segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Camila Rocha - Mais de 1 milhão passam fome em São Paulo

Folha de S. Paulo

Assunto de vários níveis de governo parece ter pouco espaço em meio a debates eleitorais superficiais

Mais da metade da população da cidade de São Paulo possui algum grau de insegurança alimentar. É o que afirma a pesquisa intitulada "I Inquérito sobre a Situação Alimentar do Município de São Paulo", realizada neste ano por duas universidades paulistas, a Unifesp e a UFABC.

Segundo o estudo, divulgado em 20 de setembro, 12,5% dos moradores da cidade, cerca de 1,4 milhão de pessoas, experimentam insegurança alimentar grave. Ou seja, passam fome. A maioria (72%) vive nas periferias e é de trabalhadores informais (52%), principalmente mulheres que trabalham como faxineiras e diaristas (34%).

Já a insegurança alimentar moderada, quando há uma redução quantitativa de alimentos, atinge 13,5% dos moradores, e 24,5% experimentam insegurança alimentar leve, ou seja, não têm certeza se terão acesso a alimentos no futuro próximo.

De acordo com a pesquisa, os moradores da cidade mais rica do país passam mais fome do que o brasileiro médio. Em São Paulo, a insegurança moderada e grave afetaria 38,7% dos lares com rendimentos de até meio salário mínimo per capita, quase o dobro da média nacional, 22%. São dados chocantes.

O alto custo de vida em São Paulo faz com que muitos moradores tenham que tomar decisões difíceis todos os dias. Os entrevistados que passam fome dizem que deixam de comprar alimentos para adquirir passagens de ônibus e metrô ou pagar contas. Mais de um terço dos entrevistados afirmaram ter feito algo que causou vergonha, constrangimento ou tristeza para conseguir comida.

Em termos de políticas públicas, o cenário é extremamente desafiador. Mais de dois terços das pessoas que passam fome (68%) não são beneficiárias do programa Bolsa Família. No entanto, a participação no programa não garante a segurança alimentar. Apenas 27,1% dos domicílios com beneficiários do Bolsa Família possuem segurança alimentar.

Além disso, 89,5% não recebiam auxílio-gás, 76,3% não haviam acessado um restaurante popular ou cozinha comunitária, e 54,5% não haviam recebido doação de alimentos. Isso significa que importantes iniciativas ligadas à formulação e execução de políticas sociais e econômicas, em vários níveis governamentais, ainda são insuficientes para combater a fome na maior cidade do Brasil.

No entanto, em vez de iniciar um necessário diálogo entre pesquisadores e gestores, a pesquisa foi mal recebida pela prefeitura.

De acordo com um comunicado emitido pela Secretaria de Comunicação da gestão municipal, seria irresponsável abordar um assunto tão sério em meio às eleições. Além disso, afirma-se que os dados apresentados contrariam aqueles coletados pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) em 2023, de que 1,37 milhão de pessoas sofrem de insegurança alimentar grave no estado de São Paulo. Na pesquisa produzida pelas universidades, seriam 1,4 milhão de pessoas passando fome apenas na capital paulista.

Se a ideia é justamente impactar atuais e futuros tomadores de decisão, não há melhor momento para divulgar os dados. Contudo, tratar de "um assunto tão sério", e que envolve políticas relacionadas a vários níveis de governo, de fato parece ter pouco espaço em meio a debates eleitorais superficiais e tomados por agressões instagramáveis.

 

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