segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Lygia Maria - Vícios sem paternalismo estatal

Folha de S. Paulo

Seja no caso das bets ou das drogas, poder público deve escolher o melhor problema, ou seja, o mais manejável com os recursos escassos disponíveis

O gasto de R$ 3 bilhões em apostas online (bets) por beneficiários do Bolsa Família inflamou o debate público.

Produtos que causam externalidades negativas —como dependência física ou psicológica— tendem a ser tratados, pelo Estado e pela sociedade, por um viés moralista que incita medo. A consequência são políticas paternalistas e punitivistas que, geralmente, não apenas não contêm o problema como ainda o pioram.

guerra às drogas é o exemplo clássico. Quaisquer prejuízos que o consumo de maconha ou cocaína possam causar nem sequer chegam perto dos efeitos nefastos da proibição, como o monopólio pelo crime organizado, as disputas entre cartéis do tráfico e suas facções, a violência urbana que atinge sobretudo a população mais pobre e a corrupção policial e do sistema de justiça.

Para uma ação eficaz, Estado e sociedade deveriam escolher o melhor problema, ou seja, o mais manejável com a alocação dos recursos escassos disponíveis.

O custo do vício é alto para indivíduos, suas famílias e o sistema de saúde, mas ainda é consideravelmente menor do que quando se insere o crime organizado na equação —e ele sempre é adicionado quando um produto é jogado na ilegalidade.

Foi o que o mundo fez com o tabaco. Sem proibi-lo, o número global de fumantes entre homens caiu 27% e, entre as mulheres, 38%, de 1990 a 2020.

Assim, o governo acertou ao legalizar as bets, mas errou na regulação. É preciso banir propagandas, obrigar a divulgação de alertas sobre os riscos em sites e aplicativos e aumentar impostos, além de fortalecer o SUS com campanhas preventivas e tratamento de dependentes.

Em relação ao Bolsa Família, o espanto se deve à novidade das bets. Basta pensar em quantos beneficiários devem usar parte da verba para comprar álcool. Isso não diminui o ganho civilizatório trazido pelo programa, mas é urgente refinar o cadastro para combater distorções e fraudes.

Não é papel do Estado tentar eliminar comportamentos nocivos à saúde dos indivíduos —qualquer ação nesse sentido descamba em totalitarismo. Ele deve apenas instituir e monitorar as regras do jogo, não proibi-lo.

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