sábado, 15 de março de 2025

40 anos da redemocratização: o sobe e desce do pluripartidarismo

Bernardo Melo e Caio Sartori / O Globo

Quatro décadas depois de Sarney assumir Presidência, Congresso caminha para voltar à fragmentação pós-ditadura; novas regras reduzem siglas, mas sem resolver crise

No ano em que se completam quatro décadas da redemocratização, o Brasil experimenta uma diminuição do número de legendas no Congresso que, já em 2026, pode reduzir a fragmentação partidária ao nível das eleições de 1986. Aquela disputa, a primeira com voto direto após a transição da ditadura militar para o regime democrático — cujo marco é a posse do primeiro presidente civil, José Sarney, em 15 de março de 1985 —, ocorreu em um contexto de abertura ao pluripartidarismo, e terminou com 12 partidos representados na Câmara. Atualmente, há 16 bancadas na Casa, incluindo três federações, e o aumento das exigências da cláusula de barreira vem levando ao menos outros cinco partidos a discutirem fusões e incorporações.

Pesquisadores avaliam que o pluripartidarismo, juntamente à Lei da Anistia e ao fim do AI-5, compôs um pacote essencial para o desmantelamento da ditadura — o bipartidarismo vigorou na maior parte do regime militar, entre 1966 e 1979. A pulverização trouxe, porém, desafios para a formação de coalizões. O país chegou a ter 35 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições de 2018, quando 30 siglas elegeram representantes à Câmara, o recorde do período. A partir daí, mudanças nas regras de acesso a recursos de campanha e o fim das coligações na eleição legislativa estimularam o enxugamento do total de siglas. Hoje, há 29 partidos registrados no país.

Mesmo com a redução de legendas, no entanto, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresenta maior dificuldade para montar uma base parlamentar do que em seus dois mandatos anteriores, em 2002 e 2006. Nas duas ocasiões, o próprio PT e o PMDB, respectivamente, eram os maiores partidos da Câmara, com cerca de 90 deputados.

Distância ideológica

O tamanho da maior bancada vinha caindo em paralelo à maior pulverização partidária, mas voltou a crescer em 2022, quando o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro elegeu 99 deputados. Até então, era incomum que um partido abertamente de oposição iniciasse o governo com mais deputados: o único precedente havia sido o PT em 2018.

— A retomada dos partidos na década de 1980 foi importante para diluir a força da Arena, que era o partido da ditadura. Esse aumento da fragmentação trouxe impactos à governabilidade, mas o principal fator de dificuldade hoje é a maior distância ideológica entre um Executivo mais à esquerda e um Legislativo mais à direita, no qual o centro ficou esmagado — avalia a cientista política Joyce Luz, pesquisadora do Cepesp/FGV-SP.

Para a pesquisadora, o crescimento do Centrão desde o governo Bolsonaro — na prática, um bloco informal de parlamentares fiadores da governabilidade — deixou o Legislativo com “um alicerce suprapartidário, sem a capacidade de coesão que antes tinham os líderes de cada partido”.

Coautor do livro “Democracia negociada — Política partidária no Brasil da Nova República”, o historiador Leonardo Weller lembra que o termo “Centrão” foi inicialmente aplicado, no pós-ditadura, para caracterizar o agrupamento entre siglas nanicas à época, como PL e os extintos PSC (incorporado ao Podemos) e PDC, um dos precursores do PP. Eles se juntaram a partidos maiores de direita, como o PFL, que daria origem, em 2022, ao União Brasil, e o PDS, sucessor da Arena. O grupo contava também com parte do próprio PMDB (hoje MDB), herdeiro da oposição à ditadura.

A enorme bancada peemedebista de 280 deputados, a única vez em que um partido teve maioria sozinho na Câmara, mascarava uma divisão entre parlamentares de centro-esquerda — parte deles deixaria o PMDB para fundar o PSDB em 1988 — e uma outra ala de “ex-arenistas”, como o próprio presidente Sarney.

— O Centrão era o Arenão. Depois que Bolsonaro tomou o lugar do PSDB como anti-Lula, passamos a ter uma direita mais radical, mas ainda assim vários desses partidos estão na aliança do governo. Eles também estavam nos governos anteriores do PT, só que hoje existe uma menor harmonia, porque mudaram os atores do Congresso — analisa Weller.

Ele também avalia que governo e Congresso passaram a “disputar uma fatia cada vez menor do Orçamento”, resultado de um “problema fiscal que vem recrudescendo” e de mudanças na legislação, desde 2015, que tornaram obrigatório o pagamento de emendas parlamentares.

Deputado federal desde 1995 e ex-presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP) afirma que essa correlação de forças entre Executivo e Legislativo, alterada primeiro pelo aumento de siglas na redemocratização, foi aprofundada recentemente com a ascensão de uma extrema-direita menos contida.

— Antes a direita não se apresentava como tal, tanto que na Constituinte se cria o termo Centrão. O Congresso foi indo mais à direita nos últimos anos — conclui.

Fatores combinados

Segundo Weller, a pulverização partidária ocorreu a partir dos anos 1990 devido a “incentivos generosos” da legislação brasileira, como a garantia de recursos públicos do fundo partidário e de tempo de propaganda em TV. Além disso, a regra de coligação proporcional permitia, na prática, que os partidos pequenos “dessem um pouquinho de tempo de TV e recebessem um pouco dos votos dos partidos grandes”.

Em 2017, porém, o Congresso aprovou o fim das doações de empresas para campanhas e a criação do novo fundo eleitoral, além de ter estabelecido uma cláusula de barreira que exige percentuais mínimos de votos e de deputados eleitos para que os partidos sigam tendo acesso aos recursos. Essas regras, combinadas ao fim das coligações proporcionais a partir de 2020, restringiram a margem de atuação dos partidos e viraram “incentivos para a negociação de fusões”, segundo a pesquisadora Joyce Luz:

— Se você tem menos partidos, isso tende a aglutinar preferências do Congresso.

Contemporâneo de Chinaglia na Câmara, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), no oitavo mandato, elogia o enxugamento do que classifica como “legendas de aluguel”, mas vê necessidade de outras medidas que deem maior coerência partidária:

— Um deputado não pode chegar em postos na Mesa Diretora, presidência de comissões ou relatorias indicadas pelo partido e defender uma visão totalmente diferente do que o programa partidário prega.

Nenhum comentário: