Folha de S. Paulo
Assunto de vários níveis de governo parece
ter pouco espaço em meio a debates eleitorais superficiais
Mais da metade da população da cidade de São
Paulo possui algum grau de
insegurança alimentar. É o que afirma a pesquisa intitulada "I
Inquérito sobre a Situação Alimentar do Município de São Paulo", realizada
neste ano por duas universidades paulistas, a Unifesp e a UFABC.
Segundo o estudo, divulgado em 20 de setembro, 12,5% dos moradores da cidade, cerca de 1,4 milhão de pessoas, experimentam insegurança alimentar grave. Ou seja, passam fome. A maioria (72%) vive nas periferias e é de trabalhadores informais (52%), principalmente mulheres que trabalham como faxineiras e diaristas (34%).
Já a insegurança alimentar moderada, quando
há uma redução quantitativa de alimentos, atinge 13,5% dos moradores, e 24,5%
experimentam insegurança alimentar leve, ou seja, não têm certeza se terão
acesso a alimentos no futuro próximo.
De acordo com a pesquisa, os moradores
da cidade mais rica do país passam mais fome do que o
brasileiro médio. Em São Paulo, a insegurança moderada e grave afetaria 38,7%
dos lares com rendimentos de até meio salário mínimo per capita, quase o dobro
da média nacional, 22%. São dados chocantes.
O alto custo de vida em São Paulo faz com que
muitos moradores tenham que tomar decisões difíceis todos os dias. Os
entrevistados que passam fome dizem que deixam de comprar alimentos para
adquirir passagens de ônibus e metrô ou pagar contas. Mais de um terço dos
entrevistados afirmaram ter feito algo que causou vergonha, constrangimento ou
tristeza para conseguir comida.
Em termos de políticas públicas, o cenário é
extremamente desafiador. Mais de dois terços das pessoas que passam fome (68%)
não são beneficiárias do programa
Bolsa Família. No entanto, a participação no programa não garante a
segurança alimentar. Apenas 27,1% dos domicílios com beneficiários do Bolsa
Família possuem segurança alimentar.
Além disso, 89,5% não recebiam auxílio-gás,
76,3% não haviam acessado um restaurante popular ou cozinha comunitária, e
54,5% não haviam recebido doação de alimentos. Isso significa que importantes
iniciativas ligadas à formulação e execução de políticas sociais e econômicas,
em vários níveis governamentais, ainda são insuficientes para combater a fome
na maior cidade do Brasil.
No entanto, em vez de iniciar um necessário
diálogo entre pesquisadores e gestores, a pesquisa foi mal recebida pela
prefeitura.
De acordo com um comunicado emitido pela
Secretaria de Comunicação da gestão municipal, seria irresponsável
abordar um assunto tão sério em meio às eleições. Além disso,
afirma-se que os dados apresentados contrariam aqueles coletados pela Pnad
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) em 2023, de que 1,37 milhão de
pessoas sofrem de insegurança alimentar grave no estado de São Paulo. Na
pesquisa produzida pelas universidades, seriam 1,4 milhão de pessoas passando
fome apenas na capital paulista.
Se a ideia é justamente impactar atuais e
futuros tomadores de decisão, não há melhor momento para divulgar os dados.
Contudo, tratar de "um assunto tão sério", e que envolve políticas
relacionadas a vários níveis de governo, de fato parece ter pouco espaço em
meio a debates eleitorais superficiais e tomados por agressões instagramáveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário