desde então mais de 10 mil foguetes, forçando o êxodo de 67.500 habitantes
da região. Foi esse o motivo para Israel atacar o Líbano nas últimas semanas,
começando com a explosão sincronizada de perto de 3 milhares de pagers usados
para comunicação entre integrantes do Hezbollah e culminando com a morte de seu
líder, Hassan Nasrallah, atingido por um ataque em Beirute enquanto participava
de uma reunião no subsolo de um prédio residencial na sexta-feira.
A ofensiva israelense deixou milhares de feridos e centenas de mortos, entre eles as principais lideranças do Hezbollah, representantes do governo iraniano e, lamentavelmente, civis inocentes, inclusive dois brasileiros. Ao contrário de Israel, que dispõe de um sofisticado sistema de defesa antiaéreo capaz de interceptar mísseis e foguetes ainda no ar — testado em seu limite por um ataque iraniano meses atrás —, o Hezbollah opera, a exemplo de seu congênere Hamas, infiltrado na população civil libanesa, usada como escudo humano para dissuadir ataques. Só que o Hezbollah é mais sofisticado e poderoso que o Hamas. Seu arsenal, estimado entre 150 mil e 200 mil foguetes, lhe confere dez vezes o poder de fogo do grupo palestino. O Hezbollah também é dependente militar e financeiramente de Teerã, mas os vínculos são mais fortes. Como o Irã, professa a vertente mais extremista do fundamentalismo xiita, almeja a destruição de Israel e está em conflito aberto com os valores (e países) ocidentais há décadas. O Hezbollah usufrui um status especial no Líbano, que lhe permite, ao mesmo tempo, manter representação política e uma milícia própria, além de comandar bancos, fornecimento de energia e um sistema econômico paralelo.
Atacar alvos do Hezbollah em solo libanês foi
uma medida necessária diante dos riscos que corria, mas Israel sabe que a ação
pode aprofundar uma guerra de custo elevadíssimo para sua própria população. A
reação do Irã até o momento é incerta. Perto de completar um ano dos ataques do
Hamas, a vitória israelense completa, com aniquilação total de Hamas e
Hezbollah, continua uma promessa distante — realisticamente já seria uma grande
vitória deixar em ruínas o poder de fogo de seus adversários. Um ataque iraniano
a Israel poderia transformar o conflito localizado numa guerra de alcance
global — e isso não interessa a ninguém.
Em sua manifestação de apoio a Israel depois
da morte de Nasrallah, o presidente americano, Joe Biden, conclamou as partes
envolvidas a investir nos esforços diplomáticos para chegar a acordos de
cessar-fogo, tanto em Gaza quanto no Líbano. É difícil alcançar uma solução que
satisfaça a todos os requisitos para a segurança das populações civis. Mas
Biden tem razão em dizer que, uma vez contida a ameaça iminente dos grupos
extremistas, é preferível o cessar-fogo à guerra que perdure. Nas suas próprias
palavras: “É hora de esses acordos serem fechados, de as ameaças a Israel serem
removidas e de a região do Oriente Médio como um todo alcançar maior
estabilidade”.
Experiência ajuda a implementar veto a
celulares em sala de aula
O Globo
Há leis proibindo o equipamento nas escolas
de 20 estados, mas nem todas funcionam na prática
O anúncio do ministro da Educação, Camilo
Santana, de que o governo enviará Projeto de Lei (PL) ao Congresso
para proibir o uso de celulares nas escolas é uma oportunidade para ampliar a
discussão sobre a medida. Não há dúvida de que os aparelhos, usados sem
qualquer regra, prejudicam o aprendizado. No exame de 2022 do Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), 45% dos alunos brasileiros
entrevistados relataram experiências de distração ao usar aparelhos eletrônicos
em sala de aula, 15 pontos percentuais acima da média da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O que fazer com os celulares na escola é tema
de interesse global. Reportagem recente da CNN no Reino Unido
relata que foi “um choque” quando os aparelhos foram proibidos nas escolas. A
discussão ocorre em diferentes estados americanos que adotam restrições. Países
como França, Espanha, Finlândia, Itália, Holanda, Canadá, Suíça, Portugal e México seguiram o
caminho da proibição. Em junho, a Unesco recomendou a medida.
No Brasil há desde 2004 leis sobre o uso de
celular em salas de aula, e hoje restrições vigoram em 20 estados. Há,
portanto, experiência acumulada que precisa ser usada na discussão do PL do
governo no Congresso. Não é difícil baixar normas e estabelecer regras. A
dificuldade, como sempre, está em cumpri-las.
Tem havido percalços na implementação em
razão da resistência dos alunos. Apenas 12% das escolas dos estados onde há
leis sobre o assunto informaram conseguir proibir os celulares na prática,
segundo pesquisa do Comitê Gestor da Internet. “Tudo no celular é mais atraente
que o professor lá na frente”, diz a professora Manoela Lima, da rede estadual
de São Paulo. Daí a dificuldade para obrigar os alunos a manter o aparelho
desligado durante as aulas e também no recreio.
Na cidade do Rio, uma das que mais têm
defendido a regulação do uso de celular nas escolas, o secretário de Educação,
Renan Ferreirinha, relata que foi mais fácil aplicar a regra com os alunos mais
novos. Para os mais velhos houve necessidade de trabalho pedagógico específico,
com rodas de conversas e capacitação dos profissionais da rede escolar. Ele
reconhece que sempre haverá transgressores, mas aposta que, com o tempo, elas
tendem a diminuir.
É provável que o Projeto de Lei do MEC, além
de proibir o celular na escola, como no Rio, autorize o professor a usar os
aparelhos com fins pedagógicos. Blindar a educação contra avanços tecnológicos
seria mesmo insensatez. Na maior parte do tempo, a proibição deve vigorar. Mas
também há iniciativas para que professores ensinem com a tecnologia em vez de
tentar enfrentá-la. Para que a proibição funcione, o mais importante é
desenvolver atividades pedagógicas que atraiam o interesse dos alunos.
Brasil perde influência ao se alinhar ao
autoritarismo
Valor Econômico
O presidente deixa Nova York mostrando-se
parcial demais para quem pretende ser mediador de conflitos globais, fraco
demais até entre seus vizinhos na América do Sul para defender a democracia que
prega e muito vulnerável para responder às ameaças climáticas
Em seus mandatos anteriores, o presidente
Lula costumava encantar plateias internacionais, e foi assim até logo depois de
suceder a Jair Bolsonaro. Não mais, como ficou claro após discurso e ações
posteriores à abertura da 79ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas
(ONU). Sua fala reafirmou pontos importantes da diplomacia brasileira, como a
necessidade de erradicar a fome e a pobreza mundiais e de garantir para os
países emergentes uma representação alinhada a seu novo peso econômico e político
nos organismos internacionais, como no Conselho de Segurança da instituição. Ao
substituir Bolsonaro, Lula ganhou prestígio por comparação ao passado,
especialmente na questão do combate às mudanças climáticas. Mas está
dilapidando o patrimônio conquistado no passado. Prestes a completar uma década
em passagens pelo poder, a atuação de Lula passou a ser vista por boa parte da
comunidade internacional como divisiva, anacrônica e parcial, alinhada a um
bloco de nações que não segue regras democráticas.
A principal credencial do país no exterior é
a ambiental, mas Lula chegou a Nova York ainda com o país em chamas, 60% do
território nacional coberto por fumaça e um mea culpa de que o governo não
estava preparado para enfrentar emergências climáticas como as que ocorreram,
mesmo decorrido um ano e meio do mandato.
O presidente não só teve seu prestígio
chamuscado pelo fogo em questão central na agenda internacional, como também
foi questionado por sua ambiguidade ao apresentar-se como vanguarda do combate
ao aquecimento global e ambicionar ser um dos maiores produtores de petróleo do
mundo. Emirados Árabes, Azerbaijão e Brasil, países- sede de COPs - passada,
presente e futura -, foram criticados pela Oil Change International,
organização não lucrativa, porque os três anfitriões das conferências do clima
vão aumentar sua produção de petróleo até 2035 em 37%, 4% e 38%,
respectivamente (FT, sexta).
Mesmo abordando questões vitais da política
externa, Lula escamoteou pontos em que o Brasil não está à altura do que exige
de outros países ou em que simplesmente não pratica o que defende. A ditadura
venezuelana foi exemplo do ensurdecedor silêncio de Lula sobre as últimas
eleições. Ele defendeu a democracia doméstica contra “investidas extremistas,
messiânicas e totalitárias, que espalham o ódio, a intolerância e o
ressentimento”, mas nada disse sobre seu vizinho, que costumava prestigiar e
sobre o qual rejeita até hoje classificar de ditadura, mesmo depois de fraude
eleitoral óbvia - o Brasil cobra a divulgação das atas eleitorais até hoje.
Procurou, sem sucesso, desviar-se da incômoda situação de um pretensioso
mediador de grandes conflitos internacionais que sequer consegue exercer
influência sobre seu vizinho.
Nas reuniões posteriores, o presidente
brasileiro respondeu a ataques a suas posições em conflitos nos quais se
intromete sem ter poder para influenciar. No caso do Oriente Médio, condenou o
terrorismo do Hamas, mas preferiu acusar Israel de ter desejo de vingança em
Gaza, numa reação que já deixou 40 mil palestinos mortos, criticando também os
ataques israelenses que acertaram território libanês, destinados a enfraquecer
o poder bélico do Hezbollah, outro grupo terrorista patrocinado pelo Irã, agora
companheiro do Brasil no Brics ampliado, por exigência da China.
Lula chocou-se com Volodymyr Zelensky,
presidente da Ucrânia, a quem atribui falta de esperteza por não realizar
manobras diplomáticas em relação à Rússia. Zelensky, corretamente, apontou que
Lula favorecia Vladimir Putin com sua proposta de entendimento de seis pontos
alinhavado por Brasil e China. O documento foi feito após amplas consultas com
a China, com participação do assessor especial Celso Amorim, e ampla troca de
ideias com Putin - e nenhum intercâmbio com o governo da Ucrânia, vítima da
segunda invasão russa em uma década.
Após Lula deixar Nova York, coube a Amorim
colocar a cereja em bolo embatumado, a reunião com países para apresentar o
embrulho de paz para a Ucrânia. O documento, em resumo, estabelece as condições
para um amplo cessar-fogo, mas em nenhum momento menciona que houve um país que
foi invadido e outro que é invasor, a Rússia. A rejeição de Zelensky à
proposta, segundo Amorim, “não a afeta em nada”, uma declaração espantosa, que
apenas repete a genuflexão que Brasil faz ao autoritarismo de China e Rússia, seus
parceiros no Brics, e o desrespeito à vontade da principal vítima, que já teve
a Crimeia incorporada por decreto de Putin à Rússia.
O presidente Lula sai da Assembleia da ONU
mostrando-se parcial demais para quem pretende ser mediador de conflitos
globais, fraco demais até entre seus vizinhos na América do Sul para defender a
democracia que prega e muito vulnerável para responder às ameaças climáticas.
Não se alinhar aos EUA não implica aliar-se a ditaduras que atendem a devaneios
ideológicos da diplomacia lulista. Essa parceria ainda trará muitos problemas,
e o Brasil só tem a ganhar retornando à independência que já teve no passado.
Alta da dívida pública desmente retórica de
Lula
Folha de S. Paulo
Petista contesta crítica à escalada do gasto
após reunião com agências de risco, mas nova regra fiscal não evita déficit
Em sua passagem por Nova York,
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) se encontrou
com representantes de agências de risco —empresas, não raro
hostilizadas no discurso petista, que monitoram e avaliam a qualidade da
política econômica e as perspectivas para as dívidas dos governos,
classificando-as em graus de segurança.
A imagem brasileira hoje não é boa, já que o
país está na categoria de investimento especulativo, sem o selo de bom pagador
para o governo nacional. O chamado grau de investimento, obtido em 2008 no auge
do boom dos preços de matérias-primas, foi perdido em 2015 na gestão de Dilma
Rousseff (PT) em razão do desequilíbrio orçamentário.
O mandatário tentou convencer as agências de
que há controle fiscal e estabilidade econômica no Brasil. Negou, assim, a
realidade da gastança de seu governo e suas já visíveis consequências, na forma de
juros em alta e câmbio desvalorizado
—que não tardarão a comprometer o crescimento da renda e do emprego.
Em entrevista, Lula repetiu a ladainha de que
aprendeu economia em casa e sabe que não pode gastar acima da receita; dívidas,
disse, só devem ser contraídas para investimentos (despesas que ampliam a
capacidade produtiva do país).
Até se encontra alguma sensatez básica nas
afirmativas, mas deve-se lembrar que, em outras ocasiões, o líder petista já
chamou de investimento quase todo tipo de gasto público.
Os números mostram o resultado efetivo das
teses presidenciais. O governo terá deficit de R$ 68,8 bilhões neste ano,
segundo suas próprias projeções, e isso sem contar os encargos com juros.
A meta de equilibrar receitas e despesas
estará assim formalmente cumprida apenas porque há R$ 40,5 bilhões em
desembolsos classificados como fora dos limites, para
emergências climáticas, e há uma margem de tolerância de R$ 28,8
bilhões (0,25% do PIB) na regra
fiscal.
Como corretamente apontou Lula, neste 2024 a
economia crescerá em torno de 3%, bem mais do que se esperava no começo do ano.
Longe de mérito específico de sua administração, tais surpresas altistas tem
ocorrido desde 2021, e os analistas ainda se debatem com as explicações.
Parte do fenômeno pode resultar do impacto de
reformas, como a trabalhista, e da melhora na governança de projetos de
infraestrutura, incluindo o novo marco do saneamento. Parece claro, no entanto,
que boa parte do impulso decorre dos gastos públicos em alta, algo de fôlego
curto.
No futuro próximo, o quadro é temerário. As
projeções são de déficit primário até o final da atual gestão, enquanto os
juros estão novamente em alta. Estimativas que constam do Orçamento indicam
aumento da dívida pública a 81,6% do PIB em 2026.
Estabilidade fiscal e previsibilidade,
enaltecidas por Lula, precisam se traduzir em ações efetivas para equilibrar as
contas. Sem isso, são apenas conversa fiada.
Rio mostra importância das câmeras na PM
Folha de S. Paulo
Uso inédito dos dispositivos para denunciar
policiais evidencia utilidade do programa para prevenir e investigar abusos
Para que a política de câmeras em uniformes
policiais seja eficaz, não basta meramente implantá-la. É necessário que ela
gere mudanças significativas na atividade dos agentes de segurança, seja para
formar boas práticas em treinamentos, seja para punir condutas nefastas. Tal
processo começa a ser visto no país, ainda que a passos lentos.
Pela primeira vez, o Ministério
Público do Rio de
Janeiro utilizou a
tecnologia para indiciar PMs por crimes no exercício da função. Em
um dos casos, ocorrido em outubro de 2023 e revelado pela Folha, a câmera
gravou um policial quando ele se apropriava de R$ 100 de um suspeito algemado.
Sem ela, a ilegalidade provavelmente permaneceria impune.
Importante também é que os órgãos de controle
interno, como a corregedoria, e externo, como Ministério Público, fiscalizem os
meios encontrados pelos agentes para burlar os dispositivos —a promotoria
fluminense encontrou casos de profissionais que encobrem o equipamento ou
descarregam sua bateria.
O Congresso Nacional poderia regular a
punição dessas condutas, mesmo que já possam ser enquadradas como infração de
recusa à ordem superior, dado que se trata de diretriz oficial das polícias
sobre o uso das câmeras.
Rio de Janeiro e São Paulo são dois dos estados cujos governos locais apresentam postura no mínimo relutante quanto ao uso das câmeras, beirando por vezes a oposição ao equipamento.
O governador Cláudio
Castro (PL) só estendeu a
tecnologia a todo o efetivo policial fluminense no início deste 2024, após
perder recurso no Supremo Tribunal Federal contra a decisão da
corte, de 2022, a favor dos dispositivos.
