Folha de S. Paulo
O combate à corrupção é promessa não
realizada da democracia
As decisões monocráticas de Dias
Toffoli anulando provas inequívocas de corrupção envolvendo a OAS, e
de Ricardo Lewandowski, ex-juiz do Supremo e agora ministro da Justiça, viabilizando nomeações na Petrobras, ao arrepio da Lei das Estatais, nos fazem lembrar a frase com que Faoro
conclui Os Donos do Poder: "nossa sociedade –'um esqueleto de
ar'— está coberta pela 'túnica rígida do passado inexaurível, pesado,
sufocante'. E este passado é, em larga medida, o passado da impunidade e do
estatismo intervencionista, ao qual está umbilicalmente interligado".
A Nova República foi inaugurada sob a consigna do combate à impunidade: "A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune toma nas mãos de demagogos que a pretexto de salvá-la a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública". As palavras de Ulysses Guimarães, em seu discurso de promulgação da Constituição de 1988, atestam a centralidade que a questão assumira na agenda pública. E não podia ser diferente, pois a corrupção e a impunidade são faces da mesma moeda: abuso de poder. Na democracia ele não tem a visibilidade da violência e do arbítrio sob o autoritarismo; mais suave, é mais insidioso.
A referência de Ulysses à demagogia prenuncia
o papel que ela virá a desempenhar 30 anos depois, e, graças as redes sociais,
com uma musculatura que, vale reconhecer, ninguém seria capaz de antecipar. A
eliminação da corrupção é, assim, promessa não realizada da democracia.
Promessas não realizadas são o caldo de
cultura de populismos, à esquerda e à direita. A rejeição do statu quo —o
cinismo cívico generalizado— leva à aposta em aventureiros. As decisões que
estão sendo tomadas agora certamente semeiam crises à frente e afetam a
reputação institucional do STF.
Em "Judicial Reputation: A Comparative Theory" (reputação
judicial: uma teoria comparativa), Nuno Garoupa e Tim Ginsburg mostram que a
reputação institucional do Judiciário é crucial porque, em democracias,
"trata-se de um poder sem o controle da espada ou do orçamento" —na
formulação famosa de Hamilton—, e o cumprimento de suas decisões assenta-se
fundamentalmente em sua reputação. Quando o Judiciário, ou mais especificamente
as cortes superiores, desfruta de reputação positiva, seus graus de liberdade
aumentam.
Garoupa e Ginsburg utilizam teoria dos jogos
(modelos principal-agente) para examinar a interação estratégica entre juízes,
cortes superiores e seus públicos (audiences) externos e interno. Há um
problema de ação coletiva envolvendo a reputação de juízes individuais e da
instituição como um todo: os ministros que maximizam seus interesses
individuais ignoram o dano institucional coletivo.
As decisões de Dias Toffoli e Lewandowski
parecem terem sido tomadas com um público específico: o Poder Executivo e seu
ocupante. O que nos leva de volta à Faoro.
E a "túnica centralizadora" que
tudo atinge: "o sistema compatibiliza-se, ao imobilizar os partidos, as
elites, aos grupos de pressão, com a tendência a oficializá-los... a camada
dirigente atua em nome próprio servida dos instrumentos políticos derivados de
sua posse do estamento estatal".
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