segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Preto Zezé - Rumo às urnas

O Globo

É preciso diferenciar a politização fácil das redes de discursos realmente conectados com a realidade

Com quase 20 milhões de pessoas, as favelas representam uma fatia importante a ser disputada pelos candidatos no próximo pleito. O futuro está nas mãos dessas populações, mais lembradas em tempos de eleição. Como dizia um professor meu:

— Favelado fica mais importante em época de eleição.

O favelado enfrenta dificuldade para participar da política. Há uma visão equivocada de que todos votamos nos mesmos candidatos.

A política tem sido a maior invenção de transformação social. Quando se participa dela, descobrem-se os caminhos dos espaços de poder e decisão. Com o advento das redes sociais, os excluídos, por um lado, ganharam voz, mas, por outro, viraram presas fáceis para todo tipo de aproveitador.

Os debates e apresentações são cada vez mais teatrais, buscando a espetacularização ou até ridicularização da política. Não há espaço para propostas sérias. Tudo parece girar em torno de curtidas que se convertem em votos.

Dentre esses novos protagonistas políticos, dois tipos me chamam a atenção. O primeiro são os indivíduos não governamentais (INGs). Eles não têm trabalho social algum, mas agem como se tivessem um CNPJ, falando em nome de causas e pessoas com as quais não têm ligação alguma. Vivem de postar fotos em eventos e congressos, arrotando um monte de regras.

Nestes mais de 30 anos, acompanho a metamorfose de grande parte do movimento social e como esses INGs se escondem por trás de uma cortina chamada “sociedade civil organizada”. Geralmente, estão em muitos lugares ao mesmo tempo, já que não fazem parte de uma organização coletiva, mas têm grandes financiamentos dentro e fora do país. Seguem as próprias agendas, sem obrigação de prestar contas a ninguém, pois representam uma coletividade no individual, mas, na prática, não têm quem lhes cobre resultados.

O outro fenômeno que as redes sociais trouxeram são os “fora da política”, ou, como dizem, outsiders. Afirmam ser contra o sistema, mesmo sendo financiados e apoiados por ele. Querem destruir tudo, mas, na verdade, só desejam a chave do cofre e ditar as regras. Quem tem força, dinheiro e articulação tende a garantir seu lugar ao sol, o que retarda a renovação do quadro político brasileiro e acaba por eleger aqueles que já estão no poder.

Ter uma visão crítica e capacidade de discernimento passa por estar conectado diariamente com a realidade social, sem negar suas contradições, avaliando onde estão os interesses da maioria. Num ambiente polarizado, é necessário, mais do que nunca, ter uma visão aguçada para diferenciar a politização fácil das redes de discursos realmente conectados com a realidade.

Organização, articulação e conhecimento têm sido os caminhos que vejo para ressignificar o fazer político. Diante de tantas alianças que se fazem e se rompem, de tantos personagens que trocam de partido como trocam de roupa e de cenários que mudam o tempo todo, é fundamental saber escolher gente que está no cotidiano das necessidades, convivendo com a vida real e próxima das demandas em dias não eleitorais.

Na favela, as pessoas começam a perceber que os bons políticos são aqueles que servem a suas dores e buscas. E, assim, vai-se descobrindo que a política se faz no dia a dia. Quem ainda acredita que o povo é gado (de todas as cores) descobrirá, quando as urnas se abrirem, que curtidas não significam votos.

 

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