A gestão paulista de Tarcísio de
Freitas (Republicanos)
diz —com aval por ora de decisão do presidente do STF, Luís
Roberto Barroso—
que cumpre as diretrizes federais sobre câmeras, apesar de ter acabado com o
modo de gravação ininterrupta, o que levantou críticas de
especialistas.
Estados do Norte e do Nordeste lideram as
adesões ao programa coordenado pelo Ministério da
Justiça, que prevê o uso obrigatório dos equipamentos em 16
situações, incluindo no contato com presos, em ações ostensivas e operações
policiais.
Já passa da hora de a classe política compreender que as câmeras funcionam, protegem o trabalho de bons policiais e permite que ilegalidades sejam investigadas. Ademais, enquanto agentes encontram formas de driblá-las, cabe a suas lideranças na corporação, ao sistema de Justiça e aos governos estaduais assegurar que sejam responsabilizados.
O preocupante aumento da violência política
O Estado de S. Paulo
A sociedade e seus representantes precisarão encontrar
meios de desarmar os ânimos, desconstruir a polarização e obliterar a
infiltração do crime organizado no poder público
Um levantamento do Observatório da Violência Política e
Eleitoral (OVPE), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, identificou 455
casos de violência contra lideranças políticas do Brasil de janeiro a 16 de
setembro deste ano. À medida que o pleito se aproxima, os incidentes aumentam.
Entre julho e 16 de setembro, foram 15 homicídios. No período eleitoral
crítico, daqui até o segundo turno, a tendência é de aumento.
A violência política tem se intensificado nos últimos
ciclos eleitorais. Segundo levantamento do Estadão, a média de mortes por
motivações políticas nos primeiros dez ciclos da redemocratização foi de 52. Em
2020, ao menos 72 brasileiros foram assassinados por motivações políticas. Só
as agressões contra lideranças computadas pelo OVPE já são maiores que em 2020
e 2022.
Duas causas parecem alavancar essa escalada. Uma é da
ordem da cultura política: a intensificação da polarização e da intolerância e
a naturalização da truculência como meio de ação política. A outra é um
problema sistêmico de segurança pública: a expansão e complexificação do crime
organizado e sua infiltração no Estado.
Divergências são naturais e desejáveis em uma democracia.
Mesmo certos graus de polarização são normais. Processos deliberativos e ciclos
eleitorais culminam inevitavelmente em momentos em que é preciso decidir “sim”
ou “não”, “contra” ou “a favor”. O problema é quando essas polarizações –
necessárias, circunstanciais e localizadas – se degeneram em polarizações
estruturais, generalizadas e perniciosas, e a pluralidade de esferas sociais
passa a ser determinada pela clivagem político-ideológica.
Nas democracias esse processo de radicalização ocorre de
cima para baixo. Políticos de ofício têm incentivos para promover atitudes
polarizadas, forjando “batalhões” leais e permanentemente mobilizados. Em
contrapartida, esses batalhões exigem de seus representantes um alinhamento
cada vez mais estrito às linhas partidárias e desmoralizam os moderados.
Cria-se um círculo vicioso entre elites políticas radicais e massas militantes
radicalizadas, que esvazia o centro, amplia a distância entre os polos e intensifica
a hostilidade entre eles.
Essa clivagem única degrada o processo democrático,
impossibilitando interações, consensos e compromissos; disseminando
desconfiança nas instituições e no jogo democrático; e incentivando o
sensacionalismo e o tribalismo. Adversários políticos se tornam inimigos
existenciais. A desumanização do “outro” propicia as condições para violências
de todo tipo, desde a segregação até a eliminação.
Mas possivelmente a principal causa do aumento da
violência é a infiltração do crime organizado na máquina pública. A atuação das
facções e milícias passa pelo financiamento de campanhas de aliados,
intimidação e extorsão de eleitores, ameaças a políticos, corrupção de agentes
de Estado e captura de contratos públicos.
As forças de segurança precisam organizar núcleos
específicos que investiguem permanentemente as relações promíscuas entre a
política e o crime. Os partidos precisam aprimorar mecanismos de controle para
identificar e afastar criminosos ou agregados do crime organizado.
Quanto à violência política “passional”, por assim dizer,
a Justiça Eleitoral pode aprimorar as condições de segurança nos ciclos
eleitorais, especialmente nos dias das eleições. Mas desarmar os ânimos não é
tarefa de um dia, e a responsabilidade é de todos: de cada cidadão, das
organizações civis, mídia, instituições públicas e, especialmente, elites
políticas. Um desenho institucional de prevenção e mitigação deve considerar
melhorias no sistema da Justiça Eleitoral e uma infraestrutura para a paz, incluindo
pactos e códigos de conduta, comitês suprapartidários e campanhas e sistemas de
alerta.
A responsabilidade final é do eleitor. A menos que puna
hoje, nas urnas, os autoritários que instrumentalizam a retórica da
demonização, do “vale-tudo” no “nós contra eles” e, sobretudo, os que apelam às
vias de fato, amanhã não só seu voto pode ser tolhido, como a sua própria vida.
A epopeia da Autoridade Climática
O Estado de S. Paulo
Velha proposta recauchutada por Lula na crise das
queimadas parece longe de se tornar realidade em meio a disputas de poder, o
que só evidencia uma defesa dissimulada do ambiente
Já faz duas semanas que Lula da Silva anunciou a criação
da Autoridade Climática, panaceia da crise sem precedentes das queimadas e da
seca no Brasil. Inicialmente discutida na transição de governo, prometida em
discurso de posse da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e ressuscitada
durante as enchentes no Rio Grande do Sul, a iniciativa avança a passos lentos
e parece longe de se tornar realidade em meio a disputas de poder.
Os debates hoje giram em torno de como o órgão será
estruturado, mas, sobretudo, a quem exatamente estará subordinado. De um lado,
há quem advogue pela vinculação à Presidência da República e, de outro, ao
Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Ao jornal Valor, Marina propôs uma autoridade com
estrutura de autarquia – como exemplo, ela citou a vinculação da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao Ministério da Saúde. Em suas
palavras, “é assim que se desenham políticas públicas, para além da sazonalidade
política e da alternância de poder”.
À Coluna do Estadão, no entanto, o ex-ministro
Carlos Minc (PSB-RJ), que participou dos debates sobre a criação do órgão ainda
no governo de transição, defendeu seu atrelamento à Presidência. Para ele, essa
é uma forma de garantir que a autoridade tenha ascendência sobre variadas
pastas, como Agricultura e Minas e Energia, que, não raro, acumulam embates com
o MMA.
Nessa saga, o maior rival de Marina no governo, ao que
tudo indica, está na própria Casa Civil. Em entrevista ao jornal O Globo, o
ministro Rui Costa afirmou que a pasta chefiada pela colega apresentou há dois
meses um PowerPoint com a proposta, mas que somente há alguns dias elaborou um
texto, de fato, sobre a Autoridade Climática. Na minuta, o órgão estaria
subordinado ao Ministério do Meio Ambiente, o que não parece ter agradado a Rui
Costa. O ministro disse ter dúvidas se, nesse modelo, o órgão seria uma
“autoridade” ou apenas um “departamento”. E, na dúvida, o petista não tem
pressa alguma para encaminhar a proposta. Segundo ele, ainda precisa “refletir
muito”.
Antes disso, a Autoridade Climática já havia sido
engavetada em razão das frequentes dificuldades da articulação política do
governo no Congresso. O Legislativo precisaria dar aval à criação dessa
estrutura, que é vista com muita desconfiança pela bancada ruralista.
Toda essa discussão é lateral e mal consegue esconder o
fato de que o governo não trata o tema com a prioridade que merece. Passados
quase dois anos desde o surgimento da proposta dessa autoridade, é
incompreensível que ela ainda seja uma vaga ideia e que não tenha vindo a
público nem sequer um rascunho que seja com suas atribuições, seus limites e
seu vínculo ao Ministério do Meio Ambiente ou à Presidência da República.
Quem deveria ter tomado essa decisão é Lula da Silva, e é
impressionante que ainda não o tenha feito. Depois de tantas palavras lançadas
ao vento, vê-se que o governo escreve uma longa epopeia cujo fim é impossível
prever, talvez na expectativa de que surja um deus ex machina para
resolver o mau roteiro. Ademais, a depender da demagogia do petista na área,
nada garante que, mesmo no Planalto, esse órgão terá poder para coordenar
esforços, elaborar projetos transversais e executar ações de prevenção, mitigação
e adaptação às mudanças do clima.
