Folha de S. Paulo
Seja no caso das bets ou das drogas, poder público deve escolher o melhor problema, ou seja, o mais manejável com os recursos escassos disponíveis
O gasto de R$ 3 bilhões em apostas online (bets) por
beneficiários do Bolsa Família inflamou o debate público.
Produtos que causam externalidades negativas
—como dependência física ou psicológica— tendem a ser tratados, pelo Estado e
pela sociedade, por um viés moralista que incita medo. A consequência são
políticas paternalistas e punitivistas que, geralmente, não apenas não contêm o
problema como ainda o pioram.
A guerra às drogas é o exemplo clássico. Quaisquer prejuízos que o consumo de maconha ou cocaína possam causar nem sequer chegam perto dos efeitos nefastos da proibição, como o monopólio pelo crime organizado, as disputas entre cartéis do tráfico e suas facções, a violência urbana que atinge sobretudo a população mais pobre e a corrupção policial e do sistema de justiça.
Para uma ação eficaz, Estado e sociedade
deveriam escolher o melhor problema, ou seja, o mais manejável com a alocação
dos recursos escassos disponíveis.
O custo do vício é alto para indivíduos, suas
famílias e o sistema de saúde, mas ainda é consideravelmente menor do que
quando se insere o crime organizado na equação —e ele sempre é adicionado
quando um produto é jogado na ilegalidade.
Foi o que o mundo fez com o tabaco. Sem
proibi-lo, o número global de fumantes entre homens caiu 27% e,
entre as mulheres, 38%, de 1990 a 2020.
Assim, o governo acertou ao legalizar
as bets, mas errou na regulação. É preciso banir propagandas,
obrigar a divulgação de alertas sobre os riscos em sites e aplicativos e
aumentar impostos, além de fortalecer o SUS com campanhas preventivas e
tratamento de dependentes.
Em relação ao Bolsa Família, o espanto se
deve à novidade das bets. Basta pensar em quantos beneficiários devem usar parte
da verba para comprar álcool. Isso não diminui o ganho civilizatório trazido
pelo programa, mas é urgente refinar o cadastro para combater distorções e
fraudes.
Não é papel do Estado tentar eliminar
comportamentos nocivos à saúde dos indivíduos —qualquer ação nesse sentido
descamba em totalitarismo. Ele deve apenas instituir e monitorar as regras do
jogo, não proibi-lo.
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