Marina, já dissemos neste espaço, figura na atual gestão
como um vaso chinês – valioso, mas meramente decorativo. Faz sentido que ela
queira essa autoridade sob sua guarda, até para afastar o risco de esvaziamento
de suas competências, mas é bom lembrar que Marina recusou assumir o órgão
quando ele lhe foi oferecido na transição, e é de perguntar o que teria
motivado a repentina mudança de posição.
Enquanto essas disputas ocorrem, o tempo passa e as
queimadas continuam a arder pelo Brasil. Tudo isso evidencia que a agora tão
falada Autoridade Climática é puro improviso para encobrir a omissão e a falta
de planejamento de Lula da Silva para lidar com uma questão que ele tanto diz,
mundo afora, se preocupar.
A barreira ambiental da EU
O Estado de S. Paulo
Além de se queixar do protecionismo da União Europeia,
Brasil deveria se empenhar mais pelo ambiente
Apesar dos apelos de grandes países exportadores, como
Brasil, China e EUA, a União Europeia (UE) comunicou à Organização Mundial do
Comércio (OMC) que não adiará a entrada em vigor de sua “Lei Antidesmatamento”.
Conhecida como EUDR, a regulação, que passa a valer em 30 de dezembro deste
ano, pode reavivar a era de grandes conflitos comerciais globais, tendo por um
lado países que falham no combate ao desmatamento, como o Brasil, e do outro,
os europeus valendo-se de causa nobre, a proteção do meio ambiente, por motivos
comerciais.
No começo de setembro, quando imagens apocalípticas de um
Brasil devorado por queimadas passaram a correr o mundo, os ministros de
Relações Exteriores, Mauro Vieira, e da Agricultura, Carlos Fávaro, enviaram
carta à UE solicitando que a EUDR, classificada na missiva de “medida
unilateral coerciva e punitiva”, fosse pelo menos adiada. O Brasil é um dos
principais fornecedores de produtos como carne, soja e café para a Europa, e
essas exportações podem sofrer um tombo expressivo com a nova legislação.
Que países europeus usam a causa ambiental para proteger
seus mercados agrícolas ineficientes, não é segredo para ninguém. A França, em
atitude oposta à de pares como a Alemanha, não perde uma oportunidade de se
manifestar contra um acordo entre a UE e o Mercosul, criticando as práticas de
produtores sul-americanos, na realidade muito mais competitivos no agro,
enquanto internamente relaxa regras ambientais que seus próprios produtores não
conseguem, ou não querem, cumprir. E a inflexibilidade em relação à entrada em
vigor da EUDR, pouco clara em muitos aspectos, apenas reforça a suspeita de que
a motivação europeia é muito mais comercial do que ambiental.
Mas, se não é de hoje que os europeus usam o meio
ambiente como desculpa para, sejamos francos, praticar protecionismo
escancarado, o Brasil não cansa de dar provas, como demonstram as queimadas
recentes, de que não faz o suficiente para lidar de maneira eficiente e
organizada com a questão ambiental. Por ora, a seca que nos aflige, em que
pesem os prejuízos à vida, à saúde e às finanças dos brasileiros, não gerou
nada muito além de reuniões apressadas, enquanto a criação de uma propalada
autoridade Climática não decola mesmo diante das sucessivas tragédias
ambientais que o País acumula apenas neste ano.
A verdade é que, por mais que a motivação real da UE
possa fundamentalmente ter pouco a ver com a causa ambiental, para países como
o Brasil a conta da negligência com o desmatamento mudou de patamar: mais que a
perda bilionária em exportações, o que se tem visto nos últimos dias nas mais
diversas regiões do País é que viver está se tornando mais difícil, razão pela
qual é urgente frear a degradação ambiental.
Sem fazer o que precisa ser feito, ao Brasil, por
enquanto, só resta engrossar o coro dos descontentes com as barreiras europeias
e posar de vítima de protecionismo.
Cidadão quer e merece mais
Correio Braziliense
Cada eleitor brasileiro tem seu candidato. A
relação entre eles deve ser de mão dupla: te dou meu voto e quero
responsabilidade
Os brasileiros irão às urnas no próximo
domingo levando nas mãos o título de eleitor e, na cabeça, sonhos de dias
melhores, confiança na concretização das propostas de seus candidatos e
pensamento sempre positivo no fortalecimento da democracia. Ao apertar a tecla
'confirma', no primeiro turno do pleito, cada um está não só depositando seus
anseios como acreditando que o prefeito e os vereadores se comprometem
realmente a trabalhar pelos municípios que os escolheram.
Cidadão e cidade são palavras da mesma
família - nunca é demais lembrar. Então, o chefe do Executivo municipal deve
viver atrelado à vontade coletiva, governando para todos ou, no caso dos
parlamentares, legislando de olho no bem comum. "A" não é mais
importante do que "B", um bairro tal jamais pode ser alvo de todos os
recursos em detrimento de outros, buracos nas ruas são verdadeira ofensa a
pessoas de todas as gerações.
Nas campanhas eleitorais, os temas mais
enfocados, geralmente, são educação, saúde, segurança pública e transporte. De
uns tempos para cá, o essencial saneamento básico veio à tona, sepultando a
antiga teoria de que o que está debaixo da terra, portanto invisível aos olhos
da população, não dá voto. Já era tempo! E será somente isso que o povo quer?
A resposta certamente é não. Há muitas ideias
que podem tornar bem mais 'habitável' uma capital ou uma cidade do interior
brasileiro. Por que construir um condomínio residencial, de luxo ou popular, à
beira de um rio, se essa mesma área pode ser desapropriada pela prefeitura para
construção de um parque? Além de frear o adensamento urbano, o gestor deve
pensar na qualidade de vida, no meio ambiente, no convívio dos moradores, ainda
mais em épocas de temperaturas tão elevadas como agora.
As cidades brasileiras, e nem é preciso ter
muita memória para saber, vira e mexe ficam à mercê das enchentes, com estragos
generalizados. Destruição de casas, desabamento de muros, soterramentos e
mortes entram na lista das mazelas derivadas das cheias. Assim, os prefeitos
devem ter visão e refletir, planejando obras com técnica e determinação, sem
dar ouvidos à ganância do dinheiro. Em vez de escolher áreas vulneráveis, o
mais indicado é indicar, aos empreendimentos imobiliários, empresariais e
industriais, terrenos que causem menos impactos e perturbação às pessoas.
Cultura é outro território amplo e faz parte
da escalada humana desde que o mundo é mundo. Mais do que oferecer apenas shows
grandiosos, pagando milhões de reais a artistas de renome nacional, que tal
criar condições para que a arte floresça e dê frutos. Um teatro, em boas
condições, claro, fomenta as artes cênicas, integra as comunidades, aponta
direções e empolga corações e mentes.
Prefeitos devem pensar, sempre, no cidadão
que passa pelas ruas a caminho do trabalho, da escola, de um encontro com um
amigo ou para ver o pôr do Sol com a namorada. Vias públicas devem ser tratadas
com o maior carinho. Não devem ter buracos, precisam de limpeza permanente, não
podem ficar por horas seguidas com os sacos de lixo à mostra, demandam
manutenção. O dinheiro do contribuinte está em cada esquina, em cada metro de
pavimentação e nas mudas de árvores plantadas.
Nada disso, no entanto, faz sentido se não
houver segurança pública. Seu José, com seus 80 anos, tem o direito de ir ao
supermercado e chegar em casa tranquilo e sereno, com os documentos no bolso,
sem ser assaltado. Maria, de 20, universitária, não pode viver com medo de ser
estuprada na volta de uma festa. Beto, morador da favela, deve ter seu ir e vir
garantido, sem se sentir ameaçado.
Cada eleitor brasileiro tem seu candidato. A
relação entre eles deve ser de mão dupla: Dou-te meu voto e quero
responsabilidade. E se o prefeito ou vereador vier com a velha história da
falta de recursos, que tal lembrá-los que criatividade não tem preço?